Derrotamos a podridão do bolsonarismo nas urnas. Chegou a hora de desarticular sua base ideológica

"É nosso dever dizer ao povo que as máfias que se aproveitam da boa fé de nossa gente não têm o mínimo apego à dignidade da família", diz Jair de Souza

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro bloqueiam parcialmente a rodovia Castelo Branco durante um protesto pela derrota de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial, em Barueri, Brasil. 2 de novembro de 2022.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro bloqueiam parcialmente a rodovia Castelo Branco durante um protesto pela derrota de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial, em Barueri, Brasil. 2 de novembro de 2022. (Foto: REUTERS/Amanda Perobelli)


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Por Jair de Souza

O bolsonarismo foi derrotado nas urnas em 30 de outubro. Embora os líderes das forças de extrema direita brasileiras não esperassem por este desfecho, no campo popular, nós também demoramos um pouco para nos dar conta de como foi grandiosa a nossa vitória.

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À medida que as informações iam sendo conhecidas, fomos entendendo como a máquina do governo bolsonarista fez de tudo para tentar garantir a reeleição de seu capitão. Além das centenas de bilhões de reais de dinheiro público desviados através do orçamento secreto para favorecer a viabilidade política de seus aliados, outros tantos foram descaradamente empregados para bancar a gigantesca compra de votos da população mais necessitada. As cenas estampadas na reportagem do jornalista Caco Barcellos dão boa ideia da dimensão do jogo sujo e da roubalheira de recursos públicos praticados nessa tentativa de impedir que os interesses reais do povo brasileiro fossem respeitados.

Para estimar o volume total  de dinheiro envolvido nesse monstruoso esquema para a compra direta de votos, é preciso levar em consideração que operações semelhantes à do caso exibido na reportagem no município de Coronel Sapucaia devem ter ocorrido também nas outras mais de 50.000 localidades onde recursos do chamado Auxílio Brasil foram despejados.

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Ao mesmo tempo em que se desenrolava esse infame derrame de dinheiro para interferir na vontade dos eleitores, muitas outras pessoas eram submetidas a uma monstruosa lavagem cerebral de cunho religioso no interior dos templos daquelas igrejas-empresas que lucram barbaridade com a exploração da fé de gente humilde e bem intencionada que anda à procura de alguma esperança na vida. Essas igrejas-empresas se dedicam à venda, por atacado e no varejo, de títulos para a salvação da alma e negociam com o desejo do alcance da prosperidade aqui na terra. Tudo isso é apresentado como acessível ao grande público, desde que haja a disposição de aceitar sem nenhum questionamento as orientações políticas desses líderes empresariais-religiosos e, mais importante ainda, seja efetuado o pagamento de vultosas somas em dinheiro para as arcas (ou bolsos) dessas instituições.

Ainda que esteja evidente que os donos dessas igrejas e seus pastores-funcionários odeiam profundamente a figura de Jesus e tudo o que ela simboliza, eles não hesitam em lançar mão de seu nome para impulsar e defender propostas e objetivos contra os quais Jesus sempre lutou. Há vários anos, esses mercadores da fé vêm se esforçando para inculcar nos fiéis que frequentam seus estabelecimentos a mensagem de que o líder bolsonarista é o novo enviado de Deus para nos salvar. Não importa que as características pessoais e políticas do capitão bolsonarista o coloquem muito mais em alinhamento com uma pauta digna do diabo, e não com a que deveria ser associada com Deus. Na verdade, esse “novo messias” não tem absolutamente nada a ver com o Jesus que conhecemos nos relatos de sua vida como ser humano. Mas, se o paralelo fosse traçado em relação a Satanás, a figura mudaria de sentido.

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Como se o já mencionado não tivesse sido suficiente para beneficiar o bolsonarismo na recém-findada disputa eleitoral, nas semanas que antecederam ao pleito, os dirigentes bolsonaristas não vacilaram em pôr em ação uma intensa campanha de violência visando a intimidação dos militantes adversários e, com isso, impedir qualquer manifestação pública de simpatia ao candidato das forças populares. Também não tiveram nenhum pudor em colocar em ação todo o contingente da PRF com o propósito de obstruir a passagem dos eleitores nas regiões onde Lula tinha vencido com larga margem no primeiro turno. Curiosamente, nenhum bloqueio semelhante foi realizado pela PRF em localidades onde o voto tinha sido majoritariamente favorável ao bolsonarismo. Tudo deve ter ocorrido assim por mera “casualidade”, não acham?

