Contra a negação, conta a negra ação

É preciso reconstruir a história do povo negro no Brasil e mostrar que a sua ascendência está no continente africano e não na senzala



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O povo hebreu, além de escravizar, também foi escravizado. Na Bíblia, aliás, as palavras escravo e escravidão são repetidas à exaustão.

Escravos existiam no Egito, na Babilônia, em Roma, na Grécia... por mais de 10 mil anos, a escravidão existiu no mundo: brancos escravizando brancos, negros escravizando negros, amarelos escravizando amarelos etc.

Os incas, os maias e os astecas também tinham escravos.

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No entanto, a escravidão, essa abjeta prática social em que um ser humano adquire direitos sobre o outro e faz dele uma mercadoria ou uma ferramenta de trabalho, ficou impregnada como definição de ascendência ao povo negro no Brasil.

Os judeus, como se sabe, foram escravizados por vários povos e durante vários séculos. São eles mesmos quem dizem isso. Nenhum povo no mundo foi tão submetido à escravidão como o povo judeu.

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No entanto, os descendentes de Abraão, libertos por Moisés, não são descritos, denominados, como descendentes de escravos.

A eles, aliás, ao povo judeu, foi dado o direito de (re)escrever a sua história e dar a sua própria versão dos fatos, inclusive de distorcê-los a seu favor, como de hábito.

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Como a rigor sempre fizeram os brancos, que também já foram escravizados!

Mas então, por que o povo negro ainda carrega consigo a imagem da escravidão, as marcas da chibata, a senha para a humilhação?

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Porque a lei federal 10.639, que determina o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, não é cumprida!

Perpetuar a imagem do incapaz, do fleumático, do insolente, do fujão, do negro que entrega o outro negro à escravidão, é a forma de legitimar o tiro na nuca, o baculejo por precaução, o sufocamento em sacos plásticos, os desaparecimentos amarildos, a negação do emprego, da escola, do futuro.

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A história das civilizações africanas é desconhecida dos brasileiros em geral e dos pretos brasileiros em particular que, sem referências de origem, caem nas armadilhas estereotipadas e reducionistas que caricaturam pejorativamente os povos africanos.

Não podemos esquecer a escravidão, porque ela é um marco na história do negro no Brasil, um horrendo rito de chegada; mas também não podemos ocultar que ela não é A história do povo negro, é um capítulo.

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A mudança do eixo "descendentes de escravos" para "descendentes de pessoas que foram escravizadas", como é uso corrente nos movimentos negros organizados, já traz consigo uma grande força simbólica, pois mostra que esse povo existia antes da escravidão e que ele não se escravizou, foi escravizado.

E merecem reparação pelo dano material, cultural, histórico e espiritual que sofreram. Por que da mesma maneira que sabemos quem foi escravizado, sabemos quem escravizou. Citando Boaventura: "Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize."

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Portanto, tão importante como afirmar a escravidão é reafirmar a história do negro antes da escravidão.

Quando os estadunidenses se dizem afro-descententes, eles pontuam que sua ascendência está no continente africano e não nas plantações de algodão dos Estados Unidos.

E isso tem uma grande força simbólica.

No videoclipe Remember the Time, Michael Jackson - ao lado de Magic Johnson, Eddie Murphy e Naomi Campbell -, mostra o Egito negro. O negro precisa se lembrar dos faraós negros, das civilizações africanas, dos impérios de Gana, do Mali, Wolof etc. É uma questão de orgulho, de nobreza.

Egito Negro deveria ser um pleonasmo, pois a própria palavra egipto significa negro. No entanto, para a grande maioria, Egito Negro é um oxímoro.

Que o diga o antropólogo e historiador senegalês Cheikh Anta Diop, que enfrentou a fúria da academia europeia quando propôs o reconhecimento oficial - a canonização, como diria o professor Flavio Kothe -, do Egito Negro.

Séculos antes do Cristo, todos o sabemos, a civilização egípcia foi exímia em artes, literatura, astronomia, agricultura, medicina... ufa, é coisa demais para eles serem negros.

A mentalidade do negro incapaz e inferior intelectualmente foi difundida pela desonestidade intelectual de nomes como Buffon, Voltaire, Diderot, Gobineau entre outros tantos.

Porém, contra a negação conta a negra ação.

É preciso reconstruir a história do povo negro no Brasil e mostrar que a sua ascendência está no continente africano e não na senzala.

Se aos negros não forem dadas as condições de apresentarem sua versão dos fatos, de forma oficial, no jardim de infância, nas escolas e no doutorado, a percepção do escravo permanecerá.

Os judeus que voltaram a Israel se dizem descendentes de Abraão, e assim são vistos e descritos.

Os negros brasileiros, libertos por Zumbi (e não por Isabel) ainda são vistos como descendentes de escravos!

Com mil diabos!

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