Decisão da Alerj pode contribuir para fortalecer o Estado Democrático de Direito
Prova decisiva de que a Alerj não pretende absolver os deputados seriam os termos do projeto de resolução que será votado, antecipado pelo noticiário.
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Se a Alerj decidir amanhã revogar a prisão dos deputados presos na Operação Furna da Onça, não estará os absolvendo das graves acusações que lhe são imputadas. Sem exceção, todos continuarão a responder a ação penal, cujo resultado poderá levá-los novamente à cadeia. O que estará em jogo no plenário do Parlamento Fluminense nada tem a ver com o mérito das acusações, mas sim com a flagrante ilegalidade do ato de prisão decretado pelo TRF-2 num perigoso e nefasto arroubo autoritário.
Resultante de uma interpretação esdrúxula da Constituição Federal, em total desacordo com a Corte Suprema, a prisão dos parlamentares fluminenses – ato expressamente vedado no texto constitucional - alonga-se por quase um ano, sem flagrante, sem crime inafiançável, sem condenação – sequer em primeira instância. Na prática, a medida configura-se uma inaceitável antecipação de cumprimento de pena, ao arrepio dos códigos e em confronto com a Constituição Brasileira.
Prisões provisórias desta natureza foram duramente criticadas pelo Ministro Gilmar Mendes, que, em sessão do STF, as comparou a instrumentos de tortura:
- Hoje se sabe de maneira muito clara, e o Intercept está aí para confirmar e nunca foi desmentido, que usava-se a prisão provisória como elemento de tortura. Custa-me dizer isso no plenário, mas era instrumento de tortura – fulminou.
A decisão do TRF-2 deu-se na esteira dos exageros promovidos pela Lava Jato, como tem mostrado o site Intercept, num triste momento da vida do País em que setores do Judiciário e do Ministério Público se articularam para dar curso a um projeto de poder, em desfavor do Estado Democrático de Direito. Tanto é assim que o Tribunal Regional Federal viu-se agora na obrigação de voltar atrás, por determinação da Ministra Carmem Lúcia. Compelido, fez o que já devia ter feito naturalmente: consultar o Parlamento sobre a manutenção da prisão - como exigem de modo insofismável os artigos 53º e 27º da Constituição. Constrangimento desta natureza poderia ter sido evitado, se houvesse tido um mínimo de zelo aos explícitos e incontrastáveis ditames constitucionais.
Pelos costumes, dir-se-á contra a revogação da prisão que os acusados devem estar efetivamente envolvidos em atos criminosos; que a medida estimula a impunidade e afrouxa o combate à corrupção. O discurso agrada à parte da sociedade que, desencantada com os políticos, pede sangue em praça pública. Este, contudo, não pode ser o comportamento do Poder Judiciário, que deve se submeter sem hesitações populistas ao regramento jurídico nacional e aos marcos constitucionais. Ainda que bem intencionado, tudo fora disto é arbítrio. E deve ser firmemente repudiado. Resguardado o direito de defesa, os acusados devem ser amplamente investigados, julgados e, se for o caso, condenados exemplarmente.
Contudo, nada disto ocorreu até aqui. Os deputados estão presos por um longo período sem qualquer condenação, em absoluto desacordo também com recente deliberação da Corte Suprema, como restou provado na decisão da Ministra Carmem Lúcia.
Em maio de 2019, quando o STF reiterou as imunidades constitucionais dos deputados estaduais, o TRF-2 teve oportunidade de corrigir espontaneamente os descaminhos processuais. Numa manifestação autoritária, preferiu insistir no erro, obrigando a ilustre ministra a determinar a correção.
Em seu despacho, Carmem Lúcia lembra que, após esta decisão da Corte, o TRF-2 recebeu denúncia contra os deputados da Furna da Onça e ainda assim manteve as prisões.
“Não se atendeu, então, o julgado deste Supremo Tribunal que, por maioria, contra o meu voto, foi no sentido de ser necessária submissão da decisão de prisão do parlamentar estadual à deliberação do Poder Legislativo estadual sobre a medida adotada”, enfatizou a ministra.
Na prática, o TRF-2 revogou alguns artigos da Constituição Federal para dar vazão ao vezo autoritário de suprimir direitos individuais, lançando ao desterro “in limine” parlamentares eleitos pelo povo.
O artigo 53º da Constituição, parágrafo 2º, define a garantia da imunidade parlamentar. “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, SALVO em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte quatro horas à Casa respectiva para que, pelo voto da maioria dos membros, resolva sobre a prisão".
Já no artigo 27, parágrafo 1º, o texto estende de modo inequívoco aos deputados estaduais as imunidades dos integrantes do Congresso Nacional. " Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre o sistema eleitoral, inviolabilidades, IMUNIDADES, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”.
A despeito da clareza cristalina, produziu-se uma interpretação inovadora para embasar a prisão. Em documento enviado ao Parlamento Fluminense, o relator afirmara que a prisão preventiva fugia aos casos previstos na Carta. Ele tem alguma razão mas em sentido exatamente inverso ao seu raciocínio: efetivamente a prisão preventiva não está prevista – mas pelo simples fato de que não se aplica a membros do Parlamento, que não podem ser presos, à exceção dos casos de flagrante de crime inafiançável.
Incrível a passividade de parte da imprensa e da sociedade civil diante deste festival de agressões ao texto constitucional. Aceita-se como natural algo inequivocamente irregular. O caso se aplica à perfeição ao comentário do ilustre Ministro Marco Aurélio de Melo: “Vivemos tempos sombrios”.
Prova decisiva de que a Alerj não pretende absolver os deputados seriam os termos do projeto de resolução que será votado, antecipado pelo noticiário. Exclui terminantemente a possibilidade de os acusados assumirem o mandato, até a conclusão do julgamento a que serão submetidos pela Justiça.
Amanha, portanto, mais do que relaxar a prisão dos deputados, a Alerj terá a oportunidade de contribuir para o Brasil recuperar o Estado Democrático de Direito. Longe de se produzir impunidade, a Alerj poderá finalmente fazer Justiça.
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