Cinco falácias sobre o Preço Paritário de Importação (PPI) praticado pela direção da Petrobