Crise econômica e superexploração do Trabalho

Na América Latina dependente e no Brasil, a superexploração é praticada pelos capitais que aqui atuam

(Foto: ABR | Joana Berwanger/Sul 21)


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Neste momento vemos no Brasil um debate sobre as dificuldades de continuar pagando o auxílio emergencial, mecanismo fundamental para evitar que milhões de compatriotas passem fome. Críticos da proposta alegam que o pagamento de R$ 600 para os pobres, compromete a “saúde fiscal” do país. O problema é que o país transfere todo ano 5% ou mais do PIB para os especuladores, credores da dívida pública, comprometendo mais de 50% do orçamento federal executado, sem praticamente ouvirmos um pio desses críticos da proposta de um novo Bolsa Família. 

Recentemente Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que foram do governo FHC, todos ligados à fina flor dos especuladores mundiais, lançaram uma carta aberta (em 17.11.22) posicionando-se em relação ao comentário de Lula na COP 27, que criticou duramente os especuladores da Bolsa de Valores e do mercado de câmbio. Na Carta Aberta criticam a fala acima e saem em defesa da “sagrada” responsabilidade fiscal e do teto de gastos. Ou seja, o teor da Carta revela que os banqueiros até aceitam que o futuro governo combata a fome e a pobreza, desde que isso não diminua em um centavo os ganhos que extraem sistematicamente do Brasil, através do sistema de pagamento da dívida pública. 

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A capacidade de apropriação de riqueza por parte desses banqueiros, de extrair todo ano 5% ou mais do PIB brasileiro, lhe garante um privilégio, que permite controlar sistematicamente os processos políticos e, assim, muitas vezes os próprios governos que se revezam no poder. Essa reação dos porta-vozes dos credores revela o grau de pressões que o novo governo já está enfrentando, e que certamente se aprofundarão nos próximos meses. O “jornalismo de guerra”, por exemplo, que tinha dado uma pequena trégua, voltou com toda a força no debate sobre as estatais e o papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

A dívida pública é uma síntese de um sistema de parasitagem que os pobres do país suportam. Manter a maior taxa de juros do planeta e transferir fortunas para os banqueiros todo ano, não tem nada a ver com decisões técnicas. A dívida é um sistema extraordinário de transferência de riqueza para pessoas jurídicas e físicas muito ricas, residentes no país, ou não. Como é um sistema complexo, afeito aos especialistas, a população não entende. Como quem controla tudo é gente ligada aos próprios banqueiros, é um sistema fora do controle das estreitas instâncias democráticas da sociedade. 

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Essa política de parasitagem financeira do país, que funciona como uma bola de ferro monstruosa, que impede o país de atender as grandes necessidades nacionais, se combina à superexploração do Trabalhador no Brasil. É comum o trabalhador operar muitas horas, em um ritmo muito forte, e receber salários irrisórios. A partir destas três formas principais de superexploração, as combinações são as mais variadas. O sistema capitalista procura ocultar a precarização na qual os trabalhadores se encontram, e que é de forma ainda pior nos países subdesenvolvidos: trabalho autônomo, informal, “uberizado”, sem registro, todas essas são formas de aumentar a exploração dos trabalhadores. 

Estes trabalhadores precarizados aparecem como empresários, empreendedores, chefes de si próprios, dando a impressão de que são livres e independentes. Alguns também se sentem empresários e afirmam: “faço meu horário de trabalho como bem entendo”. Tudo isso dá a impressão de que a relação direta capital-trabalho não existe mais. Nos países subdesenvolvidos, e o Brasil é um caso típico, vigora um processo de superexploração, ou seja, uma exploração superior à média dos trabalhadores dos países capitalistas centrais. 

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Como resposta à grande crise capitalista de 1974 foi lançada, alguns anos depois, a política neoliberal, que basicamente significou a destruição de forças produtivas, para tentar retomar os níveis de lucratividade do capital anteriores à crise de 1974.  Ao mesmo tempo, a política neoliberal fez de tudo para rebaixar os níveis de vida das populações do mundo todo e destruir direitos sociais e trabalhistas em escala industrial, tanto no centro quanto na periferia. Esta política já dura mais de 40 anos. 

A crise que o capitalismo está vivendo, como a maioria das crises desse sistema de produção, é de sobre produção, ou seja, de excesso de mercadorias em relação à capacidade de consumo da sociedade. O sistema não consegue manter a lucratividade do capital, com a quantidade de forças produtivas existentes. Torna-se necessário destruir capital para recuperar os níveis de produtividade. Esse tipo de crise decorre de uma contradição central no capitalismo que é de um lado um grande desenvolvimento das forças produtivas e, de outros, relações sociais de produção restritivas, que impedem o pleno desenvolvimento das forças produtivas, baseados na propriedade privada dos meios de produção. 

