Cinema: O morro visto por um bom olhar estrangeiro

Um diretor estadunidense consegue escapar às piores armadilhas do favela movie em “Pacificado”, filme premiado no Brasil, em Cuba e na Espanha



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Com produção de Darren Aronofsky e direção do também estadunidense Paxton Winters, Pacificado (Pacified) encaixa-se facilmente no filão já um tanto gasto do favela movie. É aquele tipo de filme centrado nos perigos, na violência e nos dramas de comunidades dominadas pelo tráfico, mas de onde se têm belas vistas da “cidade maravilhosa”. 

Esses clichês, porém, não são desperdiçados pelo roteiro um tanto rocambolesco, mas eficaz em pontuar, quase etnograficamente, algumas questões cruciais. O Rio de Janeiro de 2016 fervia com as Olimpíadas e o então recente golpe contra Dilma Rousseff, que inspirava grafites de “Fora Temer”. As UPPs (Unidades da Polícia Pacificadora) tentavam ocupar espaços e desbaratar as quadrilhas de traficantes que controlavam as favelas. 

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A polêmica presença da UPP no Morro dos Prazeres, bairro de Santa Teresa, onde se passa a ação de Pacificado, foi retratada naquela mesma época pelo documentário Morro dos Prazeres, de Maria Augusta Ramos. Já então Paxton Winters, cineasta aventureiro, morava na comunidade depois de fazer várias reportagens como cinegrafista. Morou lá por três anos e, com a parceria de moradores do morro, realizou alguns curtas que atraíram a atenção de Aronofsky (leiam entrevista com ele ao site português C7nema). 

A protagonista de Pacificado é a menina Tati (Cássia Nascimento Gil, descoberta na comunidade), que vende cigarros e balas em bares e é levada a participar de pequenos roubos, tolerados pela mãe viciada em drogas (Débora Nascimento). No dia do encerramento das Olimpíadas, seu pai, conhecido como Jaca (o ator e cantor congolês Bukassa Kabengele), é libertado da prisão, onde passara os últimos 14 anos. Tati tem 13, e os dois vão apenas começar a se conhecer.

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Jaca se recusa a retomar a “chefia” da comunidade e quer reconstruir a vida em paz abrindo uma pequena pizzaria para atrair os gringos. Mas não é fácil resistir aos apelos que lhe chegam de todos os lados, inclusive para enfrentar o novo dono da boca (José Loreto), guindado à posição justamente por ele. Ou seja, mais um tema frequente em filmes sobre ex-presidiários. 

Estamos num lusco-fusco entre inocência, carência e oportunismo no caso de Tati; e entre redenção e noção de compromisso no caso de Jaca. Uma série de elementos adensam a história central, como a depressão, a paternidade de definição incerta e a gravidez precoce.

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Os códigos do tráfico permeiam a trama em meio a uma disputa por liderança e uma relação ambígua com a UPP. Embora o filme pouco se renda à exposição de violência explícita, há algumas cenas bastante fortes, como um suicídio à queima-roupa, uma criança sendo submetida a um castigo brutal e outra sendo torturada com drogas por um policial. Por sua vez, um assalto combinado dentro de um túnel rende bom momento de humor e um suspense culminado com ótima resolução.

O elenco, do qual participa também Léa Garcia, está muito bem, e a direção não deixa furos. O único aspecto técnico discutível é o excesso de luzes e colorações da fotografia de Laura Merians, traço comum de exotificação dos favela movies. De resto, Pacificado é um filme que resiste bem às tentações mais vulgares do olhar estrangeiro. 

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Foi premiado, entre outras láureas, como melhor filme, direção e atriz (Cássia) no Festival de Havana; melhor filme, ator (Bukassa) e fotografia em San Sebastián; e melhor filme pelo público na Mostra de Cinema de SP. 

>> Pacificado está na plataforma Star+

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O trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=74kfPQVKbzY

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