Descriminalização das drogas

Se é interesse coletivo dar resolução à problemática causada pelo uso das drogas, discuta-se o tema com seriedade e conhecimento, sem preconceitos e proselitismos de qualquer espécie

Se é interesse coletivo dar resolução à problemática causada pelo uso das drogas, discuta-se o tema com seriedade e conhecimento, sem preconceitos e proselitismos de qualquer espécie
Se é interesse coletivo dar resolução à problemática causada pelo uso das drogas, discuta-se o tema com seriedade e conhecimento, sem preconceitos e proselitismos de qualquer espécie (Foto: Marcelo Uchoa)


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Está em pauta no STF, com repercussão geral reconhecida, um julgamento que pode virar de ponta a cabeça toda tradição conservadora que tem norteado a política sobre drogas no país. Trata-se da decisão no RE 635.659, que diz respeito à descriminalização das drogas para o uso próprio. Na prática, a permissão do uso de drogas para fins recreativos, tornando sem efeito o art. 28 da Lei 11.343/06, que fixa penas para “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização”.

A permissão soa estranho, mas é interessante dizer que inúmeras personalidades já se puseram a favor da medida: os ex presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva (Brasil), Jose Mujica (Uruguai), Ernesto Zedillo (México), César Gaviria e Juan Manuel Santos (Colômbia), Otto Pérez Molina (Guatemala), além de personalidades mundiais, como Kofi Annan, Mario Vargas Llosa, e brasileiras, como  Nelson Jobim, José Carlos Dias, José Gregori, Aloysio Nunes, Miguel Reale Junior, Tarso Genro e o falecido ministro Márcio Thomaz Bastos. E não por acaso pensam assim, o recurso a substâncias químicas para deleite humano é uma condição histórica que atravessa milênios. O uso de bebidas fermentadas, alcoólicas, de ervas alucinógenas, é aceito até mesmo em rituais religiosos.

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O que é preciso compreender-se é que a fronteira que separa a maconha (cannabis) do álcool é apenas uma lei, uma norma jurídica que define o que é lícito e o que é ilícito. Entretanto, a própria cannabis foi fartamente utilizada em suas qualidades medicinais até a primeira metade do século XX, ainda hoje sendo assim utilizada em alguns países, como os Estados Unidos. Noutros países, Holanda, Uruguai, p. ex, seu uso é liberado. A discussão na ordem do dia no Brasil, a descriminalização das drogas para uso próprio, já está superada na Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, Colômbia e Argentina. Ali, além da descriminalização do consumo individual, a questão vem, há anos, sendo tratada como tema de saúde pública, a ser enfrentada com estratégias de redução de danos, e não assunto policial.

A problemática das drogas não é a droga em si, mas o tráfico. O uso da droga com moderação e responsabilidade, não causa dissabores ao usuário nem a terceiros, o transtorno é causado pelo uso problemático, pela dependência, que tem, dentre uma de suas razões, a política proibitiva em curso e o pudor em falar-se abertamente sobre o que são as drogas, seus efeitos, seus riscos. Por outro lado, à coletividade, o mal vem do narcotráfico, um dos comércios mundiais mais expressivos do sistema capitalista, que continua soberano em sua atividade econômica porque não enfrentado adequadamente pelos Estados, através da concorrência direta.

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No momento em que o Estado regular o mercado do tráfico, assumindo o monopólio da produção e distribuição das drogas, controlada e moderadamente, para uso individual, dando às pessoas a liberdade de decidirem se querem ou não comprá-las e consumi-las, a rede criminosa se desconstituirá, e, para isso, é bastante provável que o uso de medidas policiais não precise ser tão ostensivo como é atualmente.

Portanto, se é interesse coletivo dar resolução à problemática causada pelo uso das drogas, discuta-se o tema com seriedade e conhecimento, sem preconceitos e proselitismos de qualquer espécie. Assim como quem consome álcool não quer matar, quem fuma crack também não quer roubar. O que mata é o consumo exagerado do álcool e a irresponsabilidade de, na sequência, dirigir. De forma semelhante, quem fuma o crack não quer roubar, o roubo decorre do uso desarrazoado e da dependência causada pelo consumo inadvertido e não controlado da droga. 

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