Crescem as ameaças à mídia alternativa e à liberdade de expressão na Argentina
Os fatos evidenciam que a vitória eleitoral do governo Macri se deu graças e em função da concentração do poder midiático do Grupo Magnetto (Clarin), dono do monopólio do Papel Imprensa e de vários meios de comunicação que se opuseram ferozmente à Ley de Medios; todos os canais hegemônicos na Argentina, como a Globo e a Record no Brasil, serviram à campanha eleitoral de mentiras contra o kirchnerismo em 2015
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Como previsível, o governo Macri, em meio à destruição econômica e social a que reduziu o país, entregando-o ao FMI, não poderia deixar de recorrer a uma nova investida do poder hegemônico jurídico-midiático, neste ano eleitoral presidencial, para conter a rebelião social, acelerando medidas de supressão dos direitos democráticos e da liberdade de expressão da mídia opositora e alternativa na Argentina.
O canal televisivo C5N, de enorme audiência na Argentina, conhecido mundialmente pelos seus programas de crítica ao governo de "Cambiemos" (Macri-PRO) sofre uma fatal ameaça de fechamento. Como já informado em outras matérias, este canal privado, democrático, e essencialmente opositor, é um destacado receptor e emissor da voz dos trabalhadores; é de propriedade do Grupo Indalo, cujos donos, Cristóbal López e Fabian de Sousa, se encontram presos por dívidas dessa empresa de comunicação com a Receita federal do Estado (AFIP), e resistem à pressão para vendê-la a uma empresa pró-Macri. Mesmo com seus proprietários presos, e forçado a afastar, no ano passado, jornalistas de renome e porta-vozes de causas sociais, como Roberto Navarro e Victor Hugo Morales, o canal C5N tem continuado na linha de denúncias e resistência, mantendo cerca de 300 trabalhadores de imprensa pagos precariamente, com salários atrasados e à base de quotas, através da cobrança de cheques de publicidades veiculadas (dado que as contas da empresa se encontram embargadas). Esta sentença judicial é como mínimo absurda, sem precedentes num país de off-shore, com 350 bilhões de dólares no exterior (o valor da dívida externa equivale ao PBI e aos off-shores), com 500 empresas incriminadas por evasão fiscal e sem nenhum proprietário preso.
Nesse ínterim, um juiz de primeira instancia comercial Javier Cosentino propôs, como solução, a abertura de uma conta bancária não embargável para pagar exclusivamente o salário dos trabalhadores (câmeras, técnicos, jornalistas, funcionários, etc...). Porém, três juízes da Câmara Nacional de Apelação do Comércio deram sentença a favor do pedido da AFIP contrária à abertura dessa conta, subordinando-se a um ditame ideológico do governo Macri. Leia Nenhuma surpresa para os tempos que correm, onde o Judiciário perdeu sua independência em relação ao Executivo em países como o Brasil e a Argentina, violando inescrupulosamente normas constitucionais.
O fato é que no início deste governo em 2016, o ataque à mídia alternativa e ao jornalismo crítico foi o primeiro lance para calar vozes e garantir a enxurrada de medidas de ajustes que estavam por decretar no âmbito do projeto de "Cambiemos" para a entrega do país ao FMI. Como já escrito tempos atrás, o primeiro golpe foi o midiático, contra a chamada Ley de Medios (que regulava o poder das empresas privadas de comunicação) criado por Cristina Kirchner em 2009, substituindo a Lei de Radiodifusão de 1980 da ditadura cívico-militar.
Desde o início, o governo Macri aboliu o programa 678 da TV Pública (seguido de contínuas demissões e esvaziamentos ideológicos), o programa infantil Paka-Paka, o Futebol para Todos, excluiu o sinal aberto da Telesul, iniciou a perseguição a jornalistas da Rádio Nacional e Rádio Del Plata, ataque ao jornal Tiempo Argentino, a prisão dos proprietários de C5N, e demitiu massivamente, no ano passado, trabalhadores da TELAM (Agência estatal de notícias). Os fatos evidenciam que a vitória eleitoral do governo Macri se deu graças e em função da concentração do poder midiático do Grupo Magnetto (Clarin), dono do monopólio do Papel Imprensa e de vários meios de comunicação que se opuseram ferozmente à Ley de Medios; todos os canais hegemônicos na Argentina, como a Globo e a Record no Brasil, serviram à campanha eleitoral de mentiras contra o kirchnerismo em 2015.
