Ciro faz triste papel ao combater a Constituinte

"Num debate que várias vezes funcionou como um jogo combinado contra Haddad, o candidato do PDT engordou o coro conservador ao criticar proposta de Constituinte, que garante ao povo o direito de participar de pacto necessário para a reconstrução de um Brasil traumatizado pela herança maldita de Michel Temer," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Numa conjuntura na qual nem os ministros do STF conseguem entender-se sobre o que está escrito na Constituição, as opções são duas: permanecer nas mãos de lobistas que há anos reescrevem a carta de 1988, numa verdadeira tirania de minorias,  ou permitir que o povo seja chamado a dar a palavra final". 

Ciro faz triste papel ao combater a Constituinte
Ciro faz triste papel ao combater a Constituinte (Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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 Ao se apresentar como um adversário barulhento  da proposta de convocação de uma Assembléia Constituinte, Ciro Gomes fez um triste papel no debate da TV Record e perdeu a oportunidade de apoiar uma ideia de relevância particular para a maioria dos brasileiros.

Em dificuldade nas pesquisas, que, pelos números de hoje, não lhe dão a menor chance de ir ao segundo turno, o candidato do PDT assumiu uma estratégia clássica.

Colocou sua retórica reconhecidamente vigorosa a serviço das forças mais conservadoras do país, que fazem o possível para impedir que a eleição presidencial abra caminho para o resgate de um Brasil que há dois anos passou a ser administrado por uma organização criminosa fantasiada de governo.

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O ataque à proposta de Constituinte encontra-se nesse contexto. Faz parte do esforço -- alinhavado na célebre carta de Fernando Henrique Cardoso aos eleitores e eleitoras -- que descreve a campanha presidencial como uma "Marcha da Insensatez" e procura, num exercício de desonestidade política, apontar Fernando Haddad e Jair Bolsonaro como candidatos extremistas que se equivalem e devem ser expelidos da disputa. A melodia de FHC foi ouvida várias vezes ao longo de um encontro que diversas vezes assumiu a forma de um jogo combinado. 

A cada dia que passa fica mais claro que a convocação de uma Assembléia  Constituinte, a ser eleita diretamente, com toda a liberdade, com todos os partidos e lideranças do país, é uma oportunidade única para a reorganização do Brasil após grande trauma do golpe de 2016. Não é uma invenção de laboratório mas uma necessidade real.

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Trinta anos depois de sua promulgação, a carta de 1988, que trouxe benefícios inegáveis aos brasileiros, esgotou-se como referência principal do Estado Democrático de Direito e perdeu a capacidade de expressar regras e valores indispensáveis. De uns anos para cá  a Constituição deixou de ser um pacto político-jurídico para se transformar num monumento escrito ao velho autoritarismo tropical, cujo único mandamento é bem conhecido: manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Exemplos. Na reta final do processo de escolha do presidente que irá governar o Brasil até 2023, uma parte da população brasileira acha que a deposição de Dilma Rousseff em 2016 foi um golpe de Estado disfarçado. Outra parte sustenta que foi uma decisão de acordo com a Constituição.

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Quando se sentam para discutir os salários e as condições de trabalho, lideranças de patrões e trabalhadores não sabem dizer o que sobrou da antiga CLT.

Para algumas pessoas, o debate sobre a democratização dos meios de comunicação  é um meio de garantir a ampliação do espaço público, incorporando a pluralidade política e a riqueza cultural da sociedade brasileira. Para outras, é uma ameaça à liberdade de expressão.

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Se todos candidatos a presidente prometeram elevar gastos com saúde e com educação, e muitos apoiam uma elevação dos investimentos públicos para retirar a economia do atoleiro, ninguém sabe como fazer isso sob o garrote de uma Emenda Constitucional que definiu uma política permanente de redução de gastos até 2037. Reformas importantes, como a reforma política, a reforma tributária, encontram-se paralisadas e bloqueadas pela falta de um debate com a participação do povo, que só uma Constituinte tem legitimidade para organizar e resolver.  

O Supremo Tribunal Federal, que deveria orientar a todos, não consegue orientar nem a si próprio. Não se entende sobre habeas corpus, o trânsito em julgado, a liberdade de imprensa. Incapaz de tomar decisões coletivas, transformou-se no campo ideal para sucessivas decisões monocráticas e mesmo contraditórias. No último fim-de-semana, em menos de 24 horas Luiz Fux e Ricardo Lewandowsky tomaram decisões opostas sobre uma questão que não poderia causar divergência num país onde a Constituição expressamente proíbe a censura -- o direito do presidente Lula dar entrevistas a Folha e a Rede Minas.  

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Num  ambiente nacional de desacordo e paralisia, o desmanche acelerado de um ordenamento jurídico coerente, antes aceito por todos, ameaça dar lugar ao  pior sistema de decisão do mundo -- uma tirania de minorias.

Neste regime, que funciona aí, à vista de todos, as forças com acesso privilegiado aos centros de poder fazem passar seus interesses através do Estado sem maiores dificuldades, enquanto a maioria paga a conta sem ter direito a dar sua opinião. 

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Ciro tinha razão no debate quando disse que "as Constituições nasceram para por limite aos poderosos". A ideia é essa mesma, ao longo da história.

Ao demonstrar uma constrangedora falta de compromissos com um debate necessário, o candidato do PDT apenas tentou confundir a platéia. Disse que a proposta de Haddad é igual à do general Mourão, candidato a vice de Jair Bolsonaro, que caiu no folclore nacional quando defendeu o projeto de uma "Constituinte de notáveis". Seria vergonhoso se, antes, não fosse ridículo. A proposta do PT é convocar um eleitorado que hoje atinge 145 milhões para escolher livremente, pelas urnas, aqueles representantes que irão firmar um novo pacto político-jurídico no país. Muitos anos antes de Mourão, quem sonhou com uma Constituinte de notáveis foi José Sarney, do mesmo PDS da ditadura militar ao  qual Ciro Gomes foi filiado entre 1980-1983.  

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Apenas a hipocrisia de quem pretende fugir de uma discussão necessária  impede uma pessoa de admitir o ponto essencial.

Num momento em que brasileiros e brasileiras tentam retomar o controle sobre seu futuro, a convocação de uma Constituinte é o caminho mais democrático para retirar o debate necessário das mudanças constitucionais dos gabinetes com ar refrigerado de empresários e altos executivos para permitir que seja feito no lugar adequado, pelos personagens que tem direito a isso -- nas ruas, por todo o povo, verdadeiro guardião, não custa lembrar, dos poderes da Republica.

O combate a Constituinte só interessa quem deseja preservar as reformas que foram impostas ao país após o golpe, pela motoniveladora montada por Eduardo Cunha e Aécio Neves. A ideia é simples: Temer passa -- mas a herança maldita fica. 

Alguma dúvida? 

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