Crise inflacionária no Brasil e no mundo
Jair Bolsonaro carrega uma incompetência muito acima da média histórica dos governos, para lidar com qualquer problema complexo
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Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), em junho, o valor do conjunto dos alimentos básicos aumentou em nove das 17 capitais onde realiza mensalmente a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. Em São Paulo, a capital onde o conjunto dos alimentos básicos apresentou o maior custo, a cesta está custando R$ 777,01. Com base na cesta mais cara, o DIEESE estima que o valor do salário mínimo necessário, em junho, para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.527,67, ou 5,39 vezes o mínimo de R$ 1.212,00.
O problema de inflação alta, não é só brasileiro. A guerra da Ucrânia veio num momento em que a economia mundial já enfrentava a desorganização das cadeias produtivas, e de inflação alta, decorrentes da Covid-19. Os casos inflacionários mais graves são Argentina e Turquia, mas os países ricos também apresentam níveis inflacionários muito elevados para seus padrões históricos, como EUA e Alemanha. A inflação da Alemanha em 12 meses, em maio, chegou a 7,9%, a mais elevada em quase meio século, segundo o Departamento Alemão de Estatísticas (Destatis). A taxa de maio foi a mais elevada desde a Reunificação alemã e também a mais elevada desde a registrada no final de 1973 e início de 1974, com a crise do petróleo. A inflação no país vem subindo a cada mês, a partir do início da guerra, em função basicamente do aumento dos preços da energia, que aumentaram em torno de 40% segundo o Destatis.
O caso da Alemanha, cujo governo foi grande entusiasta das sanções à Rússia, é especialmente dramático. Informações do governo dão conta que o país não tem gás suficiente para passar o inverno sem o fornecimento do produto russo. Segundo o chefe do escritório regulador de eletricidade e gás do país, Klaus Mueller, os tanques de armazenamento estão com 65% cheios, o que não garante o fornecimento durante o inverno, sem o gás russo. Há estimativas que a alta no preço dos combustíveis possa aumentar o preço da energia na Alemanha entre 70% e 200%, num momento em que o outono se aproxima no hemisfério norte, com a inevitável queda da temperatura. Segundo o governo alemão, as importações da Rússia representam cerca de 55% das importações de gás da Alemanha, 50% das importações de carvão e 35% das importações de petróleo. É uma dependência muito grande, que destoa da política hostil do governo Alemão em relação à Rússia, praticada basicamente por subserviência aos interesses imperialistas e beligerantes dos EUA.
Para o combate da inflação, que é um problema mundial, a estratégia adotada pelos países é bastante surrada: elevar juros para conter a demanda, procurando baixar os preços. Esse tipo de medida serve apenas para enriquecer ainda mais os especuladores do sistema financeiro, já que o sistema de distribuição de mercadorias é bastante oligopolizado no mundo. Além disso, não se sabe quanto tempo a guerra ainda durará, havendo o risco, inclusive, de uma eventual generalização do conflito, sempre muito presente nesses casos, especialmente quando envolve petróleo e seus derivados. Mesmo que a guerra acabasse hoje – não há sinais disso - será inevitável que seus efeitos sobre a economia global sigam nos próximos anos.
A inflação não é um instrumento neutro, que prejudique a todos igualmente. Dentre outros aspectos, ela é, essencialmente, um mecanismo de transferência dos efeitos da crise para as costas dos trabalhadores e dos pequenos e médios empresários. Os grandes monopólios, que controlam setores inteiros da economia no mundo, ganham dinheiro com o aumento generalizado de preços. Nós trabalhadores brasileiros (na verdade, latino-americanos, em geral), conhecemos bem o que significa inflação nas alturas. No longo período em que o Brasil conviveu com superinflação, uma das lições aprendidas pelos sindicatos foi a de que não existe mecanismo de indexação salarial que impeça completamente a corrosão dos salários. Com inflação alta, os salários sobem de escada, enquanto os preços sobem de elevador.
Regra geral, quando a inflação ficava praticamente fora de controle, não só o galope inflacionário destruía os salários, como também os planos econômicos para controlar a inflação, cristalizam perdas salariais. Em alguns planos postos em prática, por exemplo, se congelou os preços pelos seus picos, e os salários foram congelados pela média de um determinado período, com perda de salários reais.
O Capital dispõe de mecanismos muito ágeis de correção dos preços, já que o controle de preços ocorre apenas em alguns serviços e bens essenciais, que têm grande influência sobre o conjunto de preços da economia. Por exemplo, petróleo e seus derivados. A inflação está na casa dos dois dígitos, em boa parte em função da política absurda de Preço de Paridade de Importação (PPI), que atrela a variação de preços dos derivados do petróleo à variação internacional do produto e à variação cambial. É evidente que esse mecanismo, além de pressionar preços como um todo, assalta a população brasileira e gera dividendos fabulosos aos especuladores e rentistas, muitos dos quais, mal sabem onde fica o Brasil. Claro, o objetivo da política é este mesmo: colocar a renda petroleira a serviço dos especuladores.
Como mencionado, no Brasil a esmagadora maioria dos preços são “livres”. Num momento em que os indicadores de inflação apontam elevação, os empresários fazem aumentos preventivos, visando se proteger da inflação futura. O Capital, principalmente o grande, que domina setores inteiros da economia, costuma reajustar seus preços preventivamente, visando manter suas margens de lucros. Os trabalhadores por sua vez, não conseguem reajustar seus salários, nem uma vez a cada ano: segundo o DIEESE, 54,5% dos reajustes salariais de maio último ficaram abaixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), não conseguiram nem repor a inflação perdida no período.
Um dos efeitos da guerra na Ucrânia está sendo a alta de preços das matérias-primas no mundo todo, num contexto em que a inflação já estava alta. É inevitável o repasse aos produtos, do aumento de preços internacionais, principalmente nos alimentos e derivados do petróleo. Sob formas variadas o mundo todo já vinha enfrentando antes problemas semelhantes, como a redução da oferta de energia, elevação do preço do frete, falta de componentes para a indústria, e assim por diante. O conflito veio agravar dramaticamente esses problemas.
Apesar das elevadas taxas de desemprego, que costuma jogar água gelada nas mobilizações, a inflação crescente tem encorajado os trabalhadores do setor privado a entrarem em ação. Os aumentos de preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão ocorrendo num momento em que a classe trabalhadora brasileira já perdeu muito e atravessa um brutal ciclo de empobrecimento. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2021: Rendimento de todas as fontes", do IBGE, em 2021 a renda média mensal domiciliar per capita foi de R$ 1.353. Menor valor em dez anos, considerando a série histórica da pesquisa iniciada em 2012, o que revela a tragédia que foi o golpe de 2016.
O custo de vida atual já seria muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não estivesse aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Além disso, é um aumento de preços que é mais forte em alimentos e combustíveis, o que impacta diretamente o orçamento dos trabalhadores que recebem os menores salários. Como o fenômeno inflacionário tem caráter mundial, e o governo Bolsonaro carrega uma incompetência muito acima da média histórica dos governos, para lidar com qualquer problema complexo, a inflação alta tende a dominar as pautas nos próximos meses. Passada a expectativa das eleições, com qualquer resultado, a inflação continuará no centro da agenda. A mobilização dos trabalhadores para recuperar o seu já magro poder de compra, no Brasil e no mundo, tende a engrossar.
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