Cinema: Quando naufraga a ordem social
"Triângulo da Tristeza" é mais um petardo de Rubens Östlund para dinamitar as estruturas de uma sociedade bem-pensante e bem-vivente, calcada em privilégios
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Ruben Östlund é um cineasta com uma missão: dinamitar as estruturas de uma sociedade bem-pensante e bem-vivente, calcada em privilégios. E ninguém dinamita com flores ou sutilezas. Östlund usa explosivos pesados.
Em Força Maior, a unidade de uma família em férias nos Alpes franceses é abalada após uma avalanche, e o marido vê comprometido seu lugar de patriarca. Em The Square - A Arte da Discórdia, um curador de arte contemporânea se encontra às voltas com uma série de percalços demolidores.
Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness) é mais um de seus petardos, desta vez botando na roda arrogâncias de classe, guerra de gêneros, dissensões ideológicas e futilidades do mundo da moda e da auto-exposicão. O filme, tal como The Square, ganhou a Palma de Ouro em Cannes, mas a crítica internacional não poupou restrições à mão pesada do diretor sueco.
De fato, mais que em seus dois filmes aqui citados, Östlund lida agora com estereótipos ainda mais ostensivos. O casal de modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean, belíssima atriz falecida em agosto do ano passado), nos é apresentado numa interminavel discussão sobre dinheiro e convenções de gênero. Convidados para um cruzeiro de luxo junto a zilionários de nacionalidades diversas, eles logo dividirão o protagonismo com uma fauna exótica de passageiros e empregados.
O capitão (Woody Harrelson), estadunidense, se diz um "shit socialist" e trava duelo de citações com um magnata russo (Zlatko Buric), autêntico porco capitalista. Os ricaços são fabricantes de armas, fertilizantes, códigos para aplicativos e por aí afora. Quando o navio começa a sacolejar demais e o caos escatológico se instala, mesmo assim o jantar continua a ser servido e ninguém abre mão de seus privilégios e exclusividades.
A explosão östlundiana acaba se materializando, e o terceiro ato terá lugar numa ilha deserta com os poucos sobreviventes. A nova situação acarreta uma inversão de papéis sociais e a instalação de um matriarcado para que o grupo permaneça vivo. Como valor e poder, as posses dão lugar às habilidades práticas de cada um. O slogan "Todos Somos Iguais", apregoado na demagógica campanha fashion, ganha uma releitura ácida em termos de classe e de gêneros.
Como se vê, não é nada muito original. Triângulo da Tristeza investe numa caricatura social relativamente fácil. O roteiro avança aos trancos, sem uma costura dramatúrgica bem cuidada. Mas é inegável que diverte de maneira catártica com o inferno dos superricos e suas tentativas de comprar o mundo e as pessoas. Não que sobrem virtudes para os mais pobres. Afinal, conforme a cartilha implacável de Ruben Östlund, a natureza humana fala mais alto quando caem por terra as leis que separam servos e servidos.
O trailer:
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