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A chegada das políticas neoliberais, que são uma resposta à crise, destruiu forças produtivas e as condições de vida das populações. Além disso, ao invés dos gastos do Estado serem destinados a políticas sociais, são voltados a atender as necessidades do capital. Podemos exemplificar com o que foi gasto com bancos pelos governos do mundo todo, na crise de 2007/2008, na qual foram torrados vários trilhões de dólares. 

Como é utilizado dinheiro público para essas operações, ou para pagar os serviços da dívida pública, a sociedade como um todo banca o subsídio público ao capital. O Estado capitalista é para isso: servir aos ricos. Quando é para conceder R$ 600 para o trabalhador não morrer de fome, os governantes ficam se lamentando: “não podemos tornar os trabalhadores preguiçosos, temos que dar a vara de pescar e não o peixe”. No entanto, para o capital não medem esforços, como fica claro, inclusive, nos gastos inaceitáveis com os especuladores da dívida pública.  

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 Um outro problema grave, é que a crise de 1974 levou a um super “excesso” de trabalhadores. Se estima que somente a abertura da China para o ocidente, mais a destruição das economias do Leste Europeu, na década de 1980, tenha disponibilizado para o mercado mundial mais de um bilhão de trabalhadores. Esse processo provocou uma queda brutal dos salários, e um aumento exponencial da exploração do trabalho, e a um retrocesso significativo nas lutas operárias no mundo todo. Além é claro do agravamento da própria crise de sobre produção, já que os trabalhadores, desempregados ou subempregados, perderam capacidade de consumo. 

O imperialismo só tem uma proposta para enfrentar a crise mundial de sobre produção: privatizações, destruição de forças produtivas (tanto na periferia, quanto no centro capitalista), destruição de direitos e elevação dos níveis de exploração da força de trabalho. Como a crise mundial se agravou, tornou-se necessário, para sobrevivência do capital, aumentarem os níveis de exploração da classe trabalhadora no mundo todo. 

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Decorrência das ideias neoliberais surge a ideia do “Estado mínimo”, cuja única função seria manter uma polícia fortemente armada para garantir a propriedade e uma diplomacia para oferecer relações internacionais ao capital. Todo o resto está fora do conceito dos neoliberais. Saúde, educação, emprego, ciência etc. seriam funções para serem desempenhadas pelo “mercado” já que a função do Estado seria apenas assegurar a propriedade por meio das leis cíveis e criminais.

Neste cenário de desindustrialização e superexploração o capitalismo criou uma nova forma de trabalho: a auto superexploração. Este sistema de extrair valor máximo de cada trabalhador, em rede e em larga escala começou nas antigas empresas de vendas como Amway, Mary Kai ou Herbalife. Milhões de pessoas eram obrigadas, de início, a comprarem “kits” para uso pessoal, já garantindo um mínimo de exploração que – por si só – mantinha o sistema de pirâmide funcionando. 

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A mesma lógica atinge os trabalhadores de “aplicativos” hoje. O Uber e outros. Não importa as diferenças de custo do trabalho, o indivíduo é incentivado a se explorar por dez, doze horas ou mais para ganhar um mínimo suficiente para meramente pagar suas contas e sua comida. É o sonho do custo do trabalho igual somente ao custo de reprodução física dos indivíduos. Os lucros seguem para cima da pirâmide. Cada motorista de Uber não se vê um “proletário”, mas “um patrão de si mesmo” porque lhe parece que pode fazer seus horários e ter a sua “liberdade”. Sem organização sindical, e portanto, sem parâmetros históricos para avaliar sua condição, o trabalhador fica sozinho inclusive na análise da sua situação, o que o leva a ilusões de que é um empreendedor, um homem livre, um homem de negócios.

A realidade é que o aplicativo – um entre tantos modelos de acumulação semelhantes – lucra com a sazonalidade e o desespero dos trabalhadores. Usa de oferta de trabalho amador para baixar o valor da hora trabalhada (estudantes, por exemplo, oferecem-se no Uber para “ganhar um extra” apenas) e geram uma superexploração em níveis internacionais, em rede e ininterrupta pois os custos do negócio correm quase na totalidade por conta do trabalhador (gasolina, manutenção, pintura, pneus, imposto etc.). Estes proletários que se super exploram foram ensinados que este é o “correto”. A forma justa de sobrevivência num mundo cão em que “vence” o mais forte. Eles não receberam ferramentas intelectuais para compreender que a exploração que fazem de si para pagarem os aplicativos, os empresários de transportes e todos os outros intermediários é parte do sistema. 

Na América Latina dependente e no Brasil, a superexploração é praticada pelos capitais que aqui atuam, como processo de compensação de sua atuação subordinada na lógica internacional. A superexploração em países como o Brasil decorre de uma intensa violência estrutural contra a maioria da população. As várias formas de superexploração do trabalho, violentas por si só, levam a uma intensa violência contra a população em geral. 

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