Da morte da política à política da morte

"O fim da política é a ditadura, é a vitória do pensamento único, é a ausência total da diversidade, do debate, da convivência de todos. A luta contra a política desembocou na catástrofe que vivemos no Brasil hoje", escreve o sociólogo Emir Sader

(Foto: Reuters | Midia Ninja)


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As origens da catástrofe humanitária que o Brasil vive podem ser buscadas longe na nossa história. Se poderia buscá-las na mais profunda marca do nosso tipo de sociedade: as desigualdades sociais, de que somos campeãs na América Latina, por sua vez o continente mais desigual do mundo.

Se poderiam buscar mais recentemente, quando o PT surgiu na política brasileira e, mais especificamente, quando as candidaturas do Lula começaram a assombrar as elites brasileiras. Ou, quando o PT realizou os melhores governos da história do Brasil, atacando, pela primeira vez de forma frontal e prioritária, as desigualdades sociais no nosso país.

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Ou, ainda mais recentemente, na reação da direita ao sucesso desses governos. Sem poder condenar o PT e seus governos, aclamados pela maioria dos brasileiros pelas vitórias eleitorais sucessivas, haveria que atacar sorrateiramente o PT, tratando de vinculá-lo à corrupção e a atacar a política, aquela mesma que, por vias democráticas, havia permitido que o Brasil tivesse os melhores governos da sua história.

Justamente os vinculados à pior política – a mídia, os grandes empresários, os partidos tradicionais, líderes autoritários como Bolsonaro, entre outros – se concentraram na desqualificação da política. Um tema que sempre atrai os mais despolitizados, entre eles, os jovens de classe média, recém chegados à política, inclusive pela via da condenação ao aumento das passagens de ônibus.

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Que via mais fácil do que a de dizer que todos os políticos e todos os partidos são iguais? O maior pega ladrão, se considerarmos que os que protagonizaram essa pantomima eram os melhores exemplos da pior política e da mais corrupta. Basta dizer que a passagem do Bolsonaro de um político caricato, desprezível, a líder dessa onda, se fazia por meio do melhor exemplo da pior política e da mais corrupta família.

Essa suposta condenação à morte da política terminou, por esse mecanismo sinuoso, desembocando em um governo que pratica a política da morte. Não somente a politica não morreu, como se desdobrou no pior tipo de politica: a que renega a democracia, a que atenta contra os direitos de todos, a que prega a violência como forma de enfrentar os conflitos, a que faz a apologia da ditadura militar e da tortura, a que prega a desaparição dos inimigos.

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Instalou-se um governo que, por distintas vias, é um governo da política da morte. Da morte pela absoluta falta de preocupação para proteger a vida das pessoas da pandemia, com seu negacionismo em relação ao próprio vírus. Que, ao contrário, zomba das formas de isolamento, de uso da máscara, de restrição de circulação das pessoas.

Que não se preocupa, nem tem nenhum tipo de solidariedade com as vítimas da violência policial, que ele incentiva, desqualificando as vítimas exaltando o heroísmo dos verdugos. Pregando o uso da polícia e, se pudesse, das próprias FFAA, de todos os órgãos que fundamentam sua ação na violência e a falta de respeito pelo direito das pessoas.

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Um governo que personifica a morte, a luta contra a vida, foi o resultado da luta contra a política, pela morte da política. De tal forma que a luta pela vida é a luta contra o governo Bolsonaro. E a luta contra o governo Bolsonaro é a luta pela vida.

A democracia requer o resgate da política, como atividade defesa dos interesses públicos, da convivência de diferentes posições e pontos de vista. O fim da política é a ditadura, é a vitória do pensamento único, é a ausência total da diversidade, do debate, da convivência de todos. A luta contra a política desembocou na catástrofe que vivemos no Brasil hoje.

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