Constituinte exclusiva para reforma política: PT põe as cartas na mesa
É disso o que necessitamos. Voltar a acreditar que fazer política é saudável e que políticos podem ser homens e mulheres de valor e importantes para os destinos do país e a consolidação da democracia
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A aprovação pela Executiva do PT das diretrizes do programa de governo da campanha da presidenta Dilma nas próximas eleições foi uma demonstração de coragem e maturidade política de extrema importância para o país. Os demais partidos deveriam fazer o mesmo. Onde estão suas propostas concretas?
É importante lembrar que uma vez definidas as diretrizes elas agora serão discutidas com os partidos da coalizão petista, forçando uma tomada de posição destas agremiações diante do eleitorado, antes das eleições. As alianças passarão a ter um caráter mais programático do que fisiológico.
A inclusão de dois pontos programáticos em particular me deixaram feliz, pelo fato de há cerca de três anos eu defender estas mesmas teses: a convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política; e o julgamento fora da Lei de Anistia dos crimes praticados por agentes do Estado durante a ditadura militar no país.
Necessitamos voltar a acreditar que o Estado nos defende e as instituições como um todo vão agir sempre na defesa do cidadão e não contra ele, como ocorreu nos casos de desaparecimentos, assassinatos e ocultação de cadáveres no período da ditadura Daí a importância de revermos estes casos. Para que não se acredite que fatos assim podem ocorrer novamente e ficar impunes.
Nenhum tipo de violência deve ficar impune. Em artigo recente denominado Orfãos do Talvez e do Quem Sabe, expliquei como as cortes internacionais de direitos humanos consideram que os crimes de terrorismo de Estado vividos por presos políticos no Brasil não são passíveis de anistia.
Há quatro anos, ao examinar o caso Gomes Lund versus Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o governo investigue penalmente os fatos por meio da Justiça ordinária e puna os responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas, ocorrido entre 1972 e 1974 – período da Guerrilha do Araguaia no país.
Guilherme Gomes Lund, desaparecido em 1973, com 26 anos, depois da intervenção do Exército na região, é apenas um entre centenas de jovens assassinados durante os 21 anos de ditadura militar no Brasil.
Por que razão a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso Gomes Lund? A resposta é simples. A razão foi dada pelo STF quando se baseou na Lei de Anistia para impedir o julgamento e a punição dos responsáveis pelas mortes dos 62 guerrilheiros e o ocultamento de seus cadáveres, fatos até hoje envoltos em neblina, resultando na impunidade dos culpados, e na indignação de familiares e da sociedade como um todo.
Ao condenar o Brasil, a Corte Interamericana evidenciou que a Justiça no Brasil não forneceu mecanismos efetivos para uma total reparação às vítimas da ditadura militar, não levando a um Direito à Verdade ou a um Direito à Justiça reais.
As cortes internacionais de direitos humanos reconhecem atualmente que os crimes de tortura, assassinatos e desaparecimento forçado, como os vividos por presos políticos no Brasil e em vários países latino americanos, se incluem na categoria de crimes de terrorismo do Estado. Desde o julgamento dos criminosos nazistas pelo Tribunal Internacional de Nuremberg, em 1945, estes crimes são qualificados como de lesa-humanidade, e, portanto, não passíveis de anistia e prescrição.
A lei de anistia de 1979 no Brasil, resultado de um pacto entre as Forças Armadas e os grupos que exerciam a soberania antes do golpe de Estado de 1964 – ou seja, os titulares do poder econômico privado e os agentes políticos conservadores – objetivou garantir a impunidade dos responsáveis pelos crimes de terrorismo de Estado durante o regime de exceção. E assim foi.
A situação política na América Latina, no entanto, evoluiu nos últimos 35 anos e felizmente já não mais enfrentamos realidades onde ditadores militares na defesa dos interesses das elites nacionais e internacionais, derrubavam governos eleitos democraticamente com o apoio das forças armadas norte americanas, se necessário fosse.
A real Justiça para os crimes da ditadura deve ser feita como fizeram os demais paises sul americanos, desconsiderando a abrangência da Lei de Anistia sobre eles, e realizando seus julgamentos por meio da Justiça comum.
As cortes superiores de países como Peru, Colômbia, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai, instauraram nos últimos anos processos que julgaram e condenaram militares e civis responsáveis por prisões e mortes violentas de opositores, reconhecendo que nestes casos, como pregam as convenções internacionais, as leis de anistia existentes naqueles países não se aplicavam .
A sentença imposta ao Brasil no Caso Gomes Lund afirma que “a Corte Interamericana considera que a forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil (...) afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana; violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o artigo 1.1 da Convenção.
Suas excelências os ministros do STF parecem ignorar parte da sentença onde se afirma que “ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações continuadas e permanentes, como os desaparecimentos forçados, o Estado brasileiro descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno, consagrada no artigo 2 da Convenção Americana.”
Ao condenar o Brasil, portanto, a Corte indica o caminho a ser seguido para que a justiça e a verdade sejam garantidas em face dos crimes cometidos contra os direitos humanos pela ditadura militar quando da Guerrilha do Araguaia.
Pelo menos uma das importantes determinações contidas na sentença da Corte Interamericana contra o Brasil a respeito das violações de direitos humano no país foi cumprida: a instalação de uma Comissão da Verdade.
Sua atuação tem sido inestimável. Por meio dela muitos fatos obscuros estão sendo esclarecidos, a exemplo da morte do ex-deputado Rubens Paiva, da prisão do estudante Honestino Guimarães para citar apenas duas das mais recentes elucidações.
No entanto, muitas outras determinacões da Corte Interamericana ainda se encontram apenas no papel, dentre elas a principal: a adequacão da Lei de Anistia brasileira ao Direito interno e às Convencões internacionais. Daí a oportuna proposta do PT neste momento.
Se tantos anos depois ainda existem filhos, mães e pais sem túmulos, “orfãos do talvez e do quem sabe“, (como disse certa vez o líder da oposição do governo Geisel, deputado Alencar Furtado) é porque algo deve ser feito.
O povo brasileiro não é estúpido. Sabe que não podemos igualar os direitos daqueles brasileiros que resistiam ao regime ditatorial, lutando por liberdades democráticas, pelo direito de expressão, de greve e de emprego, com os direitos de agentes civis e militares que, em nome do Estado, invadiram lares, locais de trabalho, sindicatos e universidades, prenderam, torturaram, mataram e fizeram desaparecer os restos mortais de centenas de pessoas.
Já levantada por mim anteriormente em mais de um artigo, defendo também a idéia de uma Constituinte exclusiva para a reforma política como única saída para a verdadeira anarquia na qual nos encontramos. Nenhuma democracia se sustenta com a existência de tantas agremiações, que funcionam mais como cabides de emprego do que como partidos políticos com programas definidos a serem cumpridos e aperfeiçoados.
A convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política, deveria ocorrer de forma diversa da de 1986. Após 20 meses ela estava pronta mas os deputados eleitos cumpriram integralmente o mandato de quatro anos e muitos deles se reelegeram para a próxima legislatura.
Hoje, deveria ser formada por um grupo de pessoas eleitas com a finalidade única de votar o texto da reforma constitucional proposta e ser extinto ao final dos trabalhos. Seus participantes por força de lei deveriam ser impedidos de se candidatarem a cargos políticos nas próximas eleições.
Desta forma, ao votar a Constituição um cidadão, seja ele advogado, médico, operário, ou dona de casa, visaria apenas o bem comum e não o interesse de grupos ou indivíduos. Votaria a Constituição de acordo com seus conhecimentos e sua consciência, e voltaria para casa. Não há ninguém pior para fazer uma Constituição do que aqueles com interesses nos resultados.
A juventude e uma parte do povo brasileiro menospreza os partidos políticos e não vê neles o que deveriam ver se realmente funcionassem como tal: agremiações onde se aprende sobre a história do país, a importância do social, do coletivo, a ética e a gestão do bem público. Onde, em última instância, se formam lideranças políticas para o futuro da Nação.
É disso o que necessitamos. Voltar a acreditar que fazer política é saudável e que políticos podem ser homens e mulheres de valor e importantes para os destinos do país e a consolidação da democracia. Voltar também a acreditar no Estado e nas instituições, na certeza de que tomarão medidas sempre em nossa defesa e não contra nós.
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