Debaixo do céu há momento para tudo
O afastamento da Presidente Dilma foi mais um ato de um Golpe de Estado, especialmente depois das gravações divulgadas à exaustão por toda a imprensa. O PT é fundamental para o equilíbrio no campo progressista por ser o único partido social-democrata do País. É tempo de resistência, defesa pela recomposição da democracia e também de autocrítica
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SIM, FOI UM GOLPE.
O afastamento da Presidente Dilma Rousseff foi mais um ato de um Golpe de Estado, não há mais nenhuma duvida sobre isso, especialmente depois das gravações divulgadas à exaustão por toda a imprensa.
O golpe atenderá: parcialmente os interesses que a FIESP representa integralmente os da FEBRABAN, as aristocracias urbanas - as quais se apropriaram do Poder Judiciário, do Ministério Público e do serviço público em geral -, além de interesses e relações impublicáveis de natureza transnacional e nada republicanos, além de criar obstáculos ao desenvolvimento válido da operação Lava-Jato, mas não vou me alongar nesse tema nesse momento.
NÃO FOI POSSÍVEL DENUNCIAR E DETER O GOLPE?
Não, não foi possível, pois apesar dos treze anos de governo progressista as estruturas e instituições do Estado seguiram dominadas pela aristocracia urbana e não ocorreram reformas.
Exatamente, o coup d'État ocorreu muito porque a esquerda e os setores progressistas acomodaram-se num governo de centro, um governo reformista, progressista é verdade, mas fundamentalmente centrista, conciliador e reformista; um governo que fez muitas coisas boas, algumas excepcionais, mas não fez reformas estruturais necessárias.
Tenho que falar especificamente do PT. O Partido dos Trabalhadores inegavelmente hegemonizou algo novo na política brasileira, apresentou políticas sociais de reconhecido sucesso, investiu, multiplicou o PIB, gerou milhões de empregos, retirou quase trinta milhões de brasileiros da miséria, o Brasil ganhou respeito e credibilidade internacional, ou seja, fez o que se espera de um governo social-democrata inserido num mundo liberal; há, portanto, legados inegáveis, mas não fez reformas.
Deveria ter feito as reformas, poderia tê-las feito, afinal Lula chegou a ter mais de 80% de aprovação e folgada maioria no congresso. Mas resolveu não enfrentar temas incômodos, mas fundamentais, como a reforma financeira, reforma política, reforma tributária, reforma urbana, reforma da previdência, reforma da lei da mídia, para citar apenas algumas das reformas necessárias.
Fato é que desde o início deste século um conjunto importante de mudanças aconteceu no mundo e o Brasil foi liderança incontestável e fundamental; mas como para todo governo centrista e conciliador faltou coragem de romper com a mediocridade da aristocracia urbana e cessar seus privilégios; faltou coragem de convencer empresários patriotas que o caminho do desenvolvimento deve ter hoje outro “figurino”; faltou coragem de apresentar uma reforma financeira que causaria incomodo ao capitalismo financeiro, mas seria a sua adequação necessária a um mundo que se pretende civilizado.
Por isso, apesar das mudanças, governos e movimentos progressistas passaram a sofrer ataques que buscaram desmoralizá-los e criminalizá-los, fato que não ocorre apenas no Brasil, mas é aqui que vivemos. Tivessem ocorrido as reformas o país estaria menos dependente da lógica liberal, da aristocracia e seria capaz de vencer os ataques à democracia.
Boaventura Santos, o intelectual europeu mais próximo de nós, fez as mesmas criticas, mas não foi ouvido, afinal o processo sul-americano avançava com as características que conhecemos. Ele chamou atenção para o fato de as reformas estruturais estarem sendo deixadas de lado.
E no Brasil, muito especialmente, a opção foi valer-se do “boom” das commodities e usar parte dos ganhos para alguma redistribuição de riquezas, foi política pública correta, muito relevante, inédita, mas insuficiente, pois veio desacompanhada de formação política necessária e das reformas.
No quesito “formação política” penso que ela [a formação política] e o debate democrático com a sociedade eram tarefa dos partidos progressistas, mas seus principais quadros estavam embriagados pelo institucionalismo governista. Tanto que, incapazes de romper com “esquemas” que sempre criticaram, deixaram-se cooptar por corruptos e corruptores, tornaram-se vaidosos e deslumbrados, alguns lambuzaram-se, como registrou corretamente o ex-ministro Jacques Wagner, sendo que outros, a exemplo de Mercadante, mergulharam seus egos num mar de soberba e incompetência política.
Em contrapartida à inédita e necessária redistribuição de riquezas Lula seguiu apostando na conciliação e em nome da governabilidade permitiu que as oligarquias nacionais mantivessem riqueza e acumulassem mais poder ainda.
O QUE DEU ERRADO NA POLITICA CONCILIATÓRIA DE LULA?
Tudo ia bem até surgir o pré-sal e os interesses do mercado internacional pelo ganho decorrente da exploração dessa riqueza nacional haverem colidido com o modelo brasileiro de exploração, fato que enfureceu os interesses do mercado internacional. Não podemos esquecer que essas companhias financiam guerras que ceifam a vida de mulheres, crianças e idosos, para controlar a geopolítica e garantir os lucros dos acionistas.
Para registro: a riqueza do pré-sal, só nas bacias marítimas de Campos e Santos representa 176 bilhões de barris de petróleo e gás natural (de acordo com o estudo publicado por Cleveland Jones e Hernane Chaves, do Instituto Nacional de Óleo e Gás da Universidade Estadual do Rio de Janeiro), cerca de seis trilhões de dólares. Há ainda quem estime o valor total dessa riqueza em 17 trilhões de dólares.
Há quem diga que os interesses das petroleiras americanas financiou boa parte do stress institucional.
O CAMINHO PARA RETOMADA PROGRESSISTA.
Por isso tudo não bastarão bravatas para a retomada de uma caminhada progressista.
Nesse momento é necessária autocrítica honesta, humildade por parte de todos que ocuparam posições no governo nos últimos treze anos, especialmente do PT, PCdoB, PSB, PDT, para reconhecer erros e dar inicio à resistência.
Quando me refiro a resistência o faço no sentido de instrumento de defesa social da ordem democrática, de cunho jurídico e político, balizado sempre em ações constitucionais e legais.
Sem isso é bobagem agrupar partidos de esquerda numa sala e definir ações ousadas.
Por quê? Porque a esquerda não tem apoio para isso (prova disso é a irrelevância eleitoral dos partidos comunistas e socialistas).
O PT é fundamental para o equilíbrio no campo progressista, pois é o único partido social-democrata do país, portanto espero que ele se recupere e, recuperado, assuma a liderança do campo progressista deixando de lado o seu desagregador “hegemonismo”, de tal sorte que traga para a resistência atores de todos os setores progressistas, é tempo de ampliar, é tempo de unidade.
Ao lado das reformas acima citadas há ainda questões fundamentais que merecem atenção. Há a questão LGBTTT, a questão indígena, a questão dos negros, a questão das mulheres, há a questão da juventude urbana das periferias e a cultura que lá é produzida, há o renascido movimento estudantil, há a questão cultural propriamente dita, a questão rural e agrária não podem ser esquecidas, o debate sobre a reforma urbana e a indesejada apropriação de espaços públicos por interesses privados, a nova família, etc., etc. etc.
Essas e outras são questões fundamentais, não podem ser esquecidas ou deixadas de lado. E apenas os setores progressistas são capazes de compreender o valor transformador e a semente do progresso nelas contidas.
Conhecer, compreender e debater todas essas questões é essencial para não legarmos aos nossos filhos e filhas um sentimento equivocado de resignação, uma percepção errônea de que a boa vida deve refletir valores de uma sociedade conservadora e branca, ou buscarem adequar-se a um emprego sem sentido, mas adequado ao mercado; ou ainda, prover uma família tradicional e possuir casa na periferia pensada como “adequada” por quem não vive lá.
A transformação da realidade e o caminho do progresso emanam das ruas, da sociedade, da sua dialética e não de algum gabinete luxuoso na Avenida Paulista ou na Esplanada dos Ministérios.
CONCLUSÃO.
Não penso como Chico de Oliveira e outros ressentidos, que afirmam que a esquerda e Lula perderam a credibilidade e que o governo Dilma está acabado.
Acredito que é tempo de resistência, de autocrítica, de defesa cotidiana pela recomposição da democracia, não é tempo de revanche, pois debaixo do céu há momento para tudo e tempo certo para cada coisa, “Tempo de nascer, e tempo de morrer; Tempo de plantar, e tempo de colher a planta”.
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