O Canal C5N é praticamente o único sobrevivente dos canais de TV, imprescindível para levar a verdade dos fatos, a crítica e o debate sobre a situação social na Argentina atual. Esta não é uma propaganda do canal. É uma defesa objetiva da liberdade de imprensa e de expressão, e da informação verdadeira; de um meio de comunicação que serve ao povo, para suprir o vazio deixado pelo desmonte da TV Pública. É a única janela que resta aos argentinos para exibir todas as manifestações populares, críticas ao governo Macri, inaugurando o ano com "barulhaços" semanais de norte a sul do país, sem data de vencimento, contra os aumentos impagáveis das tarifas de luz e gás; contra a realidade assustadora, fruto de 128 mil postos de trabalho registrados perdidos, 900 empresas falidas, 47,6% de inflação, universidades e escolas fechadas, ministérios de trabalho e saúde em extinção. Fechar essa TV é inviabilizar e reprimir a voz de um povo empobrecido que não chega ao fim de mês, dos sem tetos das periferias, dos anciãos revolvendo latas de lixo; é induzir mais suicídios, femicídios, assaltos, produtos do mal estar social rumo ao fundo do poço, como na Grécia atual. Trata-se de um canal com amplo espectro de debate entre políticos, sindicalistas, intelectuais e dirigentes sociais, sem excluir expressões governistas. Após a retirada do ar da Telesul (que visibilizava o mundo e a realidade venezuelana), sobrou C5N como meio de informação objetiva sobre Venezuela e seu presidente constitucional Maduro, e sobre o Brasil das injustiças com Lula preso. Tudo isso, graças ao esforço de mais de 300 trabalhadores e jornalistas corajosos do C5N que, no imediato, estão ameaçados de não poder manter seu emprego e sustentar suas famílias.
O fechamento deste canal de TV pode afetar sobretudo o extrato social que não se informa por celular (WhatsApp e facebook): os anciãos e donas de casa, para os quais a TV, como a rádio, são um fundamental meio de comunicação. Ocultar-lhes os protestos de praça contra os cortes previdenciários, servirá a mantê-los no engodo e passividade ao macrismo, que encontrou nos anciãos uma certa base eleitoral em 2015. Mas as reações a esta perseguição ao C5N já estão somando-se aos protestos semanais dos "barulhaços" e estarão presentes, amanhã, num ato dos sindicatos e trabalhadores diante da Câmara Nacional de Apelações no Comércio.
Porque este ataque agora?
Importante evidenciar que esta nova ameaça a C5N ocorre no início de um ano eleitoral em que se abre a possibilidade do retorno da senadora e ex-presidenta Cristina Kirchner, possível e preferencial candidata presidencial nas estatísticas, e em condições de derrotar "Cambiemos", se uma ampla frente unitária opositora se realizar. As eleições se darão num contexto de uma rebelião social profunda numa Argentina. Macri, tendo por um lado uma desaprovação popular beirando os 65%, e o FMI e credores internacionais exigindo garantias para o pagamento da dívida externa (308 bilhões de dólares) por outro, jogará todas as cartas do poder judicial-midiático para impor a continuidade deste projeto econômico, apoiando-se na onda neoliberal-fascista na América Latina, concentrado hoje no ataque à Venezuela. Guaidó, o auto-proclamado presidente, chama Macri para um encontro bilateral. Mas aqui os movimentos sociais não estão parados. Em duas semanas houve três atos de solidariedade ao presidente Maduro diante da embaixada venezuelana.
A estratégia do projeto neo-liberal é calar a mídia opositora porque seus promotores se desiquilibram como numa bolsa indisfarçável de gatos ferozes. Nesta semana revelou-se um escândalo de corrupção de um promotor, Stornelli, coadjuvante do famoso juiz Bonadio (o Moro argentino, perseguidor de Cristina Kirchner) da causa dos “Cadernos” (a Lava Jato argentina). O renomado jornalista investigativo Horácio Verbitsky revela através do seu portal Cohete a la luna um escândalo sobre a mega-extorsão realizada por Stornelli a empresários acusados na causa dos“Cadernos”, em troca da sua libertação. Diga-se de passagem, notícias como essa, estão fora da pauta da mídia hegemônica. São difundidas somente por C5N, pelo jornal Página 12, Tiempo Argentino, e pelo blog do jornalista Roberto Navarro. Este, entrevistou Lula no Brasil (2017), que lhe aconselhou criar um blog independente, financiado por trabalhadores, porque a guerra do poder hegemônico midiático seria pesada. E assim o fez, incluindo uma TV on-line: www.ElDestapeweb.com
O tema é tão grave e se soma às irregulares pressões dos juízes sobre os "arrependidos" (delatores premiados) para inventar acusações contra Cristina Kirchner, desde quando os "Cadernos" apareceram. As acusações judiciais baseadas em falsidades desse teor, sim, são capa de jornais como Clarin e La Nación e da maioria das TVs, sobretudo em momentos como este, em que está chegando a Comissão de técnicos do FMI para controlar se suas metas de ajustes estão sendo cumpridas pelo governo Macri. É como se lhes dissessem: "não se preocupem, digam à Christine Lagarde que estamos atuando para impedir a Cristina Kirchner nas eleições! Daremos um curto circuito no C5N!".
Não resta dúvida de que a questão comunicacional é fundamental, numa época em que fakenews colocam e desfazem governos; opor-se a qualquer nova medida que impeça o direito de expressão é vital para garantir a recuperação da democracia e impedir novas derrotas. Não se pode prescindir da simbiose entre a mobilização do povo na rua e a mídia democrática e popular que a acompanha. Nessa linha vai a importância de reconhecer nestes momentos duros no Brasil o papel das rádios e TVs comunitárias, das TVs on-line, o Brasil247 e a atuação persistente de vários jornalistas dos Blogs democráticos e da esquerda brasileira. Solidariedade com os trabalhadores do C5N.
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