Dermi Azevedo - o adeus a um gigante
Dermi fará falta. Contudo, sua história percorrerá os corredores de todas as celas que abrigam injustiças e ele poderá ser conhecido como padroeiro dos encarcerados
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Conheci Dermi Azevedo no início do ano de 2000. Na época, fui convidado para integrar um trabalho na área dos Direitos Humanos, no estado de São Paulo, cuja principal liderança era Dermi. Seu entusiasmo, amor ao próximo e fé era de tal forma envolvente que era impossível não admirá-lo. Qualquer pessoa ficaria horas a fio ouvindo ele falar sobre o direito à vida. Dermi não falava sobre Deus. Ele O vivenciava. Somente quem teve oportunidade de conhecê-lo pessoalmente pode saber do que estou falando. Sua vida era o testemunho de uma experiência particular de superação, resiliência, coragem e fé que não se explica humanamente falando.
Sua história era o retrato vivo de um forte! Sobrevivente dos porões da Ditadura Militar, sofreu as sevícias de um sistema cruel e que tinha como pilar a maldade. O orgulho deste sistema diabólico era dizer que era de Direita, que protegia a familia cristã e tinha como princípio proteger a fé em Deus num suposto combate ao comunismo. Como se pode ver, essa mentira é a arma que continua a justificar a maldade ainda nos dias de hoje.
Foram essas pessoas, com estas alegações, que torturaram barbaramente Dermi e sua então esposa, a pedagoga Darcy Andozia. A história de Dermi se confunde com a história da resistência contra a Ditadura Civil, Religiosa e Militar. No ano de 1974, o casal foi preso e torturado no Deops - Delegacia de Ordem Política e Social - criada como departamento oficial do estado brasileiro para silenciar opositores do regime e operar com apoio da elite brasileira, de setores religiosos e de parte da imprensa, como por exemplo a Folha de São Paulo, que emprestava carros para servirem de aparelho repressor para a ditadura.
Não contentes com a prática diabólica de torturar e matar, no caso de Dermi e Darcy, deram um passo a mais rumo ao inferno e levaram também o filho do casal, uma criança que na época tinha apenas 1 ano e 8 meses para ser - acreditem - torturado. O bebê Carlos Alexandre foi submetido a choques elétricos e agredido pelos militares, policiais e delegados de polícia, na frente do pai e da mãe. Depois, foi devolvido aos avós maternos. Não é necessário dizer o que significou esse episódio para esta criança, deixando-lhe um trauma insuperável. No dia 18 de Fevereiro de 2013, Carlos Alexandre, aos 37 anos cometeu suicídio.
Lembro que Dermi tinha dificuldades de mexer os braços e perguntei pra ele se havia algum problema. Ele me disse que às vezes doía muito, e não me falou mais nada. Era o resultado das torturas sofridas. Sua voz era afável e controlada, tinha um bom humor extraordinário. Uma vez perguntou minha idade e eu lhe disse. Ele respondeu, “quase a idade do meu filho”, baixou a cabeça e ficou em silêncio. Eu não sabia da história deles e saí da sala sem falar nada. Apenas senti que algo grave acontecera. Foi quando soube desta situação e que o rapaz, na época com 25 anos, tinha depressão.
Pra mim, Dermi Azevedo é o que Deus, lá no céu, chama de Santo. São seres como ele que dedicam a vida a salvar outros seres humanos. A história de Dermi é a história de um santo. A história de um homem que experimentou na própria pele o significado da maldade humana, mas que não se submeteu a ela. Resistiu e deu como resposta o amor e a dedicação, para que outros não passem pelo que ele passou.
Dermi perdeu um filho, perdeu relações pessoais, perdeu amigos, perdeu contatos, perdeu empregos, perdeu muito. Não é fácil entender como, diante de tantas perdas, ainda se encontra forças para continuar doando. No dia de hoje, recuperou tudo isso de forma definitiva. O que o diferencia e o torna um santo mártir, é que em vida, ele já havia recuperado em seu coração todas essas coisas. Hoje, voltou à casa do Pai e como o filho que a casa torna, o céu se alegra. Junto dele, estão todos os homens e mulheres que em nome da Justiça e da Paz, também se encontram na casa do Pai.
Lá, na Terra Sem Males, poderá confortar de maneira definitiva e ser confortado pelo amado Carlos Alexandre, que limpo de todas as chagas impostas pela maldade trazida pela direita chucra e diabólica ao seu frágil corpo de criança, não há mais marcas, traumas nem dor. Somente o amor e a luz de Deus, que acolhe Dermi e Carlos Alexandre.
Essa é a história testemunhada por pessoas que, como eu, não sabe o significado de forma tão profunda de resiliência, de fé e amor e tenho sérias dúvidas se teria condição de perdoar como Dermi perdoou, de se dedicar à causa dos torturados, dos assassinatos, dos despossuídos deste mundo. Não é possível contar a quantidade de vidas que Dermi ajudou a salvar. Sua luta, sua dedicação em humanizar as relações entre o estado e o povo serão sentidas em nossa história. Dermi ofereceu sua vida, sua condição de profissional e de cidadão como poucos seres humanos teriam condição de fazê-lo, dadas as condições que ele o fez.
Mas é na fé em um Deus que também foi torturado, crucificado e assassinado, que a inspiração de Dermi se manteve integralmente de pé. É na ressurreição deste Deus que ele enxergava a perspectiva de libertação. E neste sentido, não há meios de tombar um homem como ele. Não existe, nem existirá ninguém, por mais maldoso que seja, que consiga superar o amor que Deus incrustou no coração de homens como Dermi.
Dermi fará falta. Contudo, sua história percorrerá os corredores de todas as celas que abrigam injustiças e ele poderá ser conhecido como padroeiro dos encarcerados e sua obra e vida será memorial do amor de Deus pelos seres humanos e seu testemunho será eternizado naqueles que sofrem injustiças e que lutam por justiça. Dermi vive. Viva Dermi.
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