Derrotada no TJ-PR, DPF Erika recorre ao STF
Depois de ser derrotada na justiça, a delegada Érika Marena, na sua determinação de condenar o Blog do Marcelo Auler a indenizá-la, através do escritório de advocacia de René Dotti, decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF)
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Por Marcelo Auler, para o Jornalistas Pela Democracia - Apesar de três juízes do Tribunal Recursal do Paraná já terem garantido que o editor deste Blog não cometeu crimes ao pulicar as reportagens Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos (26/03/2016) e Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03/2016), a delegada federal Erika Mialiki Marena, ex-coordenadora da Operação Lava Jato em Curitiba, atualmente responsável pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do ministério da Justiça de Sérgio Moro, não se deu por convencida.
Ao apreciar o recurso do advogado Rogério Bueno da Silva contra a condenação do Blog em primeira instância, a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Paraná, por unanimidade, constatou que o editor do Blog apenas cumpriu seu papel como jornalista, tal como já noticiamos aqui em matérias anteriores como Justiça comprova denúncias do Blog contra DPF Erika Marena e Perseguição ao blog: DPF Erika sofre nova derrota.
Não satisfeitos com duas decisões da Turma Recursal, a delegada, na sua determinação de condenar o responsável pelo Blog a indenizá-la, através do escritório de advocacia de René Dotti, decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como o Tribunal no Paraná recusou o Recurso Extraordinário, ingressaram agora com Agravo, alegando que o caso é de Repercussão Geral, o que justificaria a apreciação do mesmo pelos ministros do STF.
No Agravo, a delegada e seus advogados alegam ser necessário “debater justamente os limites da liberdade jornalística e de expressão” e dizem que a “despeito de a liberdade de imprensa ser um dos pilares da democracia, obviamente ela deve ser exercida em equilíbrio com outros direitos igualmente fundamentais, como a honra e a imagem”. Com isso, dizem ser necessário o STF “definir quais os limites do exercício de tal direito (…) criando um norte para todos os órgãos do Poder Judiciário em casos semelhantes”.
Reclamam ainda pelo fato de o acórdão do Tribunal Recursal expor que “o simples fato de a recorrente ser funcionária pública a sujeitaria a críticas no exercício de sua função”. Para eles “é de interesse da sociedade definir qual é o limite dessas críticas e se, sob esta roupagem, elas podem servir como um salvo-conduto para distorções e divulgação de notícias maledicentes”.
Não bastasse, se insurgem contra uma decisão já consagrada pelo próprio Supremo – recentemente reiterada em manifestações de diversos ministros ao comentarem as divulgações da “Vaza Jato” pelo The Intercept – de que jornalistas não cometem crimes ao divulgarem documentos que estejam sob segredo de justiça. A delegada e seus advogados alegam que “será relevante estabelecer as consequências jurídicas de tal violação”.
Na verdade, com o Agravo a delegada e seus defensores tentam fazer com que o STF reveja matéria fática que o Tribunal Recursal já apreciou, concluindo que não houve abuso – muito menos crime – por parte do Blog. Na decisão do tribunal isso fica claro:
“Após a análise das provas constantes dos autos, tenho que o requerido logrou êxito em comprovar que as matérias apenas retrataram fatos que efetivamente teve ciência por pessoas e dados reais, sendo as reportagens meramente informativas.
Veja-se que, pelas provas dos autos, restou comprovado que a autora, enquanto Delegada de Polícia, encaminhou relatório de missão (mov. 123.3, págs. 24 a 28), juntamente com outros cinco Delegados da Polícia Federal.
Em que pese não ter sido a autora quem representou contra o Min. Eugênio Aragão, certo é que o relatório encaminhado pela mesma e por seus colegas foi o ponto de partida para que a Corregedoria-Geral do MPF apresentasse referida representação.
Portanto, tenho que houve mera inexatidão técnica nas palavras utilizadas pelo requerido.
Ademais, deve-se constatar que o fato de ser publicado que alguém representou outro alguém, por si só, não traz qualquer abalo aos atributos da personalidade. Até porque, se assim tivesse-o feito, a autora apenas estaria agindo em seu exercício regular de direito de representar um superior hierárquico, conforme comprovado pelo depoimento da testemunha Paulo Fernando da Costa Lacerda.