Inegavelmente, se tratava de um plano audacioso e, aparentemente, infalível. Porém, para o desconcerto das cúpulas nazibolsonaristas, seu objetivo não foi alcançado. É evidente que subestimaram a magnitude da representatividade daquele a quem estavam tentando aniquilar. Não souberam compreender a profundidade dos vínculos de Lula com as massas populares. Em consequência, a despeito de tudo o que gastaram e de todos os crimes que cometeram, Lula os derrotou inapelavelmente e se sagrou vencedor  na votação do segundo turno. E, ao dizer Lula, me refiro às forças populares com as quais ele está identificado.

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Nos parágrafos precedentes, fizemos uma breve exposição da epopeia que foi ter derrotado as forças do nazismo bolsonarista nas urnas. Nos próximos, vamos procurar ressaltar o que consideramos ser essencial para eliminar para sempre o risco de a podridão do bolsonarismo voltar a assumir protagonismo no cenário político nacional.

Nossas observações nos revelam que a sustentação do bolsonarismo em termos de massas populares tem se dado através da manipulação de pautas reivindicativas que buscam desviar o foco das lutas sociais que dizem respeito à distribuição de riquezas materiais. Em vista disto, as questões socioeconômicas são substituídas por outras relacionadas com a religião, a moral e os costumes. Ao pautar o debate com base nesses aspectos, os ideólogos a serviço do grande capital almejam formar um amplo leque de apoio a suas causas e a seus interesses materiais concretos. Eles sabem que, se a disputa fosse travada em função dos verdadeiros interesses materiais de cada grupo, seria impossível forjar qualquer nível de unidade entre banqueiros e grandes proprietários de terras, por um lado, e gente de poucas posses e assalariados, por outro.

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Depois de termos vencido nas urnas, vamos ter de enfrentar um forte desafio também no tocante às pautas que têm servido para dar fôlego ao fascismo bolsonarista. Quero adiantar que não pretendo recomendar a ninguém que, caso já não o seja, se torne religioso, moralista ou tradicionalista. O que eu gostaria de deixar patente é que nossas propostas políticas condizem com os interesses de todos os que querem de fato o bem para as maiorias populares, independentemente de sua religião, seu sentimento de moralidade e sua sensibilidade comportamental. Os únicos grupos que realmente têm motivos para se sentirem ameaçados com nossa atuação são os integrantes da ínfima minoria de possuidores de grandes fortunas.

É nosso dever dizer ao povo, sem dubiedade, que as máfias que se aproveitam da boa fé de nossa gente não têm o mínimo apego à unidade e à dignidade da família. Se o tivessem, jamais teriam aceitado participar de corpo e alma na campanha eleitoral de um dos políticos mais depravados de que se tem notícia ao longo de nossa existência como nação. Como admitir que o baluarte da defesa da moral e da honra da família possa ser alguém cujo histórico de vida vai em contra de qualquer ideia que se tenha de um respeitador das boas tradições familiares? Ou ter casado e descasado inúmeras vezes, ter gerado filhos de várias diferentes mães vivas, ser um inveterado cultivador de ideias misóginas e pedófilas, como podem tais coisas serem elencadas como qualidades afins a alguém em condições de liderar o combate na defesa da família? É lógico que essas questões nem deveriam estar em discussão quando a questão diz respeito à política. Mas, o que decididamente nunca devemos tolerar é a hipocrisia!

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É nossa obrigação deixar a nu os farsantes que, sob o argumento de serem argutos defensores da vida, se opõem furiosamente ao aborto em quaisquer circunstâncias, ao passo que tecem loas à pena de morte e à execução sumária dos jovens pobres e negros de nossas periferias. A sensação que sinto quando me deparo com tanto caradurismo é semelhante ao que sentiria se alguém aparecesse agora propondo a indicação postmortem de Adolf Hitler para o Nobel da Paz.

