Da Belíndia ao Bahaiti. Pobreza, violência e barbárie no Brasil do golpe

No Brasil de Temer e suas reformas regressivas, ricos querem viver como os xeques do Bahrein, enquanto o restante da população depara com cenário aos moldes do Haiti

Presidente Michel Temer durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília. 5/06/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino
Presidente Michel Temer durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília. 5/06/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino (Foto: Marcio Pochmann)


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(originalmente publicado na Rede Brasil Atual)

As forças do golpe que liquidaram o governo eleito democraticamente em 2014 atacam os pobres sem cessar, na expectativa de trazer de voltar à Belíndia, modelo de sociedade da década de 1970 constituído pelos governos autoritários. Mas na realidade, o atual conjunto de reformas conduzidas em meio a mais grave recessão já vivida pelo país aponta para outro modelo de sociedade, o Bahaiti.

O regime militar que predominou por 21 anos no Brasil (1964-1985) não se sustentou apenas no autoritarismo. A garantia do rápido crescimento econômico foi a senha necessária para o apoio político em troca da expansão dos negócios aos capitalistas e da ocupação aos trabalhadores.

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Entretanto, sem democracia, os ganhos econômicos geraram uma das sociedades mais desiguais do mundo, cuja mobilidade social ascendente terminou por esconder anomalias que foram identificadas à época como uma síntese de dois tipos muito diferentes de países: a Belíndia. De uma parte minoritária da sociedade, conformou-se o conjunto de ricos e privilegiados do regime militar com padrão de vida compatível ao da Bélgica.

De outra parte, o conjunto majoritário dos brasileiros esquecidos tanto pela distribuição menos desigual do crescimento econômico como das políticas públicas, cuja dimensão populacional apontou para uma espécie de Índia assentada no baixo padrão de vida. Ademais do atraso, conforme visto pelos moradores da parte “belga”, a parcela considerada “indiana” não fazia parte do orçamento público, salvo pela condição de pagadores dos tributos.

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A transição do autoritarismo para o regime democrático a partir dos anos de 1980 trouxe a perspectiva de superação do modelo de Belíndia para o Brasil. De fato, a Constituição Federal de 1988 introduziu importantes possibilidades de prover a inclusão social, sobretudo para os pobres serem incorporados no orçamento público para além da condição de pagadores dos tributos.  

Nesse sentido, o desfazimento da majoritária parcela social identificada como “indiana” se fez por meio de novas políticas públicas capazes de favorecer o ingresso na parte considerada “belga” da sociedade. Nos anos 2000, por exemplo, o Brasil conseguiu combinar de forma inédita o crescimento econômico com regime democrático e inclusão social, o que significou transformação considerável da sociedade.

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Isso porque nos anos de 1990, a ausência do crescimento econômico terminou por manter a desigualdade social praticamente congelada, mesmo com o inegável avanço democrático. Na década de 1970, lembrando, o crescimento econômico havia sido inegável, porém com a democracia interrompida pela ditadura, o resultado foi a expressiva desigualdade social. 

Desde as eleições presidenciais de 2014, com mais uma derrota de parcela da oposição com dificuldades de conviver com a democracia houve a tentativa do retorno às teses da Belíndia, com o discurso de que o povo (pobre) não cabe no orçamento público. A defesa das políticas de austeridade, com corte certeiro nos gastos públicos, especialmente aos que atendem aos pobres, ganhou entusiasmo também dos representantes da antiga parte considerada “belga” da população.

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A opção do golpe de 2016, com o imediato desmonte das políticas públicas para retirar os pobres do orçamento público em meio a mais grave recessão da economia brasileira, constrói outro modelo de sociedade, distante da Belíndia. O governo Temer e apoiadores de suas políticas neoliberais perseguem o modelo Bahaiti de sociedade, com os ricos satisfeitos pelo novo sistema de castas gerado através da artificialidade do rentismo ou da exportação de riquezas naturais e primárias, como no Bahrein onde o petróleo responde por cerca de 2/3 das exportações e 1/3 do PIB.

Nesse modelo, a maior parcela restante da sociedade é excluída não apenas do orçamento público, mas das oportunidades de ascensão social, tendo que se sujeitar às migalhas da economia dilapidada pela ausência de crescimento e da falsa modernidade das reformas regressivas. O resultado tende a ser a conformação de imenso precariado sem perspectivas, cuja violência e barbárie, como observadas infelizmente no Haiti, passam a ser cada vez mais a essência da reprodução no território brasileiro.

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* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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