Demissão na DPF não tem efeito prático para Bolsonaro

Marcelo Auler, do Jornalistas pela Democracia, avalia que a exoneração de Maurício Valeixo da Diretoria-Geral da PF não trará "nenhum efeito" a Jair Bolsonaro "na tentativa de blindar seus filhos e os seguidores fanáticos deles – incluindo empresários que podem ter financiado as manifestações antidemocráticas"

Maurício Valeixo e Jair Bolsonaro
Maurício Valeixo e Jair Bolsonaro (Foto: José Cruz/Agência Brasil | Marcos Corrêa/PR)


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Por Marcelo Auler, em seu blog e para o Jornalistas pela Democracia

A demissão do delegado Maurício Valeixo de Diretor Geral (DG) do Departamento de Polícia Federal (DPF), registrada em edição especial do Diário Oficial da União que circulou na madrugada desta sexta-feira (24/04), demonstra o total desespero em que se encontra a família Bolsonaro.

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Sentindo-se forte, por não ter visto reação significativa à demissão de Luiz Henrique Mandetta do ministério da Saúde, Jair Bolsonaro entendeu poder realizar seu velho sonho de retirar do DPF alguém que, na visão da família presidencial, mais o prejudica do que ajuda. Parte, porém, de pressupostos errados. Por isso, certamente dará “tiro n’água”, aquele que quando muito faz marola. Nada além.

Ao mesmo tempo, porém, o ato tresloucado do presidente colocará à prova o seu ministro da Justiça, Sérgio Moro. O ex-juiz, que chegou ao cargo após contribuir para a retirada da disputa presidencial do principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há muito se apequenou.

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Como bem definiu Ricardo Bruno no artigo publicado no Brasil247, hoje o ministro da Justiça pode ser considerado “um anão no jardim de Bolsonaro“. Fique ou não no cargo após a demissão de Valeixo, seu amigo pessoal e braço direito desde a Operação Lava Jato, Moro não será mais o mesmo. Sairá menor do Executivo. Não será carta fora do baralho no jogo político, mas perdeu o valor que tinha.

O curioso é que toda essa movimentação do presidente da República, que a cada dia sente que já não preside tanto assim, pode apenas lhe prejudicar, sem nenhum ganho concreto. Hoje, os Bolsonaros estão acuados por investigações diversas e até mesmo pelos limites impostos pelos demais poderes, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Seja quem for o novo diretor-geral do DPF, ele pouco poderá fazer para salvar a pele da família presidencial.

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Aparentemente, a gota d’água para Bolsonaro demitir Valeixo – depois de se sentir forte com a queda de Mandetta – foi o inquérito (IPL 4828) pedido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, para investigar os organizadores dos atos realizados domingo passado defendendo o fechamento do Congresso, do STF e a volta da ditadura. Uma investigação bem feita chegará a empresários que financiaram tais atos – aqueles, donos de carros potentes e caros que participaram das carreatas – e, com grandes chances, aos próprios filhos do presidente e a trupe que os rodeia.

É certo que existem outras investigações a preocupar os Bolsonaros. Como a da famosa “rachadinha” envolvendo o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Mas este caso foge ao controle da Polícia Federal, bem como da própria Procuradoria da República. Está a cargo do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro e da Polícia Civil fluminense. Logo, não há como alguém do DPF interferir nela. Da mesma forma como as investigações sobre Fabrício Queiroz estão sob a tutela estadual. Portanto, o perigo maior para a família Bolsonaro são o IPL 4828, recém instaurado por decisão do Moraes, e um mais antigo, o IPL 4781.

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O que parece fato é que Bolsonaro não ficou satisfeito em saber que o delegado a conduzir a nova investigação aberta por autorização do STF – em torno das manifestações antidemocráticas de domingo (19/04) – será o mesmo que, no DPF, preside o inquérito anterior que também lhe incomoda muito, o IPL 4781.

Instaurado em março de 2019 por determinação do ministro Dias Toffoli, ele tem por alvo as fakes news e a campanha contra os poderes judiciário e legislativo via redes sociais. Ainda por decisão de Toffoli – e contrariando a muitos – foi entregue ao ministro Moraes, o mesmo que tocará o novo IPL.

