De olhos bem fechados
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A transmissão das imagens impactantes de inundações na Bahia, confrontadas com as fotografias de Jair Bolsonaro, de férias, pescando no litoral de Santa Catarina, chocam o psiquismo dos que hoje vivemos na sociedade brasileira. Presidente não descansa. Poupa-se do trabalho quando o curso da administração caminha bem e pode se dar ao luxo de um mínimo de repouso. Nas tragédias, deve interferir, estar presente, aparecer no meio dos conflitos, por interesse, amor ao próximo e solidariedade. Lembremos que o a Argentina, sensibilizada pela gravidade dos fatos, ofereceu ajuda através de um grupo de especialistas que viriam para assessorar as autoridades. O Itamaraty recusou; a Bahia aceitou, premida pelas dimensões da tragédia e entendendo que todas as forças em acréscimo chegariam em boa hora.
O filme de Kubrick, De olhos bem fechados, de 1999, a partir de uma história do escritor austríaco Arthur Shnitzler, envolve o relacionamento de um casal, entre fantasias e delírios. Por meio dele, entramos numa atmosfera de irrealismo, mesclada a elementos concretos sobre o comportamento de cada um. Nada poderia se revelar mais distante do Brasil. No entanto, através da atual gestão, na qual tudo, literalmente tudo, possui parentesco com o surrealismo, obedecemos a uma linha de reflexão mais saudável do que as circunstâncias na natureza dos fatos. A pescaria no litoral de Santa Catarina conta uma história; a Bahia, sujeita a inundações históricas, narra outra. Os exemplos não se combinam, como se fossem antagônicos. Jair Bolsonaro, cansado, não quer mais saber. Parece um avestruz, enfiando a cabeça na areia, ou na água, para se poupar dos dissabores. Por outro lado, se não ajuda, atrapalha, como é o caso das vacinas para as crianças, numa briga fora de hora com a Anvisa. Esta, seguindo pareceres técnicos, aprovou a medida. O chefe, desconfiado e contrário à ciência, como tem demonstrado, posicionou-se contra. No meio do caminho, novamente, a população, desta feita, as crianças e seus pais que gostariam de vê-las protegidas contra uma enfermidade das mais devastadoras. São pesadelos que não interrompem o sono do mandatário. Ele prefere desafiá-los derrubando-os como castelos de areia, a reconhecer que erra. Em geral, monta numa motocicleta e sai pelas ruas, incomodando moradores e ostentando a arrogância típica dos baderneiros, aos quais, com efeito, pretende organizar e colocar a seu favor. É, como se comentou, surrealismo. No cinema de Kubrick, o filme lança mão de temas que não escapam aos relacionamentos amorosos em suas várias dimensões. Aqui, se ainda se tem como mencionar amor, trata-se de afeto perverso, um tipo de liderança na qual agradaria se perpetuar na dicotomia chicote versus submissão, as armas, os tiros, versus a vitimização de um setor que se rende, magnetizado, se não de olhos abertos, sem dúvida bem fechados, como se não desejasse saber. Trata-se de um projeto impossível. Mais cedo ou mais tarde, o mundo se levantará e corrigirá os sinais da falta de perspicácia e da ignorância. Em vez de prestígio, colherá decepção. Em vez de sucesso, desencadeará tempestades e espalhará ruínas, na política ou fora dela. Por sorte, ajeitando-se e se organizando na contramão, a sociedade brasileira se declara exausta. Não suporta mais efeitos de marketing. Dados de pesquisas ajudam a esclarecer os encaminhamentos em que, aos poucos, nos posicionamos. Precisamos de alguém que esteja lá, disposto a encontrar soluções. Uma dose de humanismo na Presidência da República - e todos teríamos a ganhar. De olhos bem abertos.
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