Comer é luxo



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O ministro Paulo Guedes, que recebe nesse “guedes” a definição de   palerma, maníaco ou vadio, no  Dicionário Aulete, ou então, se preferir o Dicionário Houaiss, a certeira definição de plural de pequeno jumento, cometeu esta semana  mais uma das suas. Diante dos preços escandalosos do arroz, que não permitem mais ao povo almoçar, cravou com poderosos dentes:   

“O preço do arroz está subindo porque eles  (da gentinha) estão comprando mais – está todo mundo comprando mais”. 

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Entendam o zurro do ministro. Ele assim zurrou porque em meio ao mais alto desemprego do Brasil, quando o povo carente não tem mais nada a não ser um auxílio de 400 reais, o que aconteceu? Segundo guedes,  “os mais pobres estão comprando, estão melhorando a condição de vida”, Pois é claro:  em lugar de trabalho e salário, com 400 trocados por mês começaram a consumir arroz como nunca. Incrível, mas até parece que a população já se acostumou ao tipo de voz que sai do ministro. O guedes não consegue abrir a boca sem que alcance altas notas de ornejo. Mas não há mais escândalo.  

Por enquanto, o que parece crescer é uma revolta silenciosa, uma surda vingança dos excluídos no Brasil. Há muito pude observar uma vingança nada patológica. Não era nada absurda e nada havia nela que espantasse, ainda que recebêssemos com choque e repulsa os efeitos dos monstros criados. Eu fui despertado por uma notícia de jornal, faz tempo. 

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Quando houve uma intoxicação geral do Blue Tree Park, em Pernambuco, ninguém perguntou por que os empregados do Hotel não foram também intoxicados. Era e é natural que eles, como animais ou pessoas humanas, não estivessem imunes ao efeito geral. Se eu, empregado, nado com necessidades em meio ao filé, por que dele também não retiro um pedaço? Mas não, não se soube de vítimas entre cozinheiros e garçons. Por quê? A hipótese mais provável era a de que, do cardápio servido, os empregados não tenham comido para matar a fome. Com a minha experiência, digo que certamente provaram, furtaram pequenos, muito pequenos nacos, tão pequenos quanto as suas pessoas. Mas comer, comerem e se envenenarem à farta, não. Isso ficou para os doutores hóspedes.

Entendam. Até hoje, vemos em restaurantes como as pessoas de classe média tratam a pessoa pequena – gentinha – que lhes serve. Que desprezo! O cidadão de direitos do consumidor não olha para o empregado, para o ser que existe sem qualquer garantia. Dirige-lhe, melhor dizendo, rosna, vocifera o prato escolhido e se mantém raivoso, hostil, perigoso e áspero a qualquer aproximação. Pelas carnes gordas e carranca, tais Pessoas – de P maiúsculo – nos lembram sempre a figura de um buldogue, sem coleira sentado em frente à mesa de um circo. Imaginamos sempre a mágoa que fica em um homem, um subalterno, tratado assim por um cão, o Doutor. O quanto o “inferior” é machucado em uma sociedade de classes.

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Menos que imaginamos, às vezes vemos, percebemos, sentimos. Quando íamos comprar frios, queijos, sentimos. E aqui a nossa experiência particular devia ter algo de universal. Era flagrante a má vontade com que um empregado ou empregada nos atendia, acintosa a indiferença e dificuldade que ele opunha a qualquer consideração sobre tipo ou maciez do queijo escolhido. “Só tem este”, ou “tem não”, ou “acabou”, ele nos dizia, a custo. Era grande a pena, a mesquinhez com que cortava fatias que, sobrepostas, muito demoravam a atingir o peso dos frios que pedíamos. Isso em lugar de causar alguma raiva, muito nos envergonhava. Porque sabíamos que o empregado nos servia o que não poderia comer, a não ser por furtos, por pequenos e miseráveis furtos, como se fosse um mísero e pequeno roedor. 

Agora, com o zurro de guedes, o “tem não” foi atualizado: em lugar de queijo e presunto, o desempregado come como praga todo arroz. Daí que o mercado sobe o preço, para equilibrar melhor a fome com a vontade de comer. 

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