De igual forma em relação a alegação de que a autora era uma das “estrategistas dos vazamentos na Operação Lava Jato”.
Isso porque, ao mencionar que a autora foi citada em um depoimento no Inquérito Policial 737/2015, tenho que o requerido se cercou das cautelas necessárias, inclusive apresentando a origem de tal informação.
Conforme documentos de mov. 52.3 a 52.6, a autora foi sim citada em um depoimento como a responsável pelos vazamentos, de modo que a notícia do requerido apenas se baseou em tal fonte.
Ainda, em que pese restar comprovado que, quando da publicação da reportagem, o referido inquérito corria em Segredo de Justiça, tal fato, por si só, não impede o requerido de utilizá-lo como embasamento para a notícia, vez que juntou prova testemunhal da existência do referido inquérito”.
O recurso apresentado por Érika e seus defensores, soa como meramente procrastinatório, em uma ação que tramita no judiciário paranaense desde março de 2016 quando, inclusive, o 8º Juizado Especial Cível de Curitiba, através do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, impôs censura ao Blog.
Censura que ele sequer suspendeu após uma decisão do STF derrubando-a, a partir de Reclamação interposta pelo advogado Bueno da Silva com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e do Instituto Vladimir Herzog, tal como divulgamos em STF, ao rever censura ao Blog, criticou a DPF Érika. Apesar da manifestação da 1ª Turma do STF, a censura só foi derrubada pela decisão da Turma Recursal.
O curioso no novo recurso apresentado pela delegada e seus advogados é que ele se insurge contra posições que a 1ª Turma já se manifestou, ainda que de forma superficial, ao analisar a Reclamação apresentada pelo Blog, tal como fica claro no acórdão publicado: Inteiro teor Agravo Regimental na Reclamação nº. 28.747.
Mesmo sem entrar no mérito da reportagem pois o que se discutia era a censura imposta que contrariava a Constituição e decisões anteriores do Supremo, o ministro Luiz Fux, por exemplo, deixou claro que “In casu, não se evidencia que o intento da publicação tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de notícias sabidamente falsas.”
Da mesma forma, ao se manifestar contra a censura, o ministro Luís Roberto Barroso abordou a questão de os agentes públicos estarem sujeitos a críticas, tal como entendeu o Tribunal Recursal, e que agora a delegada e seus advogados reclamam, ignorando diversos outros julgados da corte suprema.
Barroso foi claro ao se manifestar: “Eu acho que a vida pública vem com esse ônus de suportamos a crítica, às vezes justa, às vezes injusta, às vezes construtiva e às vezes destrutiva”.
Do acórdão da decisão da 1ª Turma do STF consta ainda o posicionamento que tem prevalecido naquela corte de que o papel do Judiciário, ao contrário de censurar como deseja a delegada, é o de assegurar a divulgação “até mesmo de ideias inconvenientes”, como consta do voto do ministro Fux:
“Cumpre ao Judiciário, consectariamente, exercer a sua função contramajoritária, assegurando a divulgação até mesmo de ideias inconvenientes perante a visão da maioria da sociedade. Cônscio da especial relevância da liberdade de expressão, o STF posicionou-se de forma intensa em favor da sua proteção contra a censura, quando do julgamento da paradigmática ADPF 130”.
Mais ainda, Fux mostra no mesmo voto posições anteriores do Supremo – em casos diversos – nas quais destaca o direito de críticas aos agentes públicos, como no trecho abaixo no qual, inclusive, apontou o interesse público nas matérias publicadas pelo Blog e que geraram a ação da delegada. Está no voto:
“Ora, é certo que o Direito não pode ficar inerte perante violações a direitos da personalidade, nem pode colocar aprioristicamente a liberdade de expressão em patamar tão elevado que negue a possibilidade de socorro a quem porventura sofrer danos decorrentes de seu exercício abusivo.
