Depois do STF, o verão da incerteza
Não se deve esperar uma suspensão ou desautorização do processo de impeachment no julgamento desta quarta-feira, aponta a colunista Tereza Cruvinel; "Apesar de todas as acusações, Cunha é presidente da Câmara de fato e de direito, e exerceu uma prerrogativa sua ao autorizar previamente a abertura do processo", afirma; no entanto, ela lembra que o ministro Luiz Fachin deve abordar a questão da votação secreta que elegeu a comissão especial, numa manobra de Cunha, e também sugerir que a presidente Dilma tenha direito à defesa prévia; "E assim, tudo ficará para depois. Vamos para a semana do Natal, para o Ano Novo e para o verão da incerteza política"
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O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e do pacto democrático de 1988, deve colocar hoje alguma ordem no tortuoso processo de impeachment aberto pela Câmara contra a presidente Dilma. Nem por isso, a decisão trará mais estabilidade. Ainda que conclua hoje o julgamento da ação do PC do B sobre as normas e ritos (se nenhum ministro pedir vistas) o Supremo entra em recesso na sexta, sem o acórdão publicado, e com isso de nada valeria o Congresso cancelar suas próprias férias. O desfecho ficará para fevereiro e o Brasil embarca no Natal, no Ano Novo e no verão da incerteza.
O Supremo está sendo chamado a arbitrar questões do processo de impeachment – que ainda será muito judicializado até ser concluído – por culpa dos congressistas. Um pouquinho de História.
A Constituição de 1988 previu a possibilidade de impeachment no artigo 85 e fixou apenas algumas balizas. Detalhes ficaram para uma lei complementar que ainda não fora aprovada em 1992 quando estourou o impeachment de Collor. Nos quatro anos que se seguiram á promulgação da Carta o Congresso votara dezenas de leis complementares, ainda devia outras, mais urgentes, e nem contava com a possibilidade de um impeachment. Não tendo votado a lei complementar, recorreu à Lei 1079 de1950. Ela regulamentou um dispositivo que os constituintes de 1946 aprovaram para funcionar como vacina contra alguma tentação autoritária de Getúlio Vargas, em sua volta à presidência pelo voto direto. De fato, em junho de 1954 ele enfrentou um processo de impeachment e venceu mas a crise se agravou e em agosto ele deu um tiro no peito para abortar um golpe.
Na urgência de 1992 o Congresso valeu-se daquela lei, mas 23 anos se passaram e não tratou de votar a lei complementar detalhada sobre o impeachment previsto na atual Constituição. A Lei de 1950, anterior à Carta de 1988, não a reflete inteiramente.
Por isso na sessão de hoje o STF deve colocar alguma ordem nos ritos hoje mal definidos. Não se deve esperar uma suspensão ou desautorização do processo de impeachment. Apesar de todas as acusações, Cunha é presidente da Câmara de fato e de direito, e exerceu uma prerrogativa sua ao autorizar previamente a abertura do processo, autorização que terá de ser homologada por uma comissão especial de composição suprapartidária proporcional à representação de cada partidária.
Tal comissão foi eleita num golpe regimental, através de uma eleição secreta. Em seu voto o ministro Fachin deve sugerir que a escolha seja refeita, ou por indicação dos líderes ou por voto aberto. A maioria dos ministros deve acompanhá-lo, em sintonia com a decisão tomada em novembro, recomendando voto aberto na decisão do Senado que homologou a prisão do senador Delcídio do Amaral.
Na conversa de ontem com líderes da oposição Fachin deu a entender que o presidente da Câmara deveria ter garantido à presidente Dilma o direito a uma defesa prévia, o que não houve, antes de autorizar a abertura do processo. Não dá para enxergar o que pensam os outros ministros sobre este ponto.
Fachin deve também abordar a questão do papel do Senado. Já publiquei aqui a cronologia do impeachment de 1992 e até o linl para um vídeo da TV Globo demonstrando que foi o senador Dirceu Carneiro, então primeiro secretário do Senado, que levou a Collor a ordem de afastamento provisório para que o Senado o julgasse num prazo máximo de 180 dias. Mas agora Eduardo Cunha e os defensores do impeachment sustentam a tese de que, uma vez aprovada a acusação pela Câmara, Dilma estará automaticamente afastada, interpretação contra a qual se insurgiu Renan Calheiros, presidente do Senado. E com razão. Embora a lei de 1950 sugira este afastamento automático, a Constituição diz claramente no artigo 86 :
“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. “
O parágrafo primeiro define as condições de afastamento do presidente:
“1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.”
Eu, rábula, acho que o STF fará prevalecer o inciso II, acima grifado, como defende Renan. Mesmo que a Câmara aprove a denúncia contra Dilma por mais de 342 votos, o Senado decidirá se instaura ou não o processo e, em caso afirmativo, afastará Dilma.
Estas são as questões fundamentais que surgirão no julgamento de hoje.
Mas existe o tempo, “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos”, como canta Caetano.
Concluído, hoje ou amanhã, o julgamento da ação do PC do B, a decisão só valerá depois do acórdão publicado. Acórdão é um resumo da decisão e dos votos de cada ministro. Terá que ser redigido, revisto, assinado e publicado. Isso não acontecerá até sexta-feira.
E assim, tudo ficará para depois. Vamos para a semana do Natal, para o Ano Novo e para o verão da incerteza política. Haverá um cessar fogo, o que pode ser bom, mas persistirá a insegurança política e jurídica, o que será ruim, principalmente para a economia.
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