Dallagnol, o imberbe caifás

o verbo dalanhar, neologismo que denota o ato de acusar e denunciar a partir de convicções e de pedir a prisão de alguém sem provas, pode parecer uma pauerpôntica novidade, mas não é

O procurador da República Deltan Dallagnol, que integra o núcleo da Operação Lava Jato, participa de lançamento, no Rio, do projeto 10 Medidas Contra a Corrupção, do MPF (Vladimir Platonow/Repórter da Agência Brasil)
O procurador da República Deltan Dallagnol, que integra o núcleo da Operação Lava Jato, participa de lançamento, no Rio, do projeto 10 Medidas Contra a Corrupção, do MPF (Vladimir Platonow/Repórter da Agência Brasil) (Foto: Lelê Teles)


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o verbo dalanhar, neologismo que denota o ato de acusar e denunciar a partir de convicções e de pedir a prisão de alguém sem provas, pode parecer uma pauerpôintica novidade, mas não é.

não se deixe enganar, midioticamente, porque embora esse significante se pareça hodierno, o significado é antigo.

matéria vasta para a nossa vernaculosa lexicologia.

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o que ratifica que há mais mistérios entre um verbete novo e uma prática antiga do que julga nossa vã filologia.

até mesmo a prática de oferecer garantias a qualquer sicofanta disposto caguetar alguém em troca da liberdade é coisa das antigas.

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Judas Iscariotes, não me canso de repetir, foi o primeiro malandro beneficiado pelo instituto da delação premiada; dedurou o chefe, foi absolvido, e ainda saiu com uma sacola cheia de moedas.

com a grana que levou, Judas construiu um resort no deserto e viveu nababescamente a comer tâmaras e mergulhar em seu ofurô de leite de camelas.

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nesse processo da lava jato a única novidade é a infindável quantidade de Judas.

no resto, gritantes são as semelhanças com as arbitrariedades perpetradas pelo sumo sacerdote Caifás na condenação de Jesus, o Cristo.

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conta a história que Caifás estava enfurecido ao ver um homem esquálido, filho do povo, lutando pela libertação dos oprimidos.

qual um médico cubano, o magricela de cabelos longos andava a medicar onde médicos não havia.

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como também não havia farmácias abertas naqueles rincões, o Barba montou sua Farmácia Popular, magicando unguentos genéricos cedidos gratuitamente aos infelizes.

em seguida, o faquir qualificou seus discípulos, sem Revalida, para que saíssem por aí curando enfermos.

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lançando assim, oficiosamente, o programa Mais Médicos na Judeia.

e, veja que curioso, ao passar a devolver a luz aos olhos dos cegos, o Galileu criou, também de forma informal, o Luz Para Todos.

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e mais, argutos internautas, como era de se esperar, o nosso despenteado barbudo, sempre metido num vestidão invocado, passou a ser seguido e adorado por uma multidão de coxos, entrevados, cegos, anêmicos, leprosos e toda sorte de gente sem sorte e esquecida pelos poderosos de plantão.

tão grande era o amor de Cristo pelos desvalidos que ele passou a considerá-los membros de sua família: "quem é minha mãe, quem são meus irmãos?", teria ele perguntado certa vez e ele mesmo respondeu, mostrando os miseráveis que o seguia: "eis aqui minha mãe e meus irmãos".

por isso, ele batizou o seu programa de redenção alimentar de Bolsa Família.

certo dia, depois de longas pernadas debaixo de um sol inclemente, calçado em desconfortantes sandálias de couro de burro, Jesus parou para descansar à beiro de um rio e viu que com ele descansava uma multidão de famintos a lamber os beiços.

o Nazareno, então, resolveu distribuir gratuitamente àquela massa de esfomeados a inédita e inusitada combinação de pão e peixe.

com essa, Jesus inventou ao mesmo tempo o McFish e o McDia Feliz.

ele também andou a defender adúlteras do apedrejamento machista, se acercou de mulheres dando-lhes voz e não disse uma única palavra negativa contra homossexuais, embora tenha se cansado de ver romanos e gregos de saiotes a fornicarem nos pés de barranco.

