Com leitura enviesada, MPF dribla STF e criminaliza Glenn
"Ao denunciar o editor do The Intercept, Oliveira enxergou um crime que o próprio relatório da Policia Federal não viu. Antes pelo contrário, como tem destacado em suas falas o próprio Greenwald, o inquérito da polícia Federal além de não indiciá-lo, não enxergou crime algum no comportamento dele", diz o colunista Marcelo Auler, do Jornalistas pela Democracia
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Por Marcelo Auler, para o Jornalistas pela Democracia - Em uma tentativa escancarada de tentar criminalizar o jornalista Glenn Greenwald para, com isso, certamente, tentar desmerecer as denúncias que The Intercept vem fazendo desde junho sobre os bastidores promíscuos da Operação Lava Jato de Curitiba, o procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira apegou-se a uma frase de um longo diálogo do norteamericano com os hackeadores do celular do procurador Deltan Dallagnol para acusá-lo de associação criminosa com os mesmos.
“Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?” (sic).
Foi esta frase que serviu ao procurador para desenvolver a tese de que o jornalista ajudou a apagar provas de um crime. Por isso, entendeu que cabe associá-lo ao grupo, denunciando-o com base no artigo 288 do Código Penal, qual seja, o de associação criminosa.
Trata-se do mesmo procurador que tentou processar o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por teoricamente ter caluniado o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro. Nessa tentativa, Oliveira não encontrou respaldo no juiz Rodrigo Parente Paiva Bentemuller, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal. Para ele, a denúncia foi inepta. Provavelmente ocorrerá o mesmo com esta tentativa de criminalizar Greenwald.
Ao denunciar o editor do The Intercept, Oliveira enxergou um crime que o próprio relatório da Policia Federal não viu. Antes pelo contrário, como tem destacado em suas falas o próprio Greenwald, o inquérito da polícia Federal além de não indiciá-lo, não enxergou crime algum no comportamento dele: “Pelas evidências obtidas até o momento, não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados“, escreveu o delegado Luiz Flávio Zampronha ao concluir a investigação.
Ao partir para a denúncia, o procurador tenta driblar o impedimento imposto pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto passado, de que o norte-americano viesse a ser investigado. Para o ministro, por conta do respeito ao princípio constitucional do sigilo das fontes dos jornalistas, não poderia haver investigação contra o editor do The Intercept.
Na sua decisão Mendes determinou explicitamente “que as autoridades públicas e seus órgãos de apuração administrativa ou criminal abstenham-se de praticar atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, ante a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística”.
Na denúncia o procurador justifica, como querendo se defender de qualquer acusação futura por desrespeitar a decisão do ministro. Alega que as informações lhe chegaram no bojo da análise dos diálogos encontrados nos celulares dos hackeadores. O denunciou por associação criminosa, por ter visto que Greenwald sugeriu que as mensagens que já lhe tinham sido enviadas não precisavam ser mantidas nos arquivos dos hackeadores.
Tal justificativa já foi classificada pela defesa do Greenwald como um “expediente tosco” que visa desrespeitar a autoridade da medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601, do Supremo Tribunal Federal. A de Mendes.
No mesmo tom bate o Grupo Prerrogativas compostos por advogados reunidos em um chat do WhatsApp para debaterem a defesa das prerrogativas que possuem, garantidas pela Constituição e pelo Estatuto da OAB. Em nota divulgada na tarde desta terça-feira (21/01), eles afirmam:
“A denúncia ataca violentamente a liberdade de imprensa, na medida em que busca a responsabilidade criminal de um jornalista em razão de sua atividade profissional. Deturpa o conteúdo da prova arrecadada no curso das investigações e promove ilações completamente fantasiosas. Os esforços para caracterizar Glenn Greenwald como auxiliar ou mentor dos (supostos) hackers esbarram em qualquer critério de boa-fé. Não há leitura possível dos diálogos que comporte esse tipo de interpretação.”
Frase retirada do contexto
Greenwald explicava ao hackeador que o compromisso dele, como jornalista, é o de preservar a sua fonte. E garantiu que isso seria feito. Poderia ter deixado explícito que a Constituição garante isso aos profissionais de imprensa, tal como Gilmar Mendes fez valer na sua decisão. Não falou.
Mas foi em nome de preservar esse sigilo e evitar que os arquivos nos celulares dos hackeadores os denunciassem como fonte do The Intercept, que o norte-americano explicou não existir propósito em manter os diálogos guardados. Ele já os tinha e então trabalhava para apressar sua divulgação:
Glenn Greenwald: “Isso é nossa obrigação. Então, nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles podem descobrir “o identidade” de nossa fonte. Então, para gente, nós vamos… como eu disse não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro… se precisarmos. Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?” (sic)
Mais adiante, acrescentou que não poderia “dar conselhos”, mas “tenho a obrigação para proteger meu fonte” (sic). O que considera “obrigação muito séria”.
Glenn Greenwald: “Sim, sim. É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu eu eu eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu?” (sic)
Na interpretação enveisada do procurador Oliveira, tais diálogos se caracterizam como uma “clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.
Agora é esperar para ver se Oliveira encontrará eco no Judiciário para tamanho disparate. Aparentemente, pela quantidade de notas e manifestações de advogados que já vieram a público, tende a ganhar novo carimbo de “inepta”. Pelo menos na sua tentativa de criminalizar o jornalista, desclassificar o material que este publicou e, quem sabe, na expectativa maior de ficar bem com o atual ministro da Justiça.
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