Descendo a ladeira

O mandato de Jair Bolsonaro, uma vez que não entende a vocação de suas funções, levando-nos para baixo, empurra-nos para o abismo. Não nos equivoquemos. Somos todos responsáveis por isso, sobretudo as elites que financiaram a sua vitória e lhe sustentam o cargo. Temos de cruzar os dedos para que, ao pé da ladeira, encontremos ainda um chão onde pisar



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Nações tiram orgulho de grandes feitos esculpidos na matéria prima da História por seus povos: uma vitória na guerra, a construção de uma verdade científica, um prêmio literário de prestígio internacional e coisas do gênero. Algumas fazem jus a monumentos em praça pública. Os arcos do triunfo representam um deles... É difícil atribuir orgulho a monumentos negativos, uma derrota, um fracasso importante. Foi o que se viu agora, no discurso do nosso Chanceler Ernesto Araújo. Tínhamos uma tradição de diplomacia competente e eficiente, digna de aplausos, desde o Barão do Rio Branco, passando, recentemente, pelas mãos do Embaixador Celso Amorim, que cunhou a sua atuação no Itamaraty com as palavras “ativa” e “altiva”, querendo salientar a defesa de uma autonomia frente aos embates internacionais. Pois Ernesto Araújo pisa no passado e festeja, numa cerimônia de formandos, a aventura de sermos párias. Algo nos levou tão longe em tão pouco tempo.

Ele trabalha para um Presidente que não hesita em disparar asneiras quando abre a boca. Numa viagem ao Maranhão, provavelmente para atingir o Governador Flávio Dino, estendeu à população local, a sério ou de brincadeira (já não interessa), comentários desrespeitosos. Desvalorizou o guaraná Jesus, um refrigerante desenvolvido na região e muito apreciado, hoje produzido pela Coca-Cola. Além disso, feriu os sentimentos dos homossexuais, estendendo aos homens o qualificativo de “boiolas”. Quer provocar, com minucioso cuidado, as crises que desencadeia e que o colocam nas manchetes quase todos os dias na condição de uma triste figura. Trata-se de uma escola que faz seguidores: Abraham Weintraub, ex-Ministro da Educação, de péssima memória, agora exilado e ocupando uma cadeira bem remunerada do Banco Mundial. Ernesto Araújo sente-se mal em ficar para trás dentro do elenco. Vestiu uma farda de analista da gestão, que não lhe cai bem, e saldou, como uma conquista extraordinária, a orgulhosa posição de nos havermos transformado em párias. Para completar, acrescentou duas ou três referências sobre João Cabral de Melo Neto, um dos grandes nomes da nossa poesia, achando que o diminuía a pecha de marxista... João Cabral ocupa uma posição definitiva nas letras brasileiras. Ganhou o Prêmio Camões, a mais importante láurea conferida aos escritores de língua portuguesa. Foi diplomata e amigo respeitado por grande intelectuais de sua época. Chega a impressionar, partindo de um alto funcionário da República, a insensibilidade dos comentários. Pelo menos que se calasse, se não lhe ocorria nada de relevante a mencionar. 

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Orgulho é o que sobra para uma nação quando seus antepassados cumpriram ações dignas e as deixaram como herança para os presentes. É uma ladeira difícil de subir, íngreme e cheia de obstáculos. Uma vez transposta, nada lhe reduz o grau de importância, porque confere aos contemporâneos uma vontade de honrar com a bandeira da nacionalidade e permanecer à altura dos que os antecederam. Descer esta ladeira, ao contrário, mostra-se rápido e leva de roldão as vaidades duramente conquistadas. O mandato de Jair Bolsonaro, uma vez que não entende a vocação de suas funções, levando-nos para baixo, empurra-nos para o abismo. Não nos equivoquemos. Somos todos responsáveis por isso, sobretudo as elites que financiaram a sua vitória e lhe sustentam o cargo. Temos de cruzar os dedos para que, ao pé da ladeira, encontremos ainda um chão onde pisar. 

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