Cravos com espinhos
A par da inteligência e do fino acabamento, "Cravos" é um elogio da sinceridade e um testemunho da vocação da arte para contornar os desacordos da vida
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Uma família unida pela arte e desunida pela vida é o que vemos no documentário Cravos. Em foco, a dinastia iniciada pelo artista plástico Mário Cravo Jr. (1923-2018), um dos ícones maiores da arte baiana no século XX, e continuada por três fotógrafos: seu filho, Mário Cravo Neto (1947-2009), e os netos Christian Cravo e Akira Cravo. A relação entre pais e filhos é o eixo expositivo do filme.
O fio condutor são as viagens de Christian pela África, fotografando elefantes, girafas, hipopótamos e chimpanzés. Sempre que possível, o documentário estabelece conexões entre animais e humanos no que diz respeito às políticas da família. Os conflitos com o pai turbulento e com o avô patriarcal dominam a consciência do ponderado Christian, que preferiu romper com a tradição baiana dos seus ascendentes e partir para as expedições fotográficas africanas.
Muito do que percebemos desse tenso retrato de família foi captado em gravações domésticas, na maioria de pais filmando filhos e vice-versa. O material deixa entrever espontaneamente a carga de eletricidade que rolava entre os parentes, ao mesmo tempo que o olhar de artistas os aproximava no trato com as formas e as imagens. Os Cravos são intrigantes como plantas belas e cheias de espinhos.
A beleza de tudo é replicada nas filmagens conduzidas por Marco del Fiol (direção e fotografia). A exemplo do que já vimos em Espaço Além: Marina Abramović e o Brasil, del Fiol se associa aos personagens para fazer jus ao que eles produzem de mais fascinante. A documentação dos périplos de Christian Cravo pelas savanas da Tanzânia, as selvas de Uganda e o deserto da Namíbia gera imagens esplêndidas, que rivalizam com as do fotógrafo.
O filme resulta num texto audiovisual de grande inteligência e fino acabamento. Mas o que o torna ainda mais deslumbrante é a perícia com que costura uma narrativa coesa através das três gerações dos Cravos. Não se trata de uma elegia a artistas geniais, daquelas que camuflam tudo o que possa perturbar a louvação. Cravosé, antes, um elogio da sinceridade e um testemunho da vocação da arte para contornar os desacordos da vida.
>> Cravos está no Now, Vivo Play e Oi Play.
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