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Bolsonaro e toda a mídia, entretanto, parecem ter esquecido que a escolha dos delegados – dois, e não apenas um – que comandam a investigação sobre as fakes news e ameaças aos poderes da República foi do próprio ministro Moraes, em março de 2019. Basta ler o que consta no site do STF, desde 19 de março de 2019 – Ministro Alexandre de Moraes designa equipe de delegados em inquérito para apurar ameaças e fake news:

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em despacho assinado nesta terça-feira (19), designou a equipe que o auxiliará nas investigações sobre notícias fraudulentas (fake news), ameaças e outros ataques feitos contra a Corte e seus membros. O ministro é o relator do Inquérito (INQ) 4781, instaurado pela Portaria GP 69/2019, assinada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, em 14 de março.

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O despacho designa o delegado federal Alberto Ferreira Neto, chefe da Delegacia Especializada em Repressão a Crimes Fazendários, e o delegado de polícia Maurício Martins da Silva, da Divisão de Inteligência do DIPOL-SP, para auxiliar nas investigações.

Ou seja, a escolha de quem preside a investigação foi pessoal do ministro. Partiu de algumas opções encaminhadas tanto pelo diretor do DPF em exercício, Disney Rosseti, como do delegado-geral de Polícia de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, a quem Moraes, ex-secretário de Segurança de São Paulo, recorreu na hora de escolher pessoas de sua confiança.

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A atual decisão dele de autorizar a nova investigação sobre as manifestações de domingo está sob segredo de justiça. Mas tudo indica que por serem assuntos que certamente se complementarão, ficará a cargo da mesma equipe. Sem interferência do DPF na escolha do responsável pela investigação. Delegado que, por sinal, terá linha direta com o ministro Moraes. Talvez até passando por cima da própria Procuradoria Geral da República, embora atendendo-a no que for pedido. Logo, pouco importará se no cargo de DG do DPF estará Valeixo, Joaquim ou José. Dificilmente os Bolsonaros conseguirão interferir nas investigações.

Da mesma forma como parece condenada ao fracasso a tentativa deles de barrarem o prosseguimento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News em andamento no Congresso Nacional. Aquela que já detectou que partiram de um computador do gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro algumas das fake news. Não por outro motivo, Eduardo recorreu ao STF, através de um Mandado de Segurança (MS 37082) para barrar a prorrogação da mesma. O caso foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes, que pediu informações ao Congresso e à Advocacia Geral da União. Mas dificilmente os Bolsonaros terão êxito por ali.

Também é de se questionar que poder terá o novo diretor-geral do DPF para interferir no Mandado de Segurança (MS 37083) impetrado junto ao STF pelos advogados de Brasília José Rossini Campos do Couto Corrêa e Thiago Santos Aguiar de Pádua. Ambos pedem providências para que Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, dê andamento à “denúncia por suposta prática de crime de responsabilidade em desfavor do Presidente Jair Messias Bolsonaro”, protocolada “no dia 31/3/2020, às 19h36″ pelos advogados Bruno Espiñeira Lemos, Victor Minervino Quintiniere, Thiago Santos Aguiar de Pádua e José Rossini Corrêa.

O pedido acabou caindo nas mãos do ministro Celso de Mello que, ao contrário do que muitos previam, não o arquivou. Além de pedir informações ao presidente da Câmara, determinou a inclusão do próprio presidente como parte da ação, o que significa que certamente ele pretende dar prosseguimento ao caso. Mais uma dor de cabeça contra Bolsonaro, mas sem que possa haver qualquer interferência da Polícia Federal.

Portanto, ao demitir Valeixo da direção geral do DPF, Bolsonaro conseguiu contrariar o ministro Moro, provocando sua possível saída do governo e, com isso, reduzindo ainda mais a credibilidade da atual gestão. Ainda que Moro não se demita do cargo, ele permanecerá bem menor do que ingressou.

Qualquer das possibilidades atingirá, negativamente, a popularidade do presidente. Mais grave, porém, é que isso não lhe trará nenhum efeito prático na tentativa de blindar seus filhos e os seguidores fanáticos deles – incluindo empresários que podem ter financiado as manifestações antidemocráticas. Antes pelo contrário, além de tudo o que já existe a perturbá-lo, ele ganhará novo motivo de dor de cabeça: a ira da corporação da Polícia Federal. Será um “tiro n’água”, que só lhe trará prejuízos.

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