Com CPIs, Lira exibe poder real de controlar o Governo e governar a oposição
"O presidente da Câmara tem poder para decidir quem será alvo, quem sequer estará na mira, quem sai vivo e quem sai morto das CPIs", diz Costa Pinto
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A criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre os atos golpistas e a baderna que os vândalos de extrema-direita criaram na Esplanada dos Ministérios, na Praça dos Três Poderes e nos palácios que sediam as instituições republicanas – o do Congresso, o do Planalto e o do Supremo Tribunal Federal – foi catalisada a partir da divulgação de um rol de vídeos editados entregues à emissora CNN Brasil usando como intermediário um jornalista (Rafael Magalhães) que nunca escondeu esposar as teses do bolsonarismo mais atroz e ignorante. A partir daquele “fato consumado”, que rapidamente se desmanchou no ar quando diversos canais de Jornalismo (inclusive este Brasil 247) exigiram a retirada das tarjas digitalizadas das imagens que protegiam militares amigos do “Antigo Regime” e promoveram o correto encadeamento das cenas. Porém, o ambiente político estava excessivamente turvo e os articuladores congressuais do Governo andavam injustificadamente zonzos para brecar a escalada de leitura do requerimento da CPMI no plenário do Congresso e iniciar o inexorável processo de sua instalação.
Daí, veio a quarta-feira, 3 de maio, e a busca e apreensão na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro combinada com a prisão de seu taifeiro faz-tudo Mauro Cid, um tenente-coronel que desonra a farda e as divisões do Exército, e a exposição de suas relações incestuosas com o ex-major Ailton Barros. Em mensagens extraídas do celular apreendido de Cid, mero aperitivo do que está por vir daquela cápsula de horrores de um tempo muito próximo em que o País esteve à mercê e às barras de um golpe de Estado, sabe-se que Barros, um desqualificado a quem o igualmente desqualificado ex-presidente chamava de “meu 2º irmão”, tramou ou quis tramar um assalto às instituições de Estado com prisão de ministros do STF e entrega da administração nacional a um generaleco qualquer (eles têm fissura por generais, por fardas, por coturno!) por meio da decretação de uma Garantia da Lei da Ordem (GLO) que no imaginário escroque do bando poria por terra o resultado das urnas de outubro.
A urdidura golpista do ex-major Barros com o taifeiro Mauro Cid, que exibia suas divisões de tenente-coronel na antessala da Presidência da República, ocorreu apenas três dias depois da diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Superior Eleitoral, onde recebeu o diploma de “presidente eleito” no pleito democrático de outubro de 2022 das mãos de Alexandre de Moraes, o ministro do Supremo a quem a dupla de desqualificados golpistas queria impor o sol nascer quadrado nas barras de um presídio federal gerido por um Brasil sob GLO. Tal delírio golpista também ocorreu três dias depois da baderna que teve lugar em Brasília, no Setor Hoteleiro Sul, na via N2, em 12 de dezembro do ano passado, quando extremistas apedrejaram até a sede da Polícia Federal sob o olhar complacente da Polícia Militar e da Força Nacional. A proposta canalha de Ailton Barros a Mauro Cid dialoga diretamente com a minuta de golpe de Estado descoberta no armário da casa do então ministro da Justiça Anderson Torres, que naquele 12 de dezembro jantava calmamente a menos de um quilômetro do badernaço e dele não tomou conhecimento.
Expostos os fatos e a relação entre eles, tem-se que: a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, cujo requerimento só foi lido no plenário do Congresso por pressão da oposição, pois imaginou inverter o jogo político e transformá-la numa investigação “contra o Governo”, já não é mais interesse da oposição de extremistas de direita. E por que? Porque está óbvio que a CPMI do 8 de janeiro tem de começar ouvindo os depoimentos de Mauro Cid, de Ailton Barros, de Anderson Torres e de Jair Bolsonaro, antes de qualquer outro. E por que? Porque o 8 de janeiro do golpe derrotado era o ápice de uma aventura que começava muito antes daquela data – e na antessala do gabinete presidencial do Palácio do Planalto. Logo, a CPI do 8 de janeiro pode nem sair do papel. Daí o Congresso sossega, certo? Errado! E explico:
CPIs, originalmente, no tratamento puro e cartesiano da Política, são instrumentos da oposição para apurar fatos que desagradam a governos. Nelas, o Parlamento se imbui de poderes de polícia e de Judiciário e apurar eventuais crimes cometidos contra a sociedade e o Estado. Dispersada a nuvem de distração política que será uma CPMI do 8 de janeiro, será possível enxergar o que está ocorrendo no balcão de negócios do Congresso Nacional em outras Comissões Parlamentares de Inquérito. Vamos fechar o foco sobre as CPIs já lidas e prontas para instalação e funcionamento na Câmara dos Deputados, onde pontifica o poder do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que até o fim deste ano tentará reformar a Constituição e o Regimento da Casa para se manter no posto que lhe rende imensurável poder e prestígio:
1. CPI da Manipulação dos Resultados de Jogos Esportivos. Proposta pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE), ascende ao púlpito justo num momento em que o Governo pretende regulamentar as apostas esportivas (o que já passou da hora) e recolher cerca de R$ 14 bilhões de impostos anuais – além de arrecadar R$ 10 a R$ 12 milhões com cada outorga expedida para exploração de jogos – de um setor que hoje existe e não deixa um tostão de impostos no País. A CPI, que não surge com o propósito de resolver os problemas regulatórios já identificados pelo governo, vai gerar tensão num ambiente econômico que renderia resultados ao Governo.
