Collor e Marina. Apenas coincidências?
Deixando de lado as diferenças morais, religiosas, de maquiagem e penteado, a comparação de Marina com Collor e Jânio tem sobretudo fundamento político
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(originalmente publicado na Carta Maior)
E o sapo agora é príncipe
Comparar Marina aos ex-presidentes Collor e Jânio revoltou a candidata e os que fazem sua campanha.
Aliás, uma das consequências perversas e recíprocas do envenenamento do debate político é que os feiticeiros da "nova" política, depois de abrirem a boca para dar lições de moral, se veem engasgados, dia após dia, com asas de morcego e pernas de barata.
Marina e seus seguidores, desde o início, têm tratado sua candidatura como uma questão de índole pessoal e boas intenções, embaladas no marketing de que são eles a última bolacha do saquinho.
Deixando de lado as diferenças morais, religiosas, de maquiagem e penteado, a comparação de Marina com Collor e Jânio tem sobretudo fundamento político. A irritação dos que se sentiram ofendidos apenas reforça que seus argumentos para reagir andam meio em falta.
A única tentativa mais séria de se rebater o risco de que Marina repita Jânio e Collor veio do marineiro recém convertido, Rubens Ricupero.
No artigo "Mitos políticos brasileiros" (publicado em vários jornais em 1/9), ele cita que nem Jânio, nem Collor, mas Itamar seria o melhor precedente a ser buscado para comparar o que Marina quer de fato fazer.
Santo Graal! Finalmente apareceu alguém que afirma categoricamente ter entendido o que Marina pretende de fato fazer.
O título do artigo de Ricupero é muito bom, principalmente para incluí-lo na lista como mais um dos mitos políticos a que ele próprio se refere.
Ricupero conheceu bem o governo Itamar. Foi seu ministro da Fazenda, até cair por conta do escândalo da parabólica, quando apareceu gravado se gabando de seus esforços pessoais, à frente do Ministério da Fazenda, para ajudar a eleger Fernando Henrique, em 1994 - uma confissão que todo mundo viu, menos o Tribunal Superior Eleitoral.
Itamar, como todos se lembram, substituiu Collor, afastado da presidência em outubro de 1992. Pretendeu fazer um "governo de união nacional".
Sua primeira tarefa foi a de se aproximar do PMDB - tanto que acabaria por se refiliar, depois de ter trocado duas vezes de partido.
É isso o que Marina fará? Vai se aproximar para valer do PMDB, o partido da "velha política"? A promessa de Marina e de Eduardo Campos de mandar o alto comando do PMDB para a oposição virou, agora, um pedido de desculpas e um anel de compromisso.
De joelhos, olhos nos olhos e mão estendida, o vice de Marina, Beto Albuquerque, proclamou que "ninguém governa sem o PMDB". Com um beijo e um passe de mágica, o sapo virou príncipe.
O movimento de Albuquerque e a pílula dourada de Ricupero significam que a ideia de se afastar e se diferenciar de todos os partidos - mote de Marina e sua Rede, desde o início, foi agora substituída por outra conversa: fazer um governo convidando não "os bons", mas os partidos mesmo.
O Plano Collor de Marina
Se o plano B de Marina é a presidência Itamar, seu plano A é mesmo um plano Collor.
As incríveis semelhanças se dão nos motes de campanha, na sua relação com os partidos e na maneira de pensar a composição de um governo.
Semelhanças que saltam aos olhos de quem revisita a célebre "Coluna do Castello", feita pelo grande mestre do jornalismo político, Carlos Castello Branco, o Castelinho (1920-1993), para o Jornal do Brasil.
Por exemplo, leia-se "Políticos começam a ficar apreensivos". Nela, Castelinho mostra como a aura de quem fez fama como inimigo da corrupção e "caçador de marajás" levou Collor, pelo menos aparentemente, a simular um afastamento dos políticos, do Congresso e dos partidos.
A Coluna registrava:
"Alguns políticos já começam a manifestar apreensão com o isolamento de quem, escolhido para governar pelos próximos cinco anos, preserva uma taxa de imprevisibilidade maior do que aquela a que estão habituados. O comportamento de Collor não deixa de lembrar o de Jânio Quadros" - além de bem informado, Castelinho falava com conhecimento de causa, por ter sido secretário de imprensa de Jânio, em 1961.
Collor também tinha um partido para a sua "nova" política, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Foi feito às pressas para disputar a eleição presidencial seguinte.
As linhas de Castelinho, em 1989, quando Collor já havia derrotado Lula, falavam de um governo de grandes pretensões:
"É possível que Collor tenha um projeto pessoal que pretenda tornar ostensivo, de não descer no governo a intimidades com políticos cujo mau conceito genérico tornou-se evidente na última campanha eleitoral. O futuro chefe do governo poderá pensar em não se deixar contaminar pela contiguidade com tecidos mortos do organismo social".
Em 1989, o marketing eleitoral de Collor e o apoio desbragado da mídia tradicional foram absolutamente decisivos para derrotar Lula, o PT e seus aliados.
Para livrar o país da estrela vermelha, foi desencadeada uma agressiva campanha para incitar o ódio a Lula e ao PT.
De outro lado, se enaltecia a imagem de um candidato que iria, graças à sua índole pessoal, livrar a política dos corruptos.
Decidida a disputa, parecia que o Brasil estava diante do governo mais republicano e impecável de toda a sua história, do ponto de vista ético.
Um governo que se dizia interessado em uma relação altiva com o Congresso. No lugar da barganha, a "cooperação institucional e independência na tomada de decisões em que se acentue a corresponsabilidade de presidente e parlamentares nos destinos comuns do país", reproduzia Castelinho, levando a sério o discurso dos recém chegados à Presidência.
Collor tinha, como Marina, a marca da imprevisibilidade. Diante dela, havia uma apreensão não só dos partidos, mas de toda a opinião pública:
"Afinal ninguém sabe bem o que ele é e o que ele quer."
É natural, pois assim começa toda política que se diz "nova", pouco antes de se desmentir.
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