Defender a liberdade de Lula é defender a democracia
Querer fazer valer a prisão antes de esgotados todos os meios judiciais de defesa é inverter essa premissa, como afirma José Afonso da Silva, e adotar o princípio básico do fascismo, segundo o qual todo cidadão é culpado até que prove o contrário
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Lutar pelo direito do ex-presidente Lula de permanecer em liberdade até o julgamento de todos os recursos contra sua condenação (trânsito em julgado) representa a defesa intransigente do Estado democrático de direito. Não se trata aqui de uma questão partidária, mas de resguardar garantia fundamental, prevista em cláusula pétrea da nossa Constituição – um indivíduo somente poderá ser considerado culpado e, logo, preso, depois de esgotados todos os recursos judiciais de defesa.
O inciso LVII do artigo 5° da Carta Constitucional é explícito: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória". Atualmente, há um entendimento do Supremo Tribunal Federal que permitiu a prisão de réu depois da condenação em segunda instância. No entanto, essa súmula não tem caráter vinculante. Serve apenas para o caso específico julgado pelo tribunal em 2016.
Ainda assim, para o jurista e professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo José Afonso da Silva, uma das mais respeitadas referências em direito constitucional do país, essa decisão do STF baseia-se em pressupostos equivocados. Conforme argumenta, a súmula tem como argumentos legislação internacional completamente diferente das leis brasileiras, o que o leva a argumentar com toda razão: "Não se comparam objetos incomparáveis".
Ademais, o Supremo argumentaria que a prisão após condenação em segunda instância é necessária para evitar o excesso de recursos, alguns meramente protelatórios, que levam à impunidade. É verdade que o processo judicial é extremamente falho no Brasil. Entretanto, como ressalta José Afonso da Silva, a culpa por esse estado de coisas não é do cidadão. Para solucionar o problema faz-se necessária uma profunda reforma do Judiciário. Não se pode para isso, em nenhuma hipótese, restringir as garantias fundamentais do cidadão.
O constitucionalista reafirma várias vezes que a decisão do Supremo contraria a Constituição. Isso porque, conforme explica, trata-se de uma mutação constitucional por interpretação. No entanto, como a regra é explícita e não deixa margem a nenhuma dúvida quanto a seu mandamento, não há espaço para modificação por meio de interpretação dos juízes.
O direito à presunção de inocência é um dos pilares do sistema internacional de garantia dos direitos humanos. E no sistema constitucional brasileiro representa cláusula pétrea, como dito anteriormente. Sendo assim, não pode ser alterada sequer pelo constituinte derivado – deputados e senadores -, quiçá por juízes, ainda que da Corte Suprema.
Permitir exceção a essa regra significa colocar todo cidadão brasileiro sob o arbítrio dos juízes. Mesmo no Supremo o entendimento quanto à constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância variou ao longo dos anos. Em 2009, também em julgamento de habeas corpus, como ocorrerá nesta quarta-feira (4) em relação ao caso do ex-presidente Lula, a Corte considerou que a medida era inconstitucional. Já em outro caso semelhante, em 2016, chegou a conclusão contrária.
Sendo assim, é necessário garantir a proteção dos cidadãos brasileiros e fazer valer a letra da nossa lei fundamental. Não custa reafirmar. Todo indivíduo é inocente até se prove o contrário. Querer fazer valer a prisão antes de esgotados todos os meios judiciais de defesa é inverter essa premissa, como afirma José Afonso da Silva, e adotar o princípio básico do fascismo, segundo o qual todo cidadão é culpado até que prove o contrário.
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