Delírio de ódio
Sobre o ódio às imagens da dor
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Nos últimos dias, duas ordens de imagens tomaram conta das redes sociais.
Uma foi a imagem estampada na capa de um jornal de grande circulação na qual um vidro estilhaçado era justaposto à imagem de um homem sugerindo que ele havia sido atingido no coração por um tiro.
A imagem impactante carregava uma marca de ódio. Esse ódio é confirmado no clima de ameaça de morte contra esse homem, a saber o presidente Lula, conforme circula nas redes fascistas pelo Brasil afora.
Alguns alegaram não ver nada demais na foto e sugeriam que a foto é que era objeto de ódio. A autora da montagem, certamente não tinha a intenção de provocar ou receber ódio. Apesar disso, a imagem continha ódio, objetivamente, e poderia suscitar ódio no contexto em que o ódio é um fator politico indelével em nossa época.
O jornal que escolheu a referida fotomontagem para servir de capa certamente calculou sobre o seu impacto. Podemos falar da ausência de má intenção da fotografa, já do jornal, não.
Porém, aprendemos com isso que uma imagem pode conter ódio mesmo quando quem a produziu e quem a viu não desejaram isso.
Vivemos numa sociedade de administração do ódio e do medo, da inveja e do ressentimento e raramente esses sentimentos estão livres de mediações e estímulos. Eles não são naturais como muitos imaginam. Os efeitos desses afetos e posições podem ser danosos, mas bem compreendidos podem ser também fonte de conhecimento.
O ódio pode gerar ódio, mas pode também gerar críticas que podem ajudar a fazer de sua experiência essa fonte de conhecimento. Portanto, entender o ódio pode ser um caminho para que o ódio não se repita.
O ódio que vira objeto de conhecimento é um ódio dialético e remete à sua superação.
Na contramão, o ódio absoluto é aquele em torno do qual nada se aprende.
Trata-se de um ódio sobre o qual é difícil conversar porque esse ódio produz emudecimento. Digo isso, pensando em como compreender e superar o ódio quando ele se torna bruto.
Ora, um ódio brutal surgiu diante de uma outra ordem de imagens, aquelas das pessoas indígenas consumidas pela fome.
Essas imagens que deveriam gerar compaixão geraram um ódio sem negociação.
Esse ódio veio de pessoas que negam aquilo que todos veem, a saber, a verdade.
As crianças morrendo de fome não faz os odiadores acordarem de seu delírio de ódio.
Sabemos que o ódio não será superado diretamente pelo amor, mas pelo diálogo.
E se não há espaço para o diálogo, o que se pode fazer?
Talvez uma pergunta aos corações embrutecidos: por que odiar imagens de pessoas em sofrimento?
Como não sentir compaixão de quem tem fome?
O que pode ter acontecido a quem perdeu a capacidade de sentir o sofrimento dos outros?
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