De golpe em golpe, chegamos ao “distritão”
Colunista do 247 Tereza Cruvinel lamenta a aprovação, pela comissão da reforma política da Câmara, do chamado "distritão" para as eleições de deputados federais e estaduais em 2018, sistema pelo qual serão eleitos os candidatos mais votados; "As decisões ainda passarão pelo plenário mas a frente anti-distritão não tem nem 150 votos para evitar a tragédia: com este sistema, vamos ter um Congresso piorado, mais elitista, mais conservador, mais negocista, com forte prevalência de bancadas evangélica e ruralista. Esta perspectiva é tenebrosa e aponta para o pior dos mundos. Ainda que seja eleito um presidente progressista, ainda que Lula seja eleito, como será possível governar com um Parlamento destes?", questiona; "Seria deposto, como Dilma. É dura a vida no bananão", afirma
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O rolo compressor governista voltou a ser ligado na reunião da comissão especial da reforma política, que terminou há pouco. Sob a presidência do deputado Lúcio Vieira Lima, irmão do impoluto Geddel, os partidos governistas impuseram o voto em sistema “distritão” para o pleito do ano que vem e turbinaram o fundo partidário em R$ 3,6 bilhões. As decisões ainda passarão pelo plenário mas a frente anti-distritão não tem 150 votos para evitar a tragédia: com estes sistema, vamos ter um Congresso piorado, mais elitista, mais conservador, mais negocista, com forte prevalência de bancadas evangélica e ruralista. Esta perspectiva é tenebrosa e aponta para o pior dos mundos. Anda que seja eleito um presidente progressista, ainda que Lula seja eleito, como será possível governar com um Parlamento destes?
É bastante compreensível que a bancada do atraso e do fisiologismo defenda este sistema que foi inoculado no debate pelo próprio Temer. Ele favorece exatamente o atraso: a eleição dos mais ricos, dos patrocinados por máquinas partidárias, igrejas e grupos econômicos, dos que buscarão o voto clientelista distribuindo favores. Mas é de doer o apoio do PSDB, que sempre defendeu o distrital misto com vistas ao parlamentarismo clássico, para ser adotado se aprovado em plebiscito. Do impeachment de Dilma para cá, entretanto, o PSDB tem se movido o tempo todo a reboque de Temer e da “vanguarda do atraso”, como dizia o saudoso Fernando Lyra, referindo-se aos conservadores que depois de apoiar a ditadura pegaram carona no vagão da redemocratização. A reboque do PMDB, de Temer e sua turma, o PSDB apoiou o golpe contra Dilma, a emenda que congelou o gasto público por 20 anos, a política econômica desastrosa de Meirelles, a reforma trabalhista e o perdão a Temer na votação da denúncia de corrupção passiva. Agora, seguiu de novo a manada golpista, apoiando o distritão na comissão (e o fará no plenário), com a desculpa de que será uma transição para a adoção do distrital misto em 2022. Auto-engano. Não haverá agora regulamentação alguma sobre uma regra que entraria em vigor daqui a 5 anos. E havendo apenas uma previsão genérica, o compromisso de hoje poderá ser levado de roldão pelas enchentes do futuro.
Volto a recordar os danos que a adoção do distritão causará à democracia e à governança política do Brasil. Neste sistema, os deputados fazem campanha no estado inteiro e serão eleitos os mais votados, como numa eleição majoritária. Votos no partido (legenda) não contam e nem as sobras dos mais votados serão aproveitadas para garantir a eleição dos menos votados, que entretanto representam uma fração dos eleitores, tornando a representação na Câmara mais autêntica, um espelho mais aproximado da sociedade. E assim, é óbvio que acontecerão os seguintes desatinos.
- Com o distritão, os políticos que já têm mandato, e logo são mais conhecidos do eleitorado, tendem a ser mais votados que os desconhecidos. Isso favorece os atuais parlamentares, por mais desmoralizados que estejam, reduzindo a taxa de renovação das bancadas.
- Representantes de minorias, ou deputados temáticos, por exemplo, terão chances reduzidas de se elegerem.
- Como cada um fará campanha em seu próprio nome, os partidos ficarão em segundo plano, podendo até ser omitidos do eleitor. Enfraquecer os partidos é uma aposta ruim para a democracia. Obriga os governos a negociar com indivíduos, e não com siglas. É adubo no fisiologismo.
- O sistema também favorece os candidatos ricos. A campanha terá que ser feita em todo o estado, exigindo recursos que candidatos de origem econômica inferior não terão. Ninguém se iluda pensando que as campanhas serão bancadas apenas pelo dinheiro do fundo partidário. Serão utilizados recursos próprios e doações ocultas, pelo caixa dois, agora com mais profissionalismo, e evitando relações diretas com empresas públicas. Tudo isso favorece os que representam o poder econômico.
- O número de candidatos deve cair mesmo, como dizem os defensores do sistema, pois ninguém vai se animar a entrar numa disputa tão cara se não tiver as costas financeiras bem quentes Mas a qualidade do debate político também irá para o rés do chão. Não serão debatidos projetos para o país ou compromissos partidários e programáticos. Cada candidato será um mascate de suas próprias qualidades e virtudes. A Câmara Federal vai se tornar uma grande câmara de vereadores.
6. Haverá também uma indução ao eleitor, no sentido de não “desperdiçar” seu voto destinando-o a um bom candidato mas com poucas chances de figurar entre os mais votados. Para “aproveitar” o voto, o eleitor será induzido a uma espécie de voto útil, na verdade inútil, votando em candidatos bem posicionados, embora não tão bem intencionados.
7. As “máquinas” e o dinheiro darão as cartas. E as máquinas que vão contar serão os grandes partidos, as igrejas e associações de classe que representam o poder econômico (Fiesps e CNIs da vida). Os sindicatos, agora empobrecidos, contarão muito menos.
Com tudo isso, qualquer um pode apostar alto na piora do Congresso, no rebaixamento da qualidade moral e intelectual dos deputados. Se a Câmara atual já foi chamada de “assembleia de bandidos”, uma nova adjetivação terá que ser inventada para a próxima. Por isso eu disse lá em cima que será uma tragédia. Ainda que seja eleito um presidente da República progressista, como ele poderá governar e cumprir suas promessas com uma Câmara destas? Seria deposto, como Dilma.
É dura a vida no bananão.
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