Das alianças e dos compromissos
O dilema dos partidos de esquerda é fazer as alianças políticas para ganhar as eleições e governar. Mas se aliar com quem? - Com os inimigos? Com as oligarquias? Com os chefes políticos? - Pelo visto, quem pensa assim, acha que pode manipular esses aliados. Mas a história tem sido outra
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
A história das alianças políticas na cultura política dos partidos e agrupamentos de esquerda pode ser resumida numa frase de líderes anarquistas, para caracterizar as propostas de frente única lançada pelos comunistas: "frente única sob a hegemonia do PC". Nunca foi fácil esse aprendizado de propor alianças com outras forças e partidos distintos de nossa própria organização. E há quem diga que a ambiguidade ou insuficiência dessa política deita raízes na ausência da concepção instrumental do Estado (teoria negativa, diria Bobbio) e meramente tática da democracia. Indo mais longe poder-se-ia invocar, até mesmo, a concepção monista da realidade, como assim formularia Plekhanov em seu livrinho "Princípio do marxismo". Sendo a realidade formada de uma única matéria, a política, as artes, a filosofia não passariam de meros epifenômenos daquela matéria primordial.
Há dois grandes estrategistas da política, no campo do pensamento marxista, um chama-se Wladimir Uilianov Lenin: o outro Antonio Gramsci. Um russo. Outro, italiano. Ambos comunistas. Enquanto Lenin, inspirado numa espécie de "ética das consequências" e na política, como atividade "estratégica", propunha uma visão tática, instrumental das alianças políticas. E essa concepção melhor se expressa na chamada "aliança-camponesa"; o comunista italiano propôs uma visão da aliança política como "hegemonia", e da política, como "catarse". Naturalmente a visão gramsciana corresponde ao fim de um ciclo revolucionário no "oriente" e na Europa e a adequação da revolução aos termos da sociedade capitalista ocidental. Ela contém assim mais substancia ética e civilizatória. Não sendo, portanto, um mero expediente tático empregado pela esquerda para acumular forças e fazer a revolução. O conceito de "hegemonia" em Gramsci está ligado a chamada "direção moral e intelectual" de uma força política fundamental sobre as outras (coadjuvantes no processo revolucionário). E deve continuar mesmo depois que esta força já tenha se constituído em classe dominante. Nisso, o autor sardo se afasta de Lenin.
Muitos comunistas têm alergia quando se fala em alianças. Acham que o seu ideal político é muito frágil e pode se deixar corromper facilmente em contato com o das outras forças políticas. Mas quando se fala de alianças, não está se tratando de pacto ou acordo com os inimigos, e sim com os mais próximos, os que não pensam radicalmente diferente de nós. É possível - e até desejável - que uma classe, partido ou movimento seja "dirigente" antes de ser dominante. E isso só pode ser feito através de uma persistente luta pela hegemonia, na sociedade. Nenhuma classe pode/deve governar a sociedade, sozinha. Este monolitismo seria uma grande ameaça às liberdades. Deve fazer alianças para conquistar o poder e governar.
Coisa muita distinta da tal "governabilidade" de nosso presidencialismo de coalizão. Aqui, essa palavra medonha se confunde com a corrupção política de um grande número de agremiações e políticos, com um único objetivo: garantir uma relativa estabilidade para o governante de turno. Não precisa muito de afinidades ideológicas ou programáticas. Apenas o apoio fisiológico da base, em troca de benefícios, cargos e verbas orçamentárias (emendas). Este fisiologismo não tem de esquerda. É mero fisiologismo.
Quando o partido ou um líder de um partido de esquerda propõe uma aliança como essa, para ganhar uma eleição e, depois, governar, ele está vendendo sua alma ao demônio, que nada tem de besta: chame-se Maluf, Sarney, Jader, Renan, Temer etc. Os nomes são muitos; a coisa ruim, uma só. O dilema dos partidos de esquerda é fazer as alianças políticas para ganhar as eleições e governar. Mas se aliar com quem? - Com os inimigos? Com as oligarquias? Com os chefes políticos? - Pelo visto, quem pensa assim, acha que pode manipular esses aliados. Mas a história tem sido outra.
Por que não se aliar com os mais próximos, com os partidos que estão no campo da esquerda? Com quem tem o mínimo de afinidade programática? - Aí parece que cada partido ou força política quer se apresentar desde logo com uma direção política e moral pronta e acabada, esperando a mera adesão dos outros. Não há nada mais contrário ao espírito de uma aliança construída a partir do diálogo e dos compromissos, do que esta proposta de "hegemonia natural", apresentada por alguns partidos. A hegemonia é uma conquista diária, que exige muito esforço e transigência em nome de um objetivo maior. Não pode ser uma pré-condição para as alianças. Que fique aqui esse registro para a reflexão.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247