De homem pra homem

A inferiorização da mulher, a putização de todas as mulheres, a hipersexualização, a objetificação do corpo feminino... tudo isso faz parte do processo

A inferiorização da mulher, a putização de todas as mulheres, a hipersexualização, a objetificação do corpo feminino... tudo isso faz parte do processo
A inferiorização da mulher, a putização de todas as mulheres, a hipersexualização, a objetificação do corpo feminino... tudo isso faz parte do processo (Foto: Lelê Teles)


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30 homens estupraram uma menina. 

30!

e sabe o que mais?

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eles publicaram fotos e vídeos do crime nas redes sociais.

todos sorridentes, triunfantes, jactando-se de sua infâmia; ostentando.

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monstros, dirás.

aí, automaticamente, vem à nossa mente a imagem de uns caras peludos, meio lobisômicos, espumando pela boca, em acesso de licantropia...

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só que há um problema aí. essa imagem é boa para o estuprador.

porque você o desumaniza. 

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você o retira da cena do crime por uns instantes, o leva a uma floresta escura e o transforma – mesmo sem querer – numa vítima possuída por um demônio, numa pessoa que passou por uma metamorfose e se materializou em besta irrefreável.

mas não é nada disso, cara. não tinha monstro nenhum ali.

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aquilo não era ficção, era a crua realidade.

ali eram 30 caras, como eu e você.

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desses caras que andam por aí pelas ruas, roçando nas mina nos coletivos, pegando-as à força para beijar nas festinhas, jogando cantadas grosseiras e invasivas pelas calçadas, esperando a menina ficar bêbada para passar a mão nela, invadi-la...

cê tá ligado?

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30 é gente pra cacete, irmão. e nenhum disse: NÃO.

30 marmanjos, desses que vão a festas, trabalham, jogam videogame, fazem selfies, se perfumam, batem uma bolinha no final de semana...

estupraram uma adolescente de 16 anos. 

30 caras.

são uns doentes, dirão.

são não!

são sãos.

porque dizer que são doentes é atribuir a eles uma enfermidade, uma patologia da qual eles seriam vítimas. 

o doente é vítima de uma doença!

assim você, mesmo sem querer, humaniza demais os caras.

30 homens não, 30 vermes, disse-me um colega pelo Facebook.

não, cara. são 30 homens, sim. homens como eu e você. 

vermes não estupram. homens estupram.

quando esses trinta canalhas postaram na internet fotos e vídeos do horrendo crime, eles compartilhavam sua barbaridade com outros homens. 

sabiam que contavam com a conivência masculina.

quem vai atirar a primeira pedra?

foram homens que fizeram as fotos e os vídeos viralizarem, compartilhando e fazendo comentários estúpidos.

homens como eu e você.

trinta canalhas, é só isso que os difere de mim e você.

mas são homens como nós, e nós conhecemos muitos deles.

e, oh, tá na hora da gente começar a falar sobre isso.

por que você não fala pro teu amigo nunca mais lhe mandar pelo zap vídeos roubados de celulares de garotas?

por que você compartilhou aquele vídeo de um cara que filmou sexo entre ele e uma garota que não sabia que estava sendo filmada?

você acha que isso não é estupro?

você participa de estupros simbólicos, cara. muitos deles coletivos.

porque quando você manda para um grupo a imagem íntima de uma garota sem o consentimento dela, você pratica um estupro virtual coletivo.

e esse é um tipo de violência simbólica que machuca muito, porque joga a reputação da garota na lixo.

porque os homens condenam a mulher que foi filmada sem consentimento e não o cara que filmou e divulgou.

há um grande pacto entre os canalhas: você não violenta a minha irmã e eu não violento a sua, o resto a gente passa o rodo.

por isso que se uma mulher passa na rua sem a companhia de um homem, ela pode ser importunada a vontade.

a gente não mexe com elas quando estão acompanhadas não por respeitá-las, mas por respeito a seu companheiro.

sabe aquele cara que se esconde atrás de um muro, na escuridão; esquece ele, ele é raro.

mais de 70% dos estupradores são íntimos de suas vítimas.

a cada doze minutos uma mulher é estuprada no Brasil.

tem estuprador pra caralho, cara.

eles não estão em becos escuros.

o estuprador tava bebendo com você ontem. chegou em casa e quis transar com a esposa, ela achou que ele tava fedorento e abusado.

mas ele aproveitou que tava bêbado e deu uns tapas nela, ela teve que abrir as pernas para não ficar pior as coisas.

sabe porque ele não te contou nada no dia seguinte? porque ele acha que não houve nada demais ali.

quantas vezes você já deu gargalhada de um colega contando aventuras com garotas que ele esperou se embriagar para se aproveitar dela?

quantos vídeos você já abriu e compartilhou que são típicas violências simbólicas contra as mulheres?

será que você não faz parte de uma rede que publiciza a violência simbólica contra a mulher, contra a sua honra; uma cultura de desrespeito, humilhação e desprezo?

eu imaginava, até pouco tempo, o estuprador agindo na calada da noite, surgindo subitamente numa esquina escura, pegando a vítima pela boca e desaparecendo nas trevas.

mas eu já me dei conta de que não é nada disso, irmão.

as mina estão sendo estupradas dentro de casa, na escola, na faculdade, nas festinhas; às claras, às escâncaras, com cinegrafista e tudo.

a misoginia é a chave de entrada pro estupro.

esses trinta canalhas fazem parte de um processo. e estão nessa porque querem. é uma questão de escolha.

o processo é a cultura do patriarcado. o machismo.

a inferiorização da mulher, a putização de todas as mulheres, a hipersexualização, a objetificação do corpo feminino... tudo isso faz parte do processo.

é a cultura do estupro.

as garotas começam a ser assediadas ao 10 anos de idade, cara.

elas têm contato com estupro simbólico desde sempre. 

nós, homens, também.

por isso, não adianta somente as mulheres ocuparem as ruas denunciando o estupro.

elas não vão poder mudar as coisas sozinhas; pelos simples fato que elas não estupram, elas são estupradas.

quem estupra somos nós, os homens.

e a gente precisa falar mais sobre isso.

porque a nossa omissão, ou é adesão ou é conivência.

Palavra da salvação.

#EstuproNuncaMais

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