Crime em Curitiba: exemplo da sociedade que Bolsonaro quer
"Os curitibanos assistiram dois corpos tombarem, no pior estilo faroeste", relata Marcelo Auler, que opina: "Curitiba, que nos últimos anos se caracterizou como palco da perseguição política da Lava Jato, agora parece se converter no retrato perfeito do Brasil que a família Bolsonaro deseja implantar"
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Por Marcelo Auler em seu blog e para o Jornalistas pela Democraia
Curitiba, que nos últimos anos se caracterizou como palco da perseguição política que o país assistiu a partir das arbitrariedades da Força Tarefa da Lava Jato, agora parece se converter no retrato perfeito do Brasil que a família Bolsonaro deseja implantar ao insistir na liberação da venda de armas e munições sem maiores controles, pregar a violência dissimulada em nome de uma autodefesa e manter a nação em constante estado de beligerância.
Na quinta-feira (11), feriado em que os católicos comemoram o sacramento que transforma pão e vinho no corpo e sangue de Cristo – Corpus Christi – os curitibanos assistiram dois corpos tombarem, no pior estilo faroeste.
Ocorreu em uma loja de conveniência, em um posto de gasolina, em pleno bairro Batel, quase centro da capital paranaense. Um dos endereços mais caros da cidade, onde residem famílias abastadas desde sempre, como a do prefeito Rafael Greca. Região na qual, em tempos de pandemia, há a preocupação singular de especial higienização das ruas arborizadas, em busca da segurança da saúde de seus moradores privilegiados.
Não foi crime cometido no calor dos acontecimentos, fruto de discussão acalorada, ou mesmo de algum excesso de bebida. Mas algo aparentemente premeditado, resultado de emboscada, na qual as vítimas – o advogado Igor Martinho Kalluf, de 40 anos, e seu acompanhante, o garçom desempregado Henrique Mendes Neto, de 38 anos – não foi dada nenhuma possibilidade de defesa, até mesmo pelo fator surpresa.
Henrique, ex-garçom e ex-auxiliar de cozinha levado ao desemprego pela crise econômica, teve a infelicidade de ali estar por que estava em busca de uma oportunidade de trabalho. Acompanhou Kalluf, após acertarem seu trabalho como motoboy no Restaurante Al Dunia, de propriedade do advogado.
Beligerância alimentada pelo presidente
O tamanho absurdo de pistoleiros – um deles sem nem mesmo esconder o rosto – descarregarem mais de dez tiros, durante um pacato final de tarde (18h04), em local como aquele, fez os mais afoitos buscarem explicações para o crime no pesado clima político de perseguições, provocações e embates que o presidente da República alimenta insistentemente no dia a dia do país.
Clima já refletido, na manhã daquele dia, a 850 quilômetros de distância da capital paranaense, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Deu-se quando o engenheiro Henrique da Cunha Osório, extremado defensor do bolsonarismo, sentiu-se no direito de desfazer o protesto organizado pela ONG Rio de Paz na areia de uma das praias mais famosas, a de Copacabana. Um protesto silencioso, mas simbólico. No qual escavaram-se cerca de 100 covas na areia para relembrar as, hoje, mais de 41 mil vidas ceifadas pela pandemia. Relembrar e, ao mesmo tempo, cobrar dos governos maior atenção em prol da população.
Beligerância que, naquela mesma noite voltou a ser defendida pelo presidente ao, de forma irresponsável e possivelmente criminosa, por meio das redes sociais, incentivar populares a invadirem hospitais. Recomendação que começou a ser seguida, ao pé da letra, no Rio de Janeiro (RJ) e tentada em Fortaleza (CE) já no dia seguinte (sexta-feira – 12/06).
Com todo esse clima belicoso que os Bolsonaros provocam, para alguns mais afoitos, soou verossímil que as mortes ocorridas no bairro do Batel resultavam também de disputas políticas. Afinal, antes mesmo que os investigadores da polícia pudessem afirmar que o duplo homicídio qualificado foi motivado por mera negociação de dívida, em algumas redes houve quem relacionasse o crime a supostas questões políticas, dando vazão a fake news – com milhares de compartilhamentos.
Imprudência ajudou a difundir fake news
Kalluf, apesar do feriado, dirigiu-se à loja de conveniência para buscar uma negociação em nome de um cliente que representava. Foi ao local na expectativa de encontrar o empresário Bruno Ramos Caetano, que deve valores ao cliente de Kalluf, que também estava no encontro na loja de conveniência. Este cliente buscava o crédito a que tem direito com Bruno para acertar suas contas comum ouríveres de São Paulo.
O que o advogado certamente não contava é que o empresário Bruno – preso na manhã de sexta-feira como possível mandante do crime – comparecesse ao encontro previamente marcado por mensagens e conversas pelos celulares acompanhado de pistoleiros.
Por desconhecerem isto e deixarem a prudência de lado, alguns apegaram-se rapidamente à interpretação levada às redes sociais com agilidade por um jornalista reconhecidamente defensor de Bolsonaro. Alguém que se beneficia do atual governo, uma vez que sua esposa ocupa cargo no ministério comandado por Damares Alves. Responsável por mensagens – não apenas naquela noite – sem maiores compromissos com a verdade dos fatos, que por isso misturam fatos diversos. Mas que, apesar deste seu passado por si só desabonador, acabam sendo prontamente reproduzidas até por quem teoricamente o critica. Tornam-se inocentes úteis, difundindo falsas versões. Alimentam as redes de fake News.