Impende, todavia, uma maior tolerância quanto a matérias de cunho potencialmente lesivo à honra dos agentes públicos, especialmente quando existente – como é o caso – interesse público no conteúdo das reportagens e peças jornalísticas excluídas do blog por determinação judicial.
Na espécie, existem pelo menos dois motivos distintos pelo qual os fatos alegadamente noticiados são de interesse público.
Primeiramente, há interesse da sociedade em controlar o proceder de autoridades policiais, mormente quando presente a possibilidade de cometimento de abusos de suas funções. Todo o atuar dos agentes públicos deve prezar pela moralidade e transparência, e deve prestação de contas à sociedade.
Em segundo lugar, há interesse da sociedade em zelar pela higidez de empreitadas anticorrupção como a Lava Jato, cuidando para que não haja excessos ou enviesamentos no decorrer dessas investigações e para que ilegalidades não venham a macular ou obstaculizar seu progresso. O tom de reprovação com que o reclamante refere-se à Delegada não deve ser motivo suficiente para impedir que se teçam as referidas críticas”.
O caráter procrastinador do Recurso apresentado pela delegada e seus defensores, impedindo o final de ação e até mesmo a liberação dos R$ 10 mil que o Blog depositou em juízo antecipadamente, fica mais nítido ainda ao se verificar que na Reclamação sobre a censura imposta ao Blog o ministro Fux relembrou decisões anteriores de outros colegas que reafirmam o direito as críticas contra as quais Erika se insurgiu. Ele escreveu:
“Nessa esteira, são pertinentes as observações do Min. Barroso, na Rcl 28.299 MC, DJe 29/09/2017, em que deixou claro que “o fato de a matéria em questão ter sido redigida com o uso de tom crítico não torna aconselhável, por si só, a proibição de sua divulgação. Como os elogios, em geral, não geram insatisfações, são exatamente as manifestações jornalísticas que empregam tom ácido as que demandam, com maior intensidade, a tutela jurisdicional. Com isso, não se está a menosprezar a honra e a imagem de eventuais ofendidos, mas a afirmar que esses bens jurídicos devem ser tutelados, se for o caso, com o uso de outros instrumentos de controle que não importem restrições imediatas à livre circulação de ideias, como a responsabilização civil ou penal e o direito de resposta”.
Fux ainda destacou a necessidade de tolerância até mesmo com possíveis equívocos e erros do noticiário, lembrando até mesmo a demanda atual da sociedade pela celeridade das notícias “sob pena de a temática perder sua relevância ou apelo”. Seus argumentos mais uma vez chocam-se com o defendido pela delegada e seus advogados nesse novo recurso procrastinador, como se confere no texto abaixo:
“Vedar a publicação de matérias ao argumento de que não comprovadas a contento suas alegações pode gerar indesejável chilling effect (efeito inibidor) na mídia, que passaria a ter de se comportar como verdadeira autoridade policial na busca da verdade material.
Por essa lógica, passar-se-ia a não mais publicar aquilo que não fosse cabalmente comprovado ou aquilo que fosse controvertido ou polêmico, por temor a possíveis represálias aos jornalistas. Haveria riscos de que parcela das informações relevantes à sociedade permanecesse à margem dos veículos de comunicação e dos jornalistas independentes – especialmente os temas que versassem sobre personalidades política ou economicamente poderosas.
Deste modo, se é fato que não se deseja a proliferação das tão nocivas fake news, também o é que o judiciário deve ter parcimônia ao limitar o exercício da atividade jornalística. O que se requer, dos jornalistas e propagadores de opiniões em geral, nesta senda, é o exercício responsável e diligente de suas funções, sendo possível a responsabilização ulterior por excessos comprovadamente cometidos“.
Por tudo isso e ainda outros julgados do STF como os que narramos em matérias anteriores – leia-se, a propósito, STF debate, virtualmente, censura de Erika Marena ao Blog – é previsível que o recurso venha a ser rejeitado também no STF, pondo fim a uma pendenga judiciária iniciada apenas como forme de a delegada tentar esconder a verdade revelada nas reportagens. Todas calçadas em provas documentais, tal como demonstramos na ação por ela impetrada. Tudo uma questão de tempo e paciência.
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