De @LuizInácio a @CFKArgentina
O que Lula diria a Cristina Kirchner? Que conselhos poderia dar a ela neste momento de crise argentina? O principal deles: não há mágica na economia
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Querida Cristina:
Me atrevi a te escrever, pela confiança mútua e amizade que construímos. A experiência de coincidir três anos intensos na presidência de nossos países nos irmanou e nos uniu pelo tempo.
Argentina e Brasil estão juntos, não só pela geografia e pelo Mercosul, mas também por um comércio forte e vital que supera os 30 bilhões de dólares por ano.
A Argentina é o terceiro maior cliente mundial do Brasil, depois dos Estados Unidos e da China, mas é o maior comprador de produtos industrializados brasileiros, que incluem o valor agregado, o conhecimento, a criatividade e o suor dos trabalhadores.
Sei que a Argentina está vivendo um momento difícil, com nervosismo e tensões econômicas agudas. Eu não vou te dar conselhos. Nunca o fiz.
Mas pensei que poderia ser útil te contar nesta carta algumas das ideias que eu nunca cansei de repetir em meus oito anos a frente do governo.
Quando eu era oposição - não se esqueça que eu perdi três eleições presidenciais antes de ser eleito em 2002 -, eu protestava contra as exportações da agricultura brasileira, porque considerava imoral que se vendesse os nossos produtos para fora do país, enquanto tanta gente no Brasil passava fome.
Eu estava equivocado, e fiz a minha auto-crítica pública.
Quando cheguei ao governo como o primeiro presidente trabalhador do Brasil, 1 de janeiro de 2003, eu tinha claro que o melhor que poderia nos ocorrer era que os agricultores e pecuaristas, cada vez mais, plantassem e criassem mais, para conseguir alimento não só para o povo brasileiro mas também para o mundo.
Sem a sua ajuda, eu não poderia ter cumprido minha promessa de que todos os brasileiros comeriam, pelo menos, três vezes ao dia e deixariam de passar fome como eu passei.
Hoje o Brasil não é só o maior exportador mundial de suco de laranja, açúcar e de café, mas também de carne, frango, e em breve será de soja. Somos grandes exportadores de milho. E nós precisamos comprar trigo da Argentina.
Só em 2013, o Brasil exportou, isentos de impostos, produtos agrícolas e pecuários por 100 milhões de dólares.
Exportar cada vez mais não privou o povo brasileiro de comprar alimentos baratos em seu próprio país. Ao contrário. Nunca a população teve acesso a tantos bons alimentos. E os lucros gerados pelo agronegócio impulsionaram as indústrias e a construção.
Havia uma coisa que eu nunca canso de repetir. Eu não tinha o direito de errar. Porque se um metalúrgico errasse na presidência, o governo teria de voltar para aqueles que estão convencidos de que as forças populares não sabem governar.
Então, eu sempre dava a mesma mensagem.
Prometi que não iria fazer mágica com a economia. E cumpri.
Em 13 de outubro de 2005, proferi estas palavras para um grupo de empresários: "O Brasil já teve muita pirotecnia, muita magia, inventou planos no meio da noite, que terminaram de manhã. Nós não faremos isso. Em economia, não há magia. Há responsabilidade".
Sei que a Argentina, como o Brasil, também tem uma história de instabilidade econômica, hiperinflação e frustrações.
Por isso, pensei que minhas palavras poderiam ser úteis.
Ainda jovem, quando eu me tornei um sindicalista, trabalhei em fábricas nos subúrbios industriais de São Paulo.
Antes de aprender o trabalho de torneiro mecânico, graças a um curso de formação técnica, eu vendi amendoim e engraxei sapatos.
Por isso, sei quanto custa a um trabalhador ganhar seu salário e procurei fazer tudo que estava ao me alcance para respeitar esse sacrifício.
Como governante, sempre me esforcei para cuidar do poder de compra do dinheiro das pessoas, protegendo-as da inflação.
Recebi muitos ataques por isso. E alguns até me acusaram de haver traído meus ideais.
Mas foi uma luta que valeu a pena.
Saí da presidência em 1 de Janeiro de 2011 como o governante mais popular da história do meu país e ajudei a eleger a candidata que melhor poderia cuidar do meu legado, nossa amiga Dilma Rousseff.
Abraços e que Deus ilumine você.
Respeitosamente,
Luiz Inácio Lula da Silva
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