Na internet não é difícil encontrar o nome de Kalluf em duas notícias crime, de junho de 2019, contra Sérgio Moro (ex-juiz e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro) e os procuradores da Operação Lava Jato – Deltan Dallagnol (coordenador da força-tarefa), Laura Gonçalves Tessler, Carlos Fernando dos Santos Lima (aposentado) e Maurício Gotardo Gerum.
O documento é assinado por 12 advogados, em ordem alfabética, timbrado pelo Coletivo Advogadas e Advogados Pela Democracia, sem que haja qualquer definição do autor da iniciativa. São fatos verídicos. Injustificável é, precipitadamente, buscar nisto a explicação para um crime ocorrido um ano depois, sem maior checagem.
As notícias crime foram apresentadas à Procuradoria Geral da República (PGR) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a partir das revelações feitas, naquele mesmo mês, pela chamada Operação Vazajato, promovida pelo site The Intercept Brasil. Na PGR o caso teve vida curta, foi arquivado logo após ser protocolado. No STJ, o processo só foi interrompido dias antes de Moro deixar o Ministério da Justiça, em abril passado.
Kalluf nunca chegou a fazer parte do núcleo do Coletivo. Tanto assim que não assinou outras das muitas iniciativas deste grupo que reúne advogados de diversos estados. Foi, na verdade, um “associado” naquela iniciativa. Não era, portanto, alguém com participação efetiva nas ações do Coletivo, que já provocou diversas outras reclamações e ações judiciais.
Tentar denunciar a violenta cena de faroeste protagonizada em Curitiba como crime com motivações políticas, porém, não se justifica apenas pela pressa de quem assim deduziu e reproduziu a falsa versão do jornalista bolsominion.
A iniciativa decorre muito do clima político conflituoso alimentado pelo presidente da República. Faz isso tanto ao defender que o povo se arme, como nos constantes incentivos à beligerância junto a seus seguidores. Ou ainda nas suas reações verborrágicas e desrespeitosas aos que pensam diferente dele, de seus filhos e de seus iguais. Independentemente de quem lhes contrarie. Mesmo quando as divergências surgem de outros poderes da República.
Certamente também respaldado nesse clima político de beligerância que muitos se sentem no direito de buscar justiça com as próprias mãos. Ou talvez tomem atitude nitidamente tresloucadas por acreditarem na impunidade. Mais uma vez, respaldando-se no discurso do próprio presidente.
Talvez isso explique o que fez um empresário devedor ir para uma “negociação” financeira acompanhado de pistoleiro. Pistoleiro que sequer se preocupou em esconder seu rosto, ao executar duas pessoas.
Tais fatos demonstram que o autoritarismo, o desrespeito às leis, já se implantaram no país. Muito certamente por serem incentivados pelo atual (des)governo. O que poderá nos levar a outros conflitos e gerar novas vítimas fatais, além das mais de 41 mil que sucumbiram ao pouco caso com que a crise sanitária está sendo tratada.
Já não se trata, portanto, de meras ameaças. Mas sim da implantação de um ambiente de violência ao qual #Juntos, os que somam #70% da população que se opõem a tudo isso, precisam de forma rápida e uníssona darem um #Basta. (Abaixo a Nota divulgada pelo CAAD)
Comunicação Oficial do CAAD – e Nota de Pesar
O CAAD Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, consternado lamenta profundamente o crime bárbaro que ceifou as vidas do colega advogado Igor Martinho Kalluf e de Henrique Mendes Neto, no início da noite de 11/06/2020, em Curitiba, e se solidariza com as famílias e amigos próximos.
As investigações avançam no sentido de elucidar que o crime provavelmente foi encomendado na tentativa do mandante se livrar da cobrança de uma dívida contraída de um cliente do advogado.
Foi, portanto, um crime sem qualquer motivação política, cometido quando a vítima estava no exercício da profissão de advogado e certamente a OAB acompanhará incontinenti as investigações e o devido processo legal.
Frente as incontáveis especulações oportunistas que inundaram as redes sociais a respeito destes bárbaros homicídios, cumpre lembrar que os Coletivos horizontalizados têm membros fixos (orgânicos) e colaboradores eventuais.
Tivemos a honra de contar com a assinatura de Igor Martinho Kalluf, como colaborador eventual, em um dos pedidos oferecidos há cerca de um ano perante a PGR e o STJ, todos arquivados, o que jamais será esquecido pelo Coletivo.
No entanto, os membros do CAAD repudiam veementemente o uso desta ação para levantar suspeitas infundadas, fantasiadas por veículos e pessoas sem qualquer ética ou compromisso com a verdade, e sua reprodução acrítica nas redes, em especial porque lutamos voluntariamente contra tantas graves violações de direitos humanos, denunciadas mundialmente, que só poderão ser solucionados quando a verdade triunfar sobre as fakenews em nosso país.
Seguiremos atuando, com dignidade e independência, na defesa da Democracia e dos Direitos Humanos.
Brasil, 12 de junho do genocídio nacional de 2020.
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