De golpe em golpe, podemos ter eleição indireta
"O Judiciário tem um relógio que acerta os ponteiros decisórios com a conveniência política que vem presidindo a troca de um governo eleito por outro negociado entre os traidores de Dilma e os perdedores da eleição de 2014", diz a colunista Tereza Cruvinel; "Um dos últimos atos da teatrologia em curso será o julgamento, pelo TSE, da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo contra a chapa Dilma-Temer. E nele poderá haver uma espécie de sub-golpe dentro do golpe em duas modalidades, dependendo da conveniência. Ou a condenação apenas de Dilma, com absolvição de Temer, ou o adiamento da decisão para o ano que vem, caso o governo dele comece a fazer água", avisa a jornalista, lembrando que, do julgamento presidido por Gilmar Mendes, pode brotar uma eleição indireta por esse "Congresso que está aí"
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O Judiciário tem um relógio que, assim como o da Lava Jato e o Procurador-Geral Rodrigo Janot, acerta os ponteiros decisórios com a conveniência política que vem presidindo a troca de um governo eleito por outro negociado entre os traidores de Dilma e os perdedores da eleição de 2014.
Um dos últimos atos da teatrologia em curso será o julgamento, pelo TSE, da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) contra a chapa Dilma-Temer. E nele poderá haver uma espécie de sub-golpe dentro do golpe em duas modalidades, dependendo da conveniência. Ou a condenação apenas de Dilma, com absolvição de Temer, ou o adiamento da decisão para o ano que vem, caso o governo dele comece a fazer água. Neste caso poderá haver a dupla cassação seguida de um grave retrocesso na democracia brasileira, a eleição indireta de um novo presidente por este Congresso que está aí.
O julgamento separado das contas de Dilma e de Temer seria sub-golpe, com licença para o neologismo, porque ao fazer isso o TSE estaria quebrando a jurisprudência firmada no julgamento dos cinco governadores que foram cassados em ações similares desde a redemocratização. Em todos, a chapa foi julgada em ação únic e o vice foi cassado juntamente com o cabeça de chapa. Nos estados onde isso ocorreu, o titular da segunda chapa mais votada foi empossado.
Mas antes de chegar a este ponto, tudo indica que o TSE observará cuidadosamente o relógio antes de julgar a ação. Esta semana, se Dilma for afastada na quarta-feira pelo Senado, como é provável, Temer toma posse. Se o governo dele emplacar, der sinais de que pode sobreviver aos riscos iminentes (ilegitimidade, impopularidade, colapso ético ditado pela Lava Jato ou ingovernabilidade decorrente das disputas entre tantos partidos sócios), o julgamento ocorrerá ainda este ano. A separação das contas permitirá que Dilma seja condenada (tenha o Senado concluído ou não o julgamento do impeachment), e ele absolvido sob o argumento de que sua campanha correu em faixa própria e não recebeu recursos “contaminados” – no caso dela, as doações legais carimbadas como propina. As mesmas empreiteiras, como todo mundo já sabe, também fizeram doações legais para Aécio Neves mas estas não estão sendo questionadas. E numa campanha, todo mundo também sabe, o vice não faz campanha separada. Tudo é feito pela chapa. Tanto a arrecadação como o gasto.
Mas se, no segundo semestre o governo Temer estiver fazendo água, poderá o tribunal seguir em marcha lenta e deixar o julgamento para o início do ano que vem. E aí a democracia brasileira pode sofrer outra regressão vergonhosa. Neste caso a cassação de toda a chapa pode tornar-se conveniente para o jogo que vem sendo feito. E neste caso, vamos para o retrocesso, com a eleição indireta de um presidente pelo Congresso. Isso mesmo, eleição indireta como no tempo da ditadura. E por aquela mesma Câmara que protagonizou o espetáculo inesquecivelmente vergosonho de 17 de abril.
Em entrevista à jornalista Isadora Perón, no Estadão deste domingo, o futuro presidente do TSE, o ministro do STF Gilmar Mendes, deixou claro nas entrelinhas que o tribunal administrará o tempo do julgamento e já tem argumentos para quebrar a jurisprudência, em mais uma rodada de cartas marcadas.
Perguntado se não teria sido melhor o julgamento da ação antes do impeachment, com a possível cassação de toda a chapa, e se a AIME será examinada mesmo que Dilma seja afastada, ele respondeu: “Sim. Mas, neste caso especifico, é preciso dizer à sociedade que o atraso se deveu à complexidade do processo de admissão da ação. Nós tivemos um embate muito forte no TSE e isso consumiu praticamente o ano passado todo. Agora estamos na fase de instrução de provas. Vamos ver em que estágio vamos estar em junho, e aí saberemos se vamos conseguir julgar isso no próximo semestre ou se isso passa para o próximo ano.”
Ou seja, mais adiante o TSE decidirá se o Brasil fica com Temer na presidência ou se, ficando a ação para o próximo ano, corremos o risco de ter um presidente eleito pelo Congresso.
A pergunta seguinte foi sobre a possibilidade de separação entre as contas de Dilma e as de Temer, o que pode levar à condenação de um e à absolvição de outro. Resposta do ministro: “Essa é uma questão que se coloca, e tem que ser analisada. Até aqui o TSE não fez separação, a princípio ele entende que a chapa é incindível. Essa é a jurisprudência. Mas nós temos um caso em que se discutiu uma situação peculiar, e o debate pode ser útil para iluminar as reflexões. Esse caso foi o do governador de Roraima Ottomar Pinto, em que foi aberta uma ação e, no curso do processo, o governador veio a falecer. O processo, no entanto, prosseguiu contra o vice, mas o tribunal chamou a atenção para que os atos que levariam à cassação de mandato tinham sido praticados pelo então titular da chapa, então fez-se uma atenuação de responsabilidade, e esse é um tema que nós vamos ter que analisar se esta questão for colocada”.
Olha que interessante. Cinco foram os julgamentos que terminaram com a cassação do governador e de seu vice: Mão Santa (PMDB-PI), em 2001, Flamarion Portela (PT-RR), em 2004, Marcelo Miranda (PMDB-TO), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Jackson Lago (PDT-MA), em 2009, e José Roberto Arruda (DEM-DF), em 2010. Em todos estes casos, que geram a jurisprudência, cabeça de chapa e vice estavam vivos na hora do julgamento. Mas Gilmar toma como precedente o caso singular de Ottomar Pinto, que já havia morrido quando a ação foi julgada, tendo o TSE feito o que ele chama de “atenuação de responsabilidade”. “Esse é um tema que nós vamos ter que analisar se esta questão for colocada”. Colocada a questão já está pelo pedido de separação de contas apresentado por Temer.
Não é difícil concluir que o relógio das conveniências dará as cartas. Se o governo dele emplacar, o TSE pode condenar Dilma, mesmo já afastada, conferindo a Temer um simulacro de legitimidade pela inocentação. Se fizer água, a decisão fica para o ano que vem e neste caso poderemos ter que engolir as indiretas. É o que prevê a Constituição. Haja involução!
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