Caifás, contrariado com essa divina aparição, saiu a dizer, mentindo sobre o menu, que os sem terras e sem tetos que seguiam Jesus o faziam em troca de pão com mortadela.

no entanto, como não havia crime em nenhuma das atitudes do Galileu, a não ser aos olhos dos demofóbicos, dos que odeiam o povo, Caifás resolveu apelar para suas bisonhas convicções.

foi aí que ele dalanhou.

convicto de que havia descoberto um criminoso, um chefe de quadrilha com pretensões monárquicas, Caifás aliciou um beijoqueiro delator e mandou o japonês da Polícia do Templo conduzir coercitivamente o raquítico bem-feitor.

isso sem antes ter-lhe enviado uma intimação convocativa.

gritante ilegalidade!

e quando um homem da lei comete uma arbitrariedade, ele tem que cometer uma cadeia de outras ilegalidades para justificar a primeira ilegalidade.

é como o círculo vicioso do mentiroso.

veja que a condução coercitiva aconteceu na calada da noite e em dia de festa, o que era, e ainda hoje é, legalmente proibido.

e mais, invadiram um domicílio, na madruga, para efetuar a prisão ilegal.

mais uma gritante legalidade.

explico.

o nosso esseteéfico ministro Roberto Barroso já lançou luz sobre o conceito de domicílio inviolável, dilatando-o além da residência.

e o Getsêmani, onde Cristo foi ilegalmente capturado, cabe nessa configuração jurisprudenciada pelo ministro Barroso.

afinal, Getsêmani significa local de prensa de azeite.

ali, no Monte das Oliveiras, tinha um lagar onde homens trabalhavam. ora, o local onde se exerce labor é considerado também um domicílio inviolável, é só ler o Barroso.

Caifás, convicto de que o povo não abandonaria o seu redentor, passou a contar com o apoio da grande mídia local para desconstruir a imagem do Barbudo.

todo dia aparecia a cara dele no jornal nacional da Judéia com uma acusação nova e sem prova.

com a opinião pública intoxicada e cheio de gentios com a camisa da CBF nas ruas, Caifás resolveu inquirir o prisioneiro. dele nada foi extraído que se parecesse uma confissão de culpa.

com a absoluta falta de provas e a tentativa desesperada de dar veracidade ao inverossímil, trouxeram um documento rasurado, outro sem assinatura, ao que no mestre deu de ombros.

tentaram atribuir ao infeliz prisioneiro palavras que só existiam na boca dos procuradores, e o Nazareno respondia apenas: tu o disseste.

com mil diabos, pensou o dalanhante Caifás.

Caifás, então, decidiu condenar o cabra baseado em suas delirantes convicções; e mais, prendê-lo e deixá-lo inelegível até a idade do Alzheimer chegar.

vai que o malandro tenta se candidatar a alguma coisa.

Anás, o sogro do sumo sacerdote destronado 20 anos antes, o alertou que a prisão criaria um herói, a solução seria o assassinato.

mas matá-lo criaria um mártir, alertou Caifás. Ao que o sogro obtemperou: a gente mata e some com o corpo, assim não haverá mártir.

lembrai-vos, diligentes internautas, que essa foi a mesmíssima solução encontrada por Obama e Hillary quando decidiram assassinar Bin Laden.

porém, a pena de morte só poderia ser aplicada pelos romanos.

Caifás, sabujo, mais do que depressa recorreu à autoridade das estranjas.

Pilatos ouviu o ministério público e ficou chocado: "onde estão as provas contra este homem?"

"mas, doutor, é muito difícil fabricar provas em um crime dessa natureza, valem os indícios", respondeu o promotor.

"com os diabos com seus indícios. traga-me alguma testemunha".

trouxeram dois cabras que se contradisseram:

um disse que Jesus afirmou que poderia destruir o templo, o outro afirmou que Jesus havia dito que destruiria destruir o templo. Parece que deram um script pros cabras e eles se enrolaram na hora de construir suas narrativas.

Pilatos, vendo que o ministério público não abriria mão de suas convicções, resolveu lavar as suas e alertou: "façam como queiram, mas atentai bem, pois farão verter sangue de um inocente".

acho que a moçada da força tarefa do ministério público federal, formada por diligentes leitores das fábulas bíblicas, deveria se ater a este nefando episódio e evitar a morte política de um homem justo, enquanto uma malta de Barrabás confessos flanam livres, leves e soltos por aí.

palavra da salvação.

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