2. CPI do MST. É a quinta comissão parlamentar de inquérito criada desde os tempos do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, destinada a apurar o que extremistas de direita aliados a ruralistas que flertam com esse extremismo chamam de irregularidades. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é hoje o símbolo de uma articulação social extremamente bem-sucedida, produtiva, que ajudou – e muito! – a estruturar políticas de demarcação e redistribuição de terras improdutivas no Brasil. Criada a pedido de um deputado gaúcho que se vende sob a alcunha de “tenente-coronel Zucco” (usa a patente para galgar postos políticos, o que é proibido e foi permitido por laissez faire institucional), essa CPI do MST foi criada com o único objetivo de manter a esquerda unida dentro dela, para salvaguardar o MST, e deixar a todos distraídos do restante que estava em curso. Essa manobra diversionista foi urdida na presidência da Câmara.
3. CPI da Americanas. Ora, ora: é a Comissão Parlamentar de Inquérito criada na Câmara dos Deputados, a pedido do já celebérrimo André Fufufca, o jovem deputado de 33 anos do PP do Maranhão (mesmo partido de Arthur Lira) e que se destina a “investigar” o que teria ocorrido no processo de insolvência da rede varejista Americanas. As Lojas Americanas eram uma espécie de “joia da Coroa sentimental” do mais bem-sucedido trio de empresários brasileiros – Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. Uma série de operações esquisitas da Americanas, que jamais ficariam de pé ou passariam pelo escrutínio de uma gestão profissional que fizesse jus à fama amealhada por Lemann, Telles e Sicupira, expôs também as fragilidades de concessão de crédito de grandes bancos como BTG, Santander, Itaú, entre outros, que bancavam as operações da varejista. Tudo implodiu em janeiro, quando a Americanas ficou insolvente e desmoronou, pondo abaixo até parte da reputação do trio de empresários reunido sob a grande marca do capitalismo tupiniquim – 3G Capital. A Comissão de Valores Mobiliários, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e o Ministério Público já investigam as operações, omissões, comissões e desestruturações ocorridos no caso das Lojas Americanas há mais de quatro meses. Por que uma CPI da Câmara vai se dedicar a isso agora? Por que? Há respostas a essa pergunta – mas, elas só são proferidas nos bastidores do submundo (e dos subsolos) dos gabinetes de Brasília. E quem regula a pauta das reuniões desse submundo, distribui senhas de acesso, organiza a catraca de entrada nesses porões, é o presidente da Câmara.
O início do funcionamento das CPIs em Brasília é aquilo a que chamamos na capital da República de temporada de caça. Os caçadores são os parlamentares. Quem distribui a licença para atirar nos alvos é quem detém o poder real no Parlamento – neste momento, Arthur Lira. Há quem pague um boi para não entrar na alça de mira dos caçadores, uma boiada para sair dela e negocie o tamanho do rebanho para sequer ter o nome falado nos porões brasilienses. Na temporada de caça atual, com um poder hipertrofiado pelo tamanho da votação que obteve na reeleição para seu cargo, Arthur Lira se diverte dizendo a todos que controla o Governo e governa a oposição. Logo, controla quem é alvo, quem jamais estará na mira e quem sai vivo ou morto das apurações. É poder demais nas mãos de qualquer um, sobretudo em mãos que sempre andaram agarradas a alguém como Eduardo Cunha, hoje assessor do gabinete parlamentar da filha na Câmara dos Deputados presidida por Lira.
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