COMCAP pública e a desigualdade social brasileira
"A COMCAP não se sustenta enquanto estrutura pública de qualidade se pagar salários miseráveis"
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A COMCAP mantém atualmente um quadro de 1.622 trabalhadores, entre ativos e inativos. A autarquia municipal movimenta 209 mil toneladas de resíduos sólidos por ano, o que corresponde à média de 18 mil toneladas por mês ou 700 toneladas por dia. Cerca de 7% dos resíduos têm sido encaminhados para reciclagem e compostagem. Este percentual, apesar de ainda muito baixo, é significativamente maior do que a média nacional, de menos de 4% (que é simplesmente ridículo).
O serviço prestado pela COMCAP à população representou um custo aos cofres públicos na ordem de R$ 183 milhões em 2021, no qual a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) obteve uma receita orçamentária na ordem de R$ 2,56 bilhões e executou uma despesa de R$ 2,49 bilhões. Com um custo de R$ 183 milhões em 2021, a COMCAP contribuiu com apenas 7,3% da despesa da PMF, que encerrou o ano com um superávit orçamentário na ordem de R$ 63,8 milhões. Metade da arrecadação do Município no ano passado foi obtida através de impostos, que servem justamente para financiar serviços públicos e manter a organização do Município.
A redução do custo da COMCAP para o Município no ano passado, de certa forma caminha em direção ao objetivo do atual governo, que é reduzir o custo da autarquia. O fenômeno possivelmente já é efeito das terceirizações, que fazem a coleta no Continente e no Norte da Ilha. Mas teríamos que fazer um balanço de quanto a Prefeitura gasta com as terceirizações, que são cifras que cresceram muito nos últimos anos.
A COMCAP é a autarquia mais importante da PMF pela abrangência de seus serviços e pela importância que estes têm na vida de todos os cidadãos. A organização está no centro da disputa política, há muito anos, em função de inúmeras razões:
1) o trabalho que realiza é um dos mais essenciais do Município, juntamente com fornecimento de água e luz. Nos dias atuais, não é possível qualquer aglomerado urbano de determinado porte sem um planejamento com relação à limpeza pública (capina, roçagem, pintura de meio-fio, limpeza hidrográfica, poda de árvores, desratização, coleta de lixo pesado, remoção de animais mortos), coleta de resíduos, operações técnicas de transferência de resíduos, bem como a elaboração de projetos e ações de educação ambiental;
2) Florianópolis é a capital que mais cresceu no Sul do Brasil na última década. A população em média aumenta 2,5% ao ano e, com o crescimento do turismo, a geração de resíduos na cidade ampliou aproximadamente 6% ao ano, movimentando cerca de 209 mil toneladas de resíduos no ano de 2021;
3) O capitalismo não conseguiu resolver adequadamente o problema do lixo, especialmente nos países subdesenvolvidos. A coleta convencional só agrava o problema. Por isso, também, além do problema da precarização do trabalho, a terceirização é uma solução tecnicamente ruim. Ela não soluciona o grave problema da coleta e destinação do lixo, e ainda piora muito as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores;
4) A COMCAP custa 183 milhões, cerca de 7% do orçamento do Município. Esses valores atraem a cobiça dos capitalistas, que perdem um filão significativo de negócios com a existência da Autarquia.
O lixo urbano tem várias origens, o que por si, já revela a complexidade do problema do trato e destinação do lixo nas cidades: domiciliar (sobras de alimentos, papéis, plásticos, vidros, papelão); industrial (apresenta constituição variada, entre gasosa, líquida ou sólida); hospitalar (seringas, agulhas, curativos, gazes, ataduras etc.); tecnológico (pilhas e aparelhos eletrônicos em geral). A quantidade de lixo gerado e a complexidade de um trabalho de destinação correta dos resíduos, necessariamente implica em gastos significativos por parte do poder público. E quanto mais atrasado for o debate sobre o problema, mais o manejo do lixo tende a encarecer, em função da baixa taxa de reciclagem do produto, dos métodos inadequados de tratamento do problema, e da própria deseducação da população relativamente ao assunto.
A complexidade do problema dos resíduos sólidos nas cidades pode ser ilustrada pela coletiva seletiva. Todos os projetos nessa área dependem da experiência e da inteligência, acumuladas por décadas, em estudos e no trabalho prático de limpeza, realizado pela COMCAP. Todos esses projetos requerem maturação, acompanhamento, estudos e cuidado. É muito difícil uma empresa privada, cuja energia é voltada para os lucros dos proprietários, desenvolver esse trabalho com a mesmo cuidado de uma empresa pública.
A própria incapacidade da empresa privada em atrair profissionais de alto nível, em função dos baixos salários e da ausência de perspectiva de carreira, atrapalha o desenvolvimento desses projetos. Há uma evidente contradição, portanto, entre a lógica do setor privado e as exigências da existência de uma empresa pública e integrada de limpeza, que considere todas as dimensões do problema, que envolvem destinação dos RSU, poda, varrição, preservação ambiental e todo o conjunto de serviços que a COMCAP presta à população.
Na última década o número de trabalhadores na COMCAP vem diminuindo, apesar do aumento do volume de trabalho. O número de empregados disponíveis na COMCAP vem crescendo em ritmo inferior ao crescimento da população, o que indica uma sobrecarga de trabalho, em função do aumento do número de unidades a serem atendidas, não só com a coleta de lixo, mas com todo o leque de serviços que a COMCAP presta, que aliás vem aumentando em função dos novos projetos da empresa.