De nossa parte, não necessitamos de nenhuma motivação religiosa para tentar eliminar, ou ao menos reduzir significativamente, a prática do aborto. Todas as pessoas com um mínimo de conhecimento do funcionamento do metabolismo humano sabem que a interrupção de uma gestação tende a causar muito sofrimento e sérios problemas psicológicos para a mulher que se vê submetida a isto. Por isso, é nosso dever moral envidar esforços para que o número de abortos efetuados caia ao patamar mínimo possível. Para que isso possa tornar-se realidade, é fundamental que nossas crianças recebam uma educação sexual apropriada que lhes permita evitar a gravidez precoce e indesejada. Esta é a principal ferramenta para diminuir drasticamente a ocorrência do aborto com o passar do tempo. Não por acaso, nos países onde a educação sexual faz parte do currículo escolar, o número de abortos é muito menor do que em países onde ela não está presente, como nosso Brasil.

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Lamentavelmente, é grande o número de mulheres, especialmente as de poucos recursos, que morrem em clínicas improvisadas às quais elas são obrigadas a recorrer para interromper uma gestação que não estão em condições de assumir. Por isso, devemos defender abertamente o  direito de todas as mulheres a serem atendidas pelo serviço público de saúde nestes casos. Obviamente, aquelas mulheres que, por motivação religiosa ou outra qualquer, desejem seguir adiante com seu processo de gestação, independentemente da forma como a gravidez se deu, devem também ter seu direito a isso garantido.

Quanto ao direito de professar sua religião, precisamos estar na linha de frente para defender que em nosso país prevaleça uma ampla liberdade religiosa. Liberdade total às práticas religiosas, mas  sem nenhuma imposição para quem não adira voluntariamente a elas.

Em razão da tradição cristã na qual fui criado, gostaria de elucidar qual é meu entendimento associado aos conceitos de Deus e do diabo. Julgo que o ser supremo que merece e deve ser reverenciado está inteiramente vinculado à construção de um mundo de amor, justiça, bem-estar e solidariedade para todos. Por outro lado, acredito que o diabo, ou um espírito das trevas, representa as maldades contra as quais o ser supremo do bem se opõe. Portanto, se a figura de Jesus é o exemplo que tomamos como nossa inspiração, seria inimaginável concebê-lo como um ser associado à maldade, à perversidade e ao egoísmo. Assim, seria uma monstruosa aberração vincular Deus com o bolsonarismo. No entanto, não se nota nenhum disparate quando apontamos os inúmeros laços que ligam o bolsonarismo com o significado do diabo. Há maldade suficiente no bolsonarismo para garantir-lhe essa associação.

Devemos estar dispostos a enfrentar com determinação a todos os aproveitadores, provenham eles de extrações evangélicas ou de ramificações católicas, que manipulem o nome de Jesus para colocá-lo a serviço de causas tenebrosas que nunca foram assumidas por Jesus. Nenhum cristão sincero poderia concordar com os postulados da infame “teologia da prosperidade”, visto ter sido Jesus um incansável lutador contra o egoísmo e a ganância individualista, ou seja, contra a essência da citada doutrina. Tampouco é possível engolir a ideia de que o pregador da paz, da justiça e da solidariedade simbolizados no Jesus relatado nos Evangelhos seja transformado em um propagador do ódio, da morte, do armamentismo e da guerra. É um dever de todos os que aspiram a um mundo justo e bondoso desmascarar aos que insistem em fazer uso de Jesus para amparar suas causas malignas.

Sei muito bem que seria muito mais proveitoso para as maiorias trabalhadoras se estivéssemos concentrados no debate sobre questões relacionadas com a melhoria de nosso nível de vida, de uma distribuição mais justa da riqueza produzida na sociedade e coisas pelo estilo. No entanto, isso não depende exclusivamente de nossa vontade. Como é por meio desses temas relacionados com a chamada “guerra cultural” que os apoiadores do nazismo bolsonarista querem marcar presença no cenário político, estamos convencidos de que também podemos derrotá-los completamente em todas essas questões.

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