Crônica de uma derrota anunciada
Não ocorreu nada melhor ao PT, diante de uma situação adversa, do que lançar uma candidatura própria na Câmara. Nada poderia aprofundar mais seu isolamento
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(originalmente publicado na Carta Maior)
Uma derrota como essa não se improvisa. É construída com afinco e determinação. E, ao mesmo tempo, é uma derrota anunciada, prevista, mas ao mesmo tempo - para dar-lhe um caráter ainda mais grave -, foi vivida por seus coordenadores sem a consciência do momento e das dimensões do que está em jogo.
Antes de tudo, a derrota de termos um Congresso mais conservador, não apenas na sua composição, mas na perda de alguns dos mais valiosos parlamentares que a esquerda tinha. Resultando, entre outros, a inviabilidade de ser aprovado pelo Congresso qualquer projeto de lei de democratização dos meios de comunicação ou de fim do financiamento privado de campanhas – dois dos temas centrais do país hoje. O Congresso passa a ser um problema, um obstáculo para o aprofundamento da democracia no país.
O PT e a esquerda em geral – veja-se o resultado ruim também do PCdoB – sofreram derrotas pela diminuição das suas bancadas, expressando o isolamento da esquerda no conjunto do eleitorado, correlato à vitória apertada da Dilma.
O clima histérico criado contra o PT, a Dilma, a esquerda, levou ao isolamento político, resultado de muitos erros, mas antes de tudo o de não haver avançado na democratização dos meios de comunicação, o que permitiu a campanha de ódio e o aprofundamento da criminalização da imagem do PT.
Em seguida, o fim do primeiro mandato da Dilma e o vazio que se instaurou, até que o segundo comece a funcionar. Não há vazio na política. As forças conservadoras foram construindo sua hegemonia no Congresso, através de uma candidatura que melhor expressa o que de pior tem o Congresso. Uma aliança do setor de direita do PMDB, - incluindo um forte protagonismo de todos os lobbies que se situam ali-, mais a interminável lista de siglas corporativas, que vivem do que lhes permite a legislação eleitoral: as prebendas das negociações de legenda, de horário eleitoral, de cargos, etc. Estes tinham no candidato da direita à presidência da Câmara um candidato perfeitamente talhado às suas necessidades.
O governo, o PT, viram se articular o candidato da oposição à presidência da Câmara, sem fazer nada. (Era a repetição dos 7 a 1. “Deu um apagão”, diria o diagnóstico dos que não tem diagnóstico. Enquanto apostados ao lado do campo, os dois técnicos campeões do mundo assistiam impassíveis à debacle.)
Mesma atitude do governo e do PT, diante das articulações da candidatura finalmente – e obviamente – vencedora, contra o governo e contra o PT.
Não ocorreu nada melhor ao PT, diante de uma situação tão adversa, do que lançar uma candidatura própria. Nada poderia aprofundar mais seu isolamento e favorecer a vitória da oposição. E não deu outra.
Incapacidade de fazer política, de articular um campo de forças para sair do isolamento, completaram o quadro de uma derrota anunciada e construída tijolo por tijolo num desenho trágico.
A Presidência parecia acreditar que a vitória lhe daria o brinde da lua de mel, de ganhar o poder da iniciativa de forma automática. Como setores da direita extremavam suas posições e atraíam, isolados por sua verbalização sectária, como bois de piranha, a atenção da esquerda, avançava o verdadeiro inimigo, na candidatura opositora à presidência da Câmara.
Foi uma derrota acachapante, mas nada surpreendente, que consolida o isolamento do PT e da esquerda, assim como constrói um novo campo de enfrentamentos para o governo. Não bastasse ter que renegociar com setores do grande empresariado para poder retomar um ciclo de investimentos produtivos e de crescimento da economia, o governo vê o caráter mais conservador do Congresso se expressar numa presidência que vai afrontar o governo de forma mais direta, em temas fundamentais e que vai colocar todas as pedras que possa no funcionamento do governo, na linha estratégica da oposição de inviabilizar o sucesso do segundo mandato da Dilma.
A nova e certamente muito mais qualificada coordenação política do governo chegou atrasada, quando o jogo já estava sendo jogado, tendo que subir uma ladeira íngreme e pouco pôde fazer para reverter um jogo em que, entre o silêncio e a incompetência, estava montada uma derrota anunciada.
Esse conjunto de fatores, - perfeitamente previsíveis se houvesse uma direção política estratégica do governo, do PT, da esquerda -, levou à estrepitosa derrota da eleição para a presidência da Câmara.
Derrota anunciada, mas não inevitável. Se contava com a reeleição da Dilma e com a capacidade de iniciativa e de manobra que isso possibilita. Com a designação – e demora para tomar posse e começar a atuar – de uma boa equipe de coordenação do governo. Se dispunha de um coordenador politico excepcional como o Lula. Se poderia ter montado uma proposta alternativa com aliados e não centrada numa candidatura do PT, a menos indicada num momento de grande isolamento do partido.
Em suma, às condições desfavoráveis, soubemos acrescentar uma grande incompetência de articulação politica, que desembocaram nessa derrota expressiva. E que aprofundam o isolamento do PT e os obstáculos do governo no segundo mandato.
Política é a arte da construção de hegemonia. O verdadeiro nome da governabilidade é hegemonia. Esse objetivo tem que ser o norte do governo, do PT, da esquerda, se querem consolidar e avançar decisivamente, de forma irreversível no extraordinário processo de democratização social, econômica, política e cultural apenas iniciado. Não é mais possível seguir governando empiricamente, de conjuntura em conjuntura, sem uma visão estratégica do que se quer – que tipo de sociedade, que tipo de Estado, que tipo de Brasil.
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