Cruel mesóclise

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Brasileiros! (despiciendo o gênero das oriundas da costela de Adão)

Falar-lhes-ei do meu preclaro plano para restituir a ordem natural das cousas no Brasil.

Valer-me-ei, para tanto, das fulguradas lições de pensadores hodiernos, como Gustavo Corção, Plínio Salgado e São Tomás de Aquino.

Meu magno fito, confessar-lhes-ei agora, é, junto com minha intimorata equipe de arianos provectos, restituir a ordem e o progresso à flâmula pátria.

Com respeito à soberania, essa miragem nacionalista démodé, submeter-lha-ei a quem de direito. Nossa diplomacia há de volver ao leito natural de país periférico. Ao Barão da Mooca, insigne e cordato sucessor do Barão do Rio Branco, encarregar-lhe-ei a altiva missão de deitar o país no leito de Procusto das cadeias internacionais de valor, retirando-o dos horríferos gravames da integração regional.

No que tange ao pré-sal, vender-lho-ei a altruístas companhias multinacionais, as quais se encarregarão de livrar a exinanida Petrobras do fardo insustentável de centenas de bilhões de barris de petróleo. O futuro, assegurar-lho-ei no assente e previsível mercado internacional, não na veleidade ideológica da indústria nacional.

Àqueles que vicejam no banquete ocioso do Bolsa Família, lembrar-lhos-ei do doce e certeiro apotegma inscrito nos ordeiros campos de trabalho do mal compreendido Terceiro Reich: arbeit macht frei. Assim, livrar-lhos-ei dos grilhões estatais impostos por solertes bolivarianos. Soprar-lhes-ei os ares benfazejos da justa meritocracia do mercado de trabalho. Ser-me-ão, tenho certeza, eternamente penhorados por essa segunda Lei Áurea.

Quanto aos investimentos em serviços públicos, sustentados por níveis escandinavos de dispêndio, que alimentam até as bocas alienígenas de esculápios marxistas, reduzir-lhos-ei implacavelmente mediante a medida, inédita no mundo, de congelar, sine die, as despesas primárias do governo.

Tal como meu percuciente ministro da Saúde, aconselhar-vos-ei a aderir a planos de saúde privados, que têm preços módicos e eficiência ratificada pelo PROCON e pela ANVISA.

Aos anciãos, aconselhar-lhos-ei a lhana gentileza de não viverem demasiado, de modo a evitar gastos nímios e insustentáveis com aposentadorias e pensões, as quais serão de qualquer forma reduzidas, pois almejo desvinculá-las do salário mínimo, privilégio máximo que será assegurado apenas a quem labuta. Ser-lhes-ei eternamente reconhecido por este sumo gesto de desprendimento cívico.

Aos que dependem das benesses da educação pública, dirijo advertência paternal. Olvidar-se-ão de bolsas, empréstimos e subsídios, já que pretendo reduzi-los, a bem do futuro financeiro do Brasil. Acostumar-se-ão à lide  árdua para custear seus estudos, pois o futuro da educação, como de  todo o resto, jaz na privatização, forma eficiente de excluir gastos e pobres.

Quero levar, no entanto, uma palavra lenitiva aos abnegados rentistas e ao sistema financeiro. Assegurar-lhes-ei magnânimos estipêndios pelos abnegativos empréstimos que fazem ao Estado.

À classe política dirijo gesto de conforto. Empenhar-me-ei para circunscrever molestas perquirições ao PT e outros partidos da sinistra, que serão bodes expiatórios de todos os malefícios do sistema de representação, de modo a que possamos continuar a conciliar com peitas, ouro e dádivas secretas, conforme é desejo da nossa liderança suíça. Afinal, foi com esta precípua finalidade que procedeu-se à derribada da mandatária eleita em pleito liso.

Por derradeiro, contesto a inculpação vil de que preso estou no gelo do Cócito, mais precisamente na Judeca, a fazer companhia a Brutus, a Cássio e ao Iscariote.

Aos que lançam tal vilania, respondo singelamente, com plácida consciência, que fi-lo porque qui-lo. Sem mesóclise, mas com muita ênclise.

Tenho dito.

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