É normal e possível, em qualquer processo de trabalho, uma organização empresarial, pública ou privada, utilizar o serviço de terceiros. Uma empresa pode contratar um terceiro para desenvolver uma pesquisa específica, não regular, que a empresa necessite. Em muitos serviços considerados “meios” a terceirização não só é importante como, às vezes, fundamental. O problema é terceirizar na atividade fim, como faz a COMCAP, em alguns trajetos. O serviço terceirizado de coleta já é realizado no Norte da Ilha e na região Continental. O governo alega que o serviço terceirizado é mais barato. Mas certamente no setor privado o custo é menor porque a exploração do trabalhador é muito maior. Como o peso de pessoal em uma empresa de serviços costuma ser elevado, é natural que, em função dos melhores salários, o custo seja maior.
Um coletor de lixo ganha, em Santa Catarina, em média, no setor privado, menos de R$ 1.300,00 reais, praticamente sem benefícios. Isso considerando que o salário-mínimo necessário calculado pelo DIEESE está em R$ R$ 6.754,33 (5,57 vezes o mínimo vigente de R$1.212,00). Economizar com a superexploração do trabalhador não deve ser a política de pessoal de uma organização, ainda mais tratando-se de uma autarquia pública. A economia deve ser sempre buscada, porém através de outros componentes como introdução de tecnologias no processo, educação ambiental da população, e assim por diante. Num país como o Brasil, com elevadas taxas de exploração dos trabalhadores, as empresas privadas não devem servir de referência para política de recursos humanos. Ainda mais neste momento, no qual os direitos estão sendo destruídos em escala industrial.
A atual gestão da prefeitura de Florianópolis, ao mesmo tempo em que trabalha para privatizar e sucatear a COMCAP tem vários objetivos ambiciosos em termos de saneamento básico. Há uma política, por exemplo, de destinação adequada de resíduos sólidos, que pressupõe uma série de trabalhos de coletas, que devem ser realizados pela COMCAP. Como móveis e eletrodomésticos sem uso, que têm que ser devidamente destinados para o local correto, da mesma forma, restos de podas, galhos e cascas de árvores. Além, é evidente, da coleta regular de recicláveis e de resíduos domiciliares.
A questão é que a existência de uma empresa pública, comprometida historicamente com a cidade, e formada por profissionais experientes e especializados, tem papel fundamental nessa história. Há uma contradição nesse debate: ao mesmo tempo que a Prefeitura vem descumprindo acordos com os trabalhadores e sucateia as condições de trabalho na COMCAP, ela implanta serviços que requerem uma empresa qualificada e com domínio tecnológico dos temas ligados ao meio ambiente.
O serviço de separação do lixo requer um nível educacional dos habitantes, no trato do problema, acima da média. Para o sistema funcionar, os moradores devem separar os resíduos a cada seis semanas e colocá-los na frente de casa, no dia marcado. O material, que deve estar em recipientes adequados, será transformado em compostos orgânicos que serão utilizados pela própria prefeitura em ações e práticas de paisagismo e em hortas urbanas. Este é o ponto: esse tipo de iniciativa requer uma empresa com corpo técnico preparado, razoavelmente remunerado, e com conhecimento do assunto. Requer uma empresa pública.
Uma das acusações mais duras dirigidas à COMCAP é a da existência de “supersalários”, que seriam completamente fora da realidade de mercado, especialmente o mercado de empresas de limpeza urbana. Esse tipo de acusação costuma ter grande repercussão na sociedade, não só pela propaganda diuturna da mídia comercial contra as estatais, mas também em função dos baixos salários que a população recebe. Vale examinar o problema mais de perto.
Em edital de 2020 da empresa, para a contratação de profissionais nos níveis fundamental, médio e superior, os salários oferecidos estavam em um intervalo entre R$ 1.308,50 a R$ 3.353,90, com jornadas de trabalho de 30 e 40 horas semanais. Além do salário, a Empresa ofereceu no edital ainda, um auxílio alimentação de R$ 855,00 e vale transporte para os trabalhadores que recebessem até 3 pisos salariais (à época o correspondente a R$ 3.925,50), com custo integralmente bancado pelo Município de Florianópolis. No edital os valores salariais para algumas funções eram: Gari de Coleta (salário de R$ 1.870,84, por carga horária semanal de 40 horas por semana); Gari de Limpeza Pública (salário de R$ 1.308,50, por jornada de trabalho de 30 horas por semana); Motorista (salário de R$ 2.560,36, por 40 horas semanais).
Pelo edital mencionado acima, um gari de coleta da COMCAP ganha inicialmente quase 45% acima do salário médio de Santa Catarina, no setor de limpeza urbana. Mas a média salarial em SC para gari de coleta é R$ 1.291,65, segundo o Novo CAGED. A diferença de remuneração, que pela amostragem citada não é muito elevada, é fruto da organização e luta dos trabalhadores da autarquia. A média salarial do Estado no setor, é praticamente o salário-mínimo. O trabalhador que recebe esse salário para trabalhar na coleta de lixo 44 horas por semana, não consegue sustentar nem a si mesmo. Não é o salário da COMCAP é que é alto, os salários de mercado que são muito baixos.
A COMCAP não se sustenta enquanto estrutura pública de qualidade se pagar salários miseráveis. Pesquisa de distribuição salarial realizada pelo DIEESE mostra que cerca de 80% dos salários líquidos da COMCAP estão na faixa até R$ 4.000,00. Apenas 1,58% dos trabalhadores recebem salários líquidos acima de R$ 10.000,00. Neste caso das críticas ao chamados “super salários” da COMCAP tem uma questão crucial embutida: a injusta sociedade de classes brasileira não aceita que um trabalhador braçal, responsável pela limpeza pública e destinação do lixo, receba salário digno. Para uma concepção predominante na sociedade, esse tipo de trabalhador tem que ganhar salário-mínimo e viver praticamente passando fome.
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