Consequências do avanço dos Brics

A única saída para que o Brasil quebre as cadeias de um estrangulamento econômico é romper com o FMI, e buscar aderir ao BRICS

Dilma Rousseff, presidente dos Brics
Dilma Rousseff, presidente dos Brics (Foto: Fernando Donasci)


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Escrevi no fim do ano passado um livro, “A Economia Brasileira Como Ela É”, rememorando quatro décadas de subordinação do Brasil a políticas do Fundo Monetário Internacional. Foram anos trágicos para a sociedade brasileira. Regredimos em quase todos os campos, exceto por alguns avanços conjunturais na área social nos governos do PT. Mas não se criaram, mesmo nesse período, fundamentos permanentes para a política social e a infraestrutura econômica. Com isso, o governo Bolsonaro ficou com as mãos livres para radicalizar nas políticas regressivas do neoliberalismo. 

Por coincidência, meses atrás, o governo argentino tomou a iniciativa que aponto, no livro, como única saída para que o Brasil quebre as cadeias de um estrangulamento econômico de fundo essencialmente ideológico: rompeu com o FMI, e busca aderir ao BRICS. É uma virada histórica, que poderá arrastar para um destino de retomada para a prosperidade toda a América Latina. Para o Brasil poderá ser um momento fantástico, a despeito da regressão de Bolsonaro e Guedes, pois as condições internacionais também nos empurram para uma ruptura com as ideias anacrônicas do FMI.

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É que a guerra na Ucrânia coloca para nós a inevitabilidade de nos aproximar-mos dos BRICS, por uma razão contraditória: investimos em excesso no agronegócio, nos tornando dependentes dele, e, agora, em plena crise mundial de grãos, temos que contar com a oferta de fertilizantes russos (e, eventualmente, também ucranianos, se conseguirem nos exportar) para continuarmos a plantar. A oferta mundial de insumos agrícolas é limitada. Os russos, a despeito de todas as sanções que lhes estão sendo impostas pelo ocidente, nesse campo dão as cartas.

Bolsonaro, que não é propriamente um gênio estratégico, ficou prisioneiro de  bases políticas primitivas: seus principais apoiadores são os homens do agronegócio, oportunistas e sem escrúpulos quanto a interesses nacionais, sendo completamente indiferente às razões geopolíticas que justificam as sanções que o governo Joe Biden impõe à Rússia. Com isso, portanto, não há como o Brasil acompanhar de olhos fecha-dos as sanções ocidentais contra ela. A consequência é a adesão plena aos BRICS, reforçando, com a Argentina, a atração da América Latina para o bloco.

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Não esperava que meu livro poderia sair numa hora mais oportuna. Claro, não estou satisfeito com isso porque a oportunidade vem com uma guerra que é fruto de um erro de cálculo de Vladimir Putin em relação à capacidade da Ucrânia de resistir a uma invasão. Com essa resistência, a guerra pode durar anos, reconfigurando completamente a geopolítica mundial. Uma de suas consequências imediatas é a volta da Guerra Fria. Dessa vez, porém, ficamos ao menos entre orientais e ocidentais, o que não é um mal: saímos da órbita secular do domínio exclusivo norte-americano. 

Escrevi o livro pensando num acerto de contas com os neoliberais. Nesse caso, foi uma iniciativa conjunta com o grupo de economistas do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD) e da Teoria Monetária Moderna (TMM), que trouxeram para o Brasil o que há de mais avançado nos Estados Unidos em termos de propostas fiscais-monetárias, em contraposição às sugestões anacrônicas do Fundo. São as políticas inspiradas nessas propostas que nos poderão tirar de uma crise fiscal-monetária inventada por economistas conservadores, cultores do neoliberalismo. 

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Em essência, a TMM nos diz que o Estado nacional não tem limites para gastar em sua própria moeda desde que a economia tenha recursos suficientes para atender à demanda em insumos para bons projetos governamentais e privados. Isso rompe com um dos maiores preconceitos fiscais difundidos pelo neoliberalismo, e que está na origem de nosso atraso econômico. Submetido a preconceitos como este, os governos anteriores paralisaram investimentos prioritários (Comperj, Abreu e Lima) e o governo Bolsonaro mandou fechar a única fábrica de semicondutores do Hemisfério Sul. 

A paralisação do Comperj e de Abreu e Lima, em 2016, está nos custando ago-ra uma tremenda escassez de derivados de petróleo, sobretudo de diesel. O fechamento, por Paulo Guedes, por medida de economia, do Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Avançada) -, a única fábrica de microprocessadores do Hemisfério Sul, ins-talada no Rio Grande do Sul -,  não só nos deixou privados de microchips, essenciais para a construção de bens e serviços eletrônicos, como nos colocou na mesma condi-ção de muitos outros países onde se quebrou a cadeia produtiva desses elementos industriais.

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Todas essas políticas regressivas serão revertidas agora. O presidente Lula, com sua aproximação estratégica e pragmática com a China, na atual viagem está buscando alternativas para a retomada do desenvolvimento industrial e o progresso tecnológico do Brasil. Há imensas potencialidades também no campo agrícola, de forma a nos colocar entre os primeiros, se não formos o primeiro exportador mundial de produtos alimentares, além do agronegócio e dos minerais. Assim, os horizontes nos estão abertos, caso não continuemos arrastados pelo canto de sereia do neoliberalismo.

Sei que, do ponto de vista da Economia Política, e não da estreita e oportunística economia de mercado, não será fácil convencer o Congresso, especialmente por conta de sua composição extremamente conservadora, da necessidade de avançarmos, neste momento, muito além do “arcabouço fiscal” que o governo está propondo, e que, certamente, não é o ideal. A Nação terá de ter paciência pelo menos até o momento da renovação do Congresso. Isso nos permitirá, de um golpe, nos livrar das políticas fiscais restritivas inspiradas no FMI, assim como da política de juros mais alta do mundo, aplicada no Brasil por Roberto Campos Neto, sob a mesma inspiração. 

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