Como num desenho mágico
Chico é da estirpe dos criadores, pais-fundadores, interpretes da moderna música popular brasileira. É um luxo, uma riqueza imensa ter um artista assim
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Até a chegada das hostes bolsonaristas no Brasil (ignorantes, incultas, arrogantes e violentas), a obra e a pessoa do compositor, músico, romancista, teatrólogo e poeta CHICO BUARQUE DE HOLANDA, era uma unanimidade certa. Excetuando-se Fernando Henrique Cardoso, que disse certa feita preferir Caetano a Chico, não havia contestação ou dúvida do valor da poética litero-musical do cantor. Confessou uma vez Chico que, quando adolescente, entrou furtivamente na biblioteca do pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que morria de ciúmes de seu valioso tesouro literário. E ficou deslumbrado com tantos volumes e obras em várias línguas. Chico Buarque poderia ter se tornado um arquiteto criativo, mas desistiu do curso e se casou uma atriz, Marieta Severo, e foi assistir aos jogos do fluminense no Maracanã. Como herdeiro de Sérgio, gostava de uma boêmia e muita bebida. Tímido, encantou o Brasil com uma música singela e inocente, A BANDA. As fãs jovem cantor morriam de amores pelo verde dos seus olhos e sua timidez.
A obra do compositor, que aliás tem descendência pernambucana pelo lado do avô paterno, já foi objeto de vários estudos e teses universitárias. É de lembrar aqui os ensaios de Afonso Romano de Santana, Leila Perrone-Moises e o livro de uma autora mineira, há muito esgotado, "Como um desenho mágico", da editora Oficina de Livros (Belo Horizonte). Há muitos olhares sobre a poética de Chico: um deles ressalta a psicologia da alma feminina; outro, o papel do malandro. Um terceiro discute o concretismo e a arquitetura poética de suas letras muito bem elaboradas. A verdade é que a fortuna crítica de seu trabalho divide essa obra entre uma primeira fase dos sambas de vila (Sinhô, Cartola, Noel Rosa etc.), onde reina uma simplicidade das rimas poéticas e o papel de uma malandragem artesanal, pré-moderna (Quem não se lembra da música\filme "Vai trabalhar vagabundo"). Letras deliciosas, simples e engraçadas, evocando a vida dos espertinhos das periferias, cheia de ginga, conversa e elegância. Esta fase é sucedida pela fase da participação nos festivais universitários e da mídia televisiva, com seus programas de auditório. Aí, naturalmente, tinha de haver um giro, sobretudo após o contato com os pais da bossa-nova: Jobim, João Gilberto, Vinícius e outros.
A música de Chico abandona o subúrbio e vai para zona sul. Torna-se sofisticada, mais elaborada, intrincada poeticamente. Podemos colocar nessa fase músicas que se tornaram antológicas, junto com o coral do MPB4, o Quarteto em Si. Canções como: O velho realejo, Pedro Pedreiro, Roda Viva, Rosa dos ventos, Construção, Cálice, Apesar de Você, foram imortalizadas como alegorias da vida sob a ditadura militar. Só quem não viveu esse período das "assombrosas transações" não cantou ou ouviu essas músicas. Muitas censuradas, cortadas e proibidas, como "Só vence na vida quem diz sim", totalmente interditada pela censura.
As composições dessa época trazem em sua textura imagens espaciais e do movimento de corpos. São onomatopeias poéticas: em Pedro Pedreiro, ouve-se nitidamente o movimento do trem, pelo qual o personagem espera ("quem já vem, que já vem....), em Construção, sente-se a vertigem da queda do operário, através da alternância dos versos. Em Roda Viva, uma grande reflexão sobre a alienação do dia-a-dia e o conformismo das pessoas. Também em Cotidiano, uma bela reflexão filosófica. Músicas intimistas e introspectivas falando do amor desfeito. Ou essa preciosidade poética que é "Valsinha", onde a empatia com as pessoas mais simples é de cortar coração.
Mas a obra do autor vai além. Ele escreveu inúmeras peças, cheias de alegorias em relação a situação política da época: Gota d’água, inspirada na tragédia grega (Antígona), Calabar (invertendo o sentido da traição), Fazenda Modelo (talvez, inspirado em Orwell), A Ópera do Malandro (Inspirado em Brecht). Peças que foram montadas e apresentadas em todo o Brasil. Como Sartre, Chico se inspirava em autores clássicos e readaptava os textos para a situação de sua época.
Depois vem a fase dos romances: Benjamin, O meu irmão alemão, Estorvo, todos publicados pela Companhia das Letras.
Chico Buarque de Holanda não se filiou a nenhum partido de esquerda (seu cunhado, Fernando Peixoto era ligado ao PCB), mas sempre se colocou no campo dos partidos de esquerda. Sempre apoiou LULA, desde a primeira candidatura, uma das mais belas campanhas eleitorais que o país já viveu (1989). Nunca se omitiu de tomar posição em favor do que achava justo, humano e digno.
É rico? - é sim. Só de direitos autorais musicais e bibliográficos, deve receber um bom montante. Além dos shows de 500,00 o ingresso. Fala-se que tem uma ilha na França. E daí? Um artista como esse vale ouro. Não é todo dia que aparece um de seu quilate. Chico é da estirpe dos criadores, pais-fundadores, interpretes da moderna música popular brasileira. É um luxo, uma riqueza imensa ter um artista assim. Pior é ter um rei do futebol, ou um rei do Iê-iê-iê, ou do Carnaval, que nunca levantaram um dedo pelas causas humanitárias e sociais do país.
Longa vida a Chico. E deixemos os invejosos, ressentidos, recalcados, espernearem.
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