COVID19: das colônias, aos feudos, à escravidão até ao agronegócio

O problema vai muito além do simples fato de achar um único culpado e assim, atentar de forma preconceituosa contra uma potência que confronta o imperialismo capitalista estadunidense. Mais do que um bode expiatório, a culpa é do sistema capitalista e seu mecanismo predatório, incluindo principalmente o agronegócio



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Logo na introdução do livro “A História e suas epidemias — A convivência do homem com os micro-organismos”, o autor Stefan Cunha Ujvari traz alguns dados interessantes sobre algumas epidemias e sua função no processo de desenvolvimento da humanidade.

No final do período Medieval (1347-1348), a peste bubônica foi responsável pela morte de um terço da população da Europa. Doenças também foram trazidas pelos colonizadores, dizimando populações nativas e indígenas. desde o século do “descobrimento” até o fim da escravidão, estima-se que três milhões de índios tenham sido exterminados pelas doenças infecciosas que os europeus trouxeram ao Brasil, o que abriu espaço para o tráfico de escravos africanos. Doenças como varíola, rubéola, varicela e sarampo foram algumas dessas doenças letais. Com a ascensão da escravidão, os negros africanos traziam mais do que a mão de obra barata: febre amarela e malária.

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Antigamente as doenças, epidemias e até pandemias, ocorriam por falta de conhecimento e extrema pobreza. Hoje a miséria é ainda um entrave, mas a busca pela riqueza e a degradante ganância do capitalismo são fatores preponderantes para elas.

Atualmente, versões conspiratórias, têm culpado a China por toda desgraça mundial da pandemia – incluindo o chanceler (sic) brasileiro Ernesto Araújo, que insiste na falaciosa ideia do “comunavírus”, aumentando ainda mais a vergonha de nosso país. Mesmo que estudo científicos já tenham provado que o vírus não foi criado em laboratório, parte da população ainda acredita nisso e tende a disseminar falsas acusações, refletindo diretamente no comportamento agressivo e preconceituoso contra chineses – a chamada sinofobia. Por outro lado, devemos sim alertar para um aspecto comum em algumas províncias deste país, como em Guangdong, no sudeste da China, e que pode ter sido o local inicial da doença: o consumo de carnes exóticas de animais silvestres.

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No entanto, conforme já escrevi em um primeiro artigo sobre o coronavírus, esse tipo de mercado tem perdido espaço para os supermercados, e os que sobrevivem estão restritos a pequenas províncias.

Mas antes que digam “eu sabia! Culpa dos chineses”, lembrem-se que esse tipo de comércio, chamado wet Market, não é exclusivo da China, ok? Em vários países ele é adotado apesar dos protestos e mobilizações para acabarem – seja pelo sofrimento causado aos animais, acondicionados em situações inóspitas e degradantes, seja pelo risco de contaminação alimentar e transmissão de zoonoses.

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Em Nova Iorque, por exemplo, estão presentes 80 desses mercados - que vendem animais vivos ao público e os abatem no local. Para isso, ficam confinados em gaiolas, todas empilhadas, próximos ao público. Piorando a situação, os dejetos, penas, sangue presentes são transportados indiretamente pelos frequentadores do local através de seus sapatos, por exemplo, para outras localidades. Assim, se algum agente patogênico estiver presente, a dispersão é muito rápida e eficiente.

Em um trecho do livro “Pandemias: a humanidade em risco”, a situação descrita é impressionante e mostra o que acontecem nesses locais:

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Em novembro de 2002, os restaurantes de Guangdong acomodavam gaiolas e mantinham cercas nos fundos. Animais separados por espécies aguardavam o momento do sacrifício para suprir o paladar dos chineses. Os empregados dos restaurantes acolhiam os pedidos dos clientes. Os cozinheiros caminhavam aos bastidores das cozinhas e apanhavam as espécies animais dos pedidos. Com habilidade, pegavam cobras, patos, gansos, pangolins, lagartos, ratos e tartarugas. Para segurar os civetas estressados e agressivos, necessitavam de luvas apropriadas para proteção contra mordidas e arranhões. O animal era então sacrificado, destrinchado e cozido. (...) É fácil imaginar como ocorreram os primeiros casos da infecção humana pelo novo vírus em meados de novembro de 2002. As cozinhas desses restaurantes ficavam atapetadas de fezes, urina, sangue e secreções dos civetas abatidos. Os vírus repousavam nesses líquidos dispersos no solo. A pele dos trabalhadores, principalmente a das mãos, eram envernizadas com líquidos e secreções animais portadoras do novo vírus. Levar as mãos contaminadas aos olhos, nariz ou boca era o suficiente para a infecção. A limpeza do piso com vassouras dispersava uma poeira venenosa, inalada pelos funcionários. O vírus alcançava as mucosas respiratórias e o pulmão”.

No entanto, a relação das doenças não se restringe apenas aos animais exóticos. Vale lembrar que outras pandemias mortais como a gripe aviária, gripe suína, SARS, HIV, febre aftosa surgiram exatamente da captura e/ou criação de animais como alimento, através do sistema de produção do agronegócio industrializado e sua extensão territorial. Assim, a comercialização e alimentação de animais silvestres, associadas com a predação dos latifúndios, acarretando avanço sobre seus habitats naturais, têm sido apontados como um dos responsáveis pelo surgimento dessas pandemias.

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Culpa da agropecuária também foi o surgimento da “doença da vaca louca” – encefalopatia espongiforme bovina – em 1986. Alterando totalmente a dinâmica alimentar, visando maior produção e crescimento, o homem passa a introduzir na alimentação do gado (totalmente herbívoro), proteína de origem animal, o que permitiu a transferência do príon – pedaço de proteína que infecta o tecido nervoso do animal. Posteriormente, por conta de uma possível mutação nessa proteína, novo príon surgiu, sendo patogênico e letal também ao ser humano. Com essa descoberta, rebanhos inteiros foram sacrificados ao redor do mundo, e o mercado de carne apresentou restrições comerciais severas. Curiosamente, pouco se sabe se tais medidas deram certo, o que levará certo tempo para que tenhamos uma resposta positiva ou não.

Paralelamente, a saúde das pessoas é debilitada pelo uso cada vez maior de transgênicos e os agrotóxicos desse tipo de produção. Sem falar também do uso constante de antibióticos nos animais, o que pode promover a contaminação não apenas do alimento, mas do ambiente e de bactérias presentes neste, favorecendo o surgimento das chamadas “superbactérias”. A miséria e a fome, proporcionadas pela desigualdade gerada pelo capitalismo, são outros fatores que colocam a grande maioria da população mundial em alerta, pois debilitam o organismo, tornando-o incapaz de responder às doenças.

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(Em tempo 1: sugiro a leitura dos artigos “A Monsanto não mata. Deixa doente para a Bayer tentar te salvar!” e “Os casos envolvendo a Monsanto e outras corporações”)

Isso sem falar, é claro, nas epidemias como a dengue, febre amarela, zyka, chikungunya, transmitidas por insetos que passaram a ter relação sinantrópica devido ao avanço das cidades e consequente destruição das áreas verdes.

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Em 1999, para citar um exemplo, Nova Iorque sofreu uma epidemia da então inédita “doença do oeste do Nilo”, cujo vírus foi encontrado em milhares de aves – principalmente em corvos – que eram  hospedeiras do patógeno e muito provavelmente chegou até o país pelo tráfico de animais, assim como o tráfego legal de alguns (segundo levantamento de Ujvari, “Em 1999, 2.770 aves entraram nos Estados Unidos pelo Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York; além disso, mais 12.931 desses animais estiveram em trânsito pelo mesmo aeroporto, seguindo destinos variados. Não se sabe em quanto pode aumentar o número total de aves introduzidas no país ao se considerar a quantidade das que foram comercializadas ilegalmente”). Até o final do século XX, dezoito estados norte-americanos já haviam registrado a ocorrência da doença.

(Em tempo 2: Com o avanço do aquecimento global, doenças transmitidas por insetos serão cada vez mais frequentes inclusive em locais onde não existiam, uma vez que o calor e a ocorrência de chuvas favorecem o ciclo reprodutor desses animais).

Sendo assim, o problema vai muito além do simples fato de achar um único culpado e assim, atentar de forma preconceituosa contra uma potência que confronta o imperialismo capitalista estadunidense. Mais do que um bode expiatório, a culpa é do sistema capitalista e seu mecanismo predatório, incluindo principalmente o agronegócio.

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