Depoimento do general Augusto Heleno, na CPI-DF, disse mais sobre o que ele não disse

Segundo observou a colunista Denise Assis, o deputado Magno levou Heleno ao ponto de fervura quando jogou sobre ele atrocidades durante a ditadura - 1964/1985

Gabriel Magno (à esq.) e Augusto Heleno
Gabriel Magno (à esq.) e Augusto Heleno (Foto: Carlos Gandra/CLDF | ABR)


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O general Augusto Heleno deve ter saído de casa apressado. Ou apreensivo. O cabelo não estava assentado e, tendo optado por usar um terno, não teve esmero em apertar o nó da gravata e ajeitá-la, o que fez com que ela ficasse torta e pendesse (ironicamente) para a esquerda.

Ao assinar o termo de “depoente”, na entrada da Câmara do Distrito Federal, disse que nunca havia feito aquele gesto, segundo comentou o presidente da CPI, o deputado Chico Vigilante. Imagino que também o Brigadeiro Rui Moreira Lima, veterano da Segunda Guerra Mundial, criador do slogan dos expedicionários, “senta a pua!”, pensou o mesmo ao assinar o seu ato de prisão, em 1964, antes de ser jogado no porão de um navio infestado por ratos e baratas (atracado na Baia da Guanabara), ao ser tachado de comunista. 

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Instalado na cadeira que lhe coube à mesa onde seria inquirido, na CPI que apura a tentativa de golpe de 8 de janeiro, nesta manhã de 01/06, o general levou consigo os anos da história que comporta, por exemplo, os serviços prestados no gabinete do general Silvio Frota, um linha dura que tentou tirar o general Ernesto Geisel do poder, nos idos de 1977, porque discordava da “abertura lenta e gradual” que o ditador começava a empreender. Geisel reverteu a situação e deu um pé na bunda do general Frota, devolvendo Augusto Heleno para as suas funções no quartel. 

Vida que segue e eis que Augusto Heleno foi designado para comandar a Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah). Pelo feito, recebeu o “Prêmio Faz Diferença”, de O Globo, em 26 de dezembro de 2004. 

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Na madrugada de 6 de julho de 2005, tropas da Minustah, sob o comando do general Heleno fizeram uma operação de “pacificação” na maior favela da capital haitiana, conhecida como Cité Soleil. Segundo matéria publicada pelo jornal Brasil de Fato, em 18 de março de 2019 - que ouviu testemunhas -, cerca de 300 homens fortemente armados invadiram o bairro e assassinaram 63 pessoas, deixando 30 feridas. Na época, o hoje “depoente”, mas até dezembro de 2022 o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável, portanto, pela “inteligência” do governo de Bolsonaro, foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à ONU.

Fonte ligada ao Ministério da Defesa confirmou ao Brasil de Fato que o governo brasileiro teria recebido uma solicitação da ONU para substituir o comando das tropas no Haiti, o que foi feito dias depois, com a entrada do general Urano da Teixeira da Matta Bacellar. “Fato é que o (Augusto) Heleno foi removido do Haiti e isso começou a cozinhar a raiva aos governos do PT. O estopim foi realmente a Comissão Nacional da Verdade. Daí pra frente, ele se tornou um militante antipetista”, disse a fonte consultada.

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Outro fato, é que o substituto do general Augusto heleno, um especialista em guerra na selva, e que entrou na sua vaga no comando militar da Minustah desde 31 de agosto de 2005, até o dia 7 de janeiro de 2006, foi encontrado morto por um ferimento de arma de fogo na cabeça, em seu quarto de hotel, em Porto Príncipe. O episódio foi considerado como “suicídio”. 

Desde a primeira fala sentia-se a sua necessidade de construir uma imagem “positiva e calma” para o antigo chefe. Notadamente havia passado por um “mídia training”.

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Ao enfrentar o seu primeiro inquisidor, o deputado e relator da CPI, Hermeto (MDB), que pegou leve e lhe perguntou sobre as atribuições do GSI, fez questão de dizer que o interventor designado para o DF, Ricardo Capelli, não entendia nada sobre o gabinete, mas sacou do bolso um papel, onde teve que ler a reles definição do órgão. Mesmo depois de quatro anos atuando nele, demonstrou não ser capaz de defini-lo e falar de suas atribuições, de cor. 

Até então, parecia tranquilo. Negou que conhecesse quem recebeu em palácio em agenda, negou ter criticado as urnas eletrônicas, alegou ter esquecido que havia curtido vários tuítes conclamando ao golpe. Até que uma pergunta do deputado distrital bolsonarista, Pastor Daniel de Castro (PP) sobre os atos de terror do dia 12 de dezembro, quando ônibus foram incendiados de pernas para o ar, na capital do país, o quebrou. Augusto Heleno deixou transparecer no que não disse, que tem muito a dizer.

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A Revista Fórum publicou em 13 de dezembro o depoimento em off de um integrante da Polícia Federal, que detalhou como o general Augusto Heleno arquitetou os atos daquela noite. Ele negou e acusou o repórter de não lhe ter permitido o “contraditório”. O repórter autor da matéria, Henrique Rodrigues, disse que “entrou em contato com o GSI, por e-mail, às 15h37 do dia 13 de dezembro. O órgão encaminhou resposta às 16h48 no mesmo dia”. 

Dali por diante, Heleno voltou a ser Augusto Heleno. O ministro puxa-saco de Bolsonaro e ponta de lança dos ataques ao atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a campanha presidencial, sobre quem publicou em um dos seus tuítes: “infelizmente Lula não está na UTI”. Passou então a ouvir deputados direitistas cantar loas à sua condição de general “que dedicou toda a sua vida ao país”. 

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O seu último inquisidor, o deputado Gabriel Magno, do PT, o pegou assim, ainda embevecido com os elogios, mas o levou a atingir o seu ponto de “fervura”, quando fez história (apesar de ter se atropelado logo a seguir, por não ter se segurado num grande momento. Tentou interromper, várias vezes, a sua resposta). 

Magno jogou sobre o general o assunto que sempre tirou do sério os militares: as atrocidades cometidas durante a ditadura - 1964/1985. Nunca antes na história desse país..., alguém ficou cara a cara com um general quatro estrelas, em público, num evento transmitido pela mídia, e discorreu sobre números, acontecimentos, a dor dos familiares dos desaparecidos, a história, enfim. Ou melhor, houve uma vez, num programa de TV, durante o show do apresentador Flávio Cavalcanti... A atriz Dina Sfat, linda, com seus olhos negros enormes e expressivos cravados num general emissário dos ditadores, disse: “eu tenho medo dos generais. Medo!” E tinha razão para temê-los.

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