De quem é a culpa?
É inegável que Lula e Dilma, especialmente Lula, fizeram governos com muitas realizações, com muitas coisas boas, algumas excepcionais, mas reafirmo que não fizeram reformas estruturais necessárias
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Enquanto o Senado Federal, exótica e desnecessariamente presidido pelo presidente do STF, ouve testemunhas e produz constrangedor show midiático que deverá levar Dilma Rousseff a um injusto impedimento, sigo aqui sozinho e entristecido pensando: como a esquerda chegou a isso? Como os setores progressistas deixaram que isso ocorresse? De quem é a culpa?
Busquei necessário auxilio aqui na minha estante de livros e encontrei uma boa pista num livro de André Singer... No seu “Os sentidos do Lulismo”[1] Singer busca compreender o que chama de “realinhamento eleitoral”.
Esse realinhamento teria se evidenciado em 2006 com a reeleição de Lula, momento em que o subproletariado, que sempre se manteve distante de Lula e que elegeu Collor em 1989, aderiu em bloco à sua candidatura, ao mesmo tempo em que a classe média se afastou do PT e de Lula, muito por conta do Mensalão.
A partir de 2006 surge uma nova configuração ideológica (que mistura elementos de esquerda e de direita, um discurso e prática que uniram a manutenção da estabilidade e ação distributiva do Estado), a qual ajudou a criar o Lulismo, cuja essência é excessivamente pragmática e conciliadora.
Antes e para ser justo com a História, faço algumas observações.
Apesar de o inicio do governo Lula ter sido conservador e de viés neoliberal, ele libertou-se da lógica do mercado e em 2010 entregou a Dilma um país bem diferente daquele que recebeu dos neoliberais.
Não se pode esquecer que sob a presidência de Lula os juros caíram de 26,5% a.a. para 10,25% a.a (com taxa real de 4,5%); o superávit primário foi reduzido para 2,7% do PIB; o salário mínimo aumentou 6% acima da inflação naquele ano e totalizou cerca de 50% de 2003 a 2010. Cerca de 12 milhões de famílias de baixíssima renda participavam do exitoso “Bolsa Família”; o crédito chegou a 45% do PIB, permitindo aumento do consumo de famílias de baixa renda.
Com as medidas macro e microeconômicas ativou-se o mercado interno e o PIB teve aumento de 7,5% em 2010, o desemprego era de 5,3%, o que economistas afirmavam estar próximo do pleno emprego; para citar alguns pontos positivos da gestão de Lula.
Além disso, o governo Lula criou condições de realizar os Jogos Pan Americanos em 2007, trouxe a Copa do Mundo e as Olimpíadas; reativou a indústria naval, investiu e criou um programa habitacional de enorme sucesso e que beneficiou milhões de famílias e deu vida à então moribunda industria da construção civil.
Tendo tudo isso em perspectiva por que estamos hoje assistindo pela TV os últimos atos de um golpe de Estado (batizado fraudulentamente de impeachment)? De quem é a culpa?
Pelo andar da carruagem não será possível vencer o golpismo, apesar dos treze anos de governo progressista, mas por quê? Eu poderia dizer de maneira simplista que a culpa é da mídia, dos golpistas, etc. e tal, mas penso que não fomos capazes de vencer o golpismo porque as estruturas, as instituições, assim como as carreiras de Estado, foram apropriadas por uma aristocracia urbana, uma classe a serviço da plutocracia; apenas as reformas teriam evitado o que está a ocorrer.
Acredito que o coup d'État ocorreu muito porque a esquerda e os setores progressistas acomodaram-se num governo reformista, progressista é verdade, mas fundamentalmente conciliador e reformista, acomodaram-se de deixaram-se cooptar.
Com todo respeito afirmo: Lula, o lulismo e os lulistas acomodaram-se e são os responsáveis pelo que ocorre, pois tivessem feito as reformas necessárias os lacerdistas, o neotenentismo e os golpistas de todo gênero não teriam tido espaço para fazer tanto mal, não teriam espaço para o golpe; tivessem ocorrido reformas, como a reforma política e o fim do financiamento empresarial de campanhas e partidos a Lava-Jato não existiria, ou estaria a apurar os malfeitos dos governos neoliberais.
Penso que alguns quadros importantes e históricos não souberam usar do poder concedido pelo povo como legitimo e necessário instrumento de mudança e tornaram-se desprezíveis representantes de interesses e vantagens corporativas, tornaram-se iguais àqueles que combatemos. E o que é pior, perdeu-se a conexão orgânica com os movimentos sociais legítimos e com os setores produtivos éticos, basta que não percamos de vista que um gerente da PETROBRÁS mantinha milhões de dólares numa conta no Principado de Mônaco e um Diretor da mesma empresa manter “seus” milhões em conta da Suíça, basta não perdemos de vista que relações nada republicanas entre agentes públicos e agentes privados continuaram vivas nos governos de Lula e Dilma.
Lula apostou no pragmatismo e na conciliação para manter a governabilidade e permitiu que as oligarquias nacionais mantivessem riqueza e acumulassem mais poder ainda, em contrapartida seguiu a inédita e necessária redistribuição de renda através do bolsa família.
É inegável que Lula e Dilma, especialmente Lula, fizeram governos com muitas realizações, com muitas coisas boas, algumas excepcionais, mas reafirmo que não fizeram reformas estruturais necessárias.
A transformação da sociedade (que é tarefa dos setores progressistas, não exclusivamente dos trabalhadores, pois a sociedade do século XXI tornou-se muito complexa e plural e é na diversidade que encontramos o elemento essencial da dialética) não se faz apenas com conciliação e consensos, faltaram reformas fundamentais.
Faltou coragem a Lula em realizar reformas, preferiu eleger sua sucessora.
A opção de valer-se do “boom” das commodities e usar parte dos ganhos para alguma redistribuição de riquezas foi política pública correta, muito relevante, inédita, mas insuficiente, pois veio desacompanhada de formação política e das reformas.
Aliás, no quesito “formação política” ela e o debate democrático com a sociedade eram tarefa dos partidos progressistas, mas seus principais quadros estavam embriagados pelo institucionalismo governista; embriagados a tal ponto que foram incapazes de romper com “esquemas” que herdaram e que sempre criticaram, deixaram-se cooptar por corruptos e corruptores, tornaram-se vaidosos, arrogantes e deslumbrados, alguns se lambuzaram como registrou corretamente o ex-ministro Jacques Wagner, sendo que outros, a exemplo de Mercadante, mergulharam seus egos num mar de soberba e incompetência política.
Mas a quais reformas me refiro? A reforma financeira, a reforma política, reforma do judiciário, reforma tributária, reforma urbana, reforma da previdência, reforma da lei da mídia, para citar apenas algumas das reformas necessárias.
Mas por que as reformas são tão importantes? Porque as reformas garantiriam a mudança estrutural do poder nas instituições e estruturas públicas e privadas, representariam a democratização das estruturas e instituições, as quais hoje estão integralmente apropriadas por uma aristocracia urbana a serviço da plutocracia.
E nesses tempos em que a caixa de Pandora foi aberta e seguirá aberta, tempo em que todos os malfeitos passaram a ser conhecidos, em que a esperança - enquanto virtude teológica – nos escapa, o que fazer?
É cedo para afirmar, mas desejo que hegemonismo desagregador seja substituído pela busca de unidade, pelo respeito, pela reconciliação com a sociedade e por valores e virtudes que apenas os setores progressistas representam de forma genuína, afinal a transformação da realidade e o caminho do progresso emanam das ruas, da sociedade, da sua dialética e não dos gabinetes luxuosos na Avenida Paulista, da Esplanada dos Ministérios ou da Praça dos Três Poderes.
Pedro Benedito Maciel Neto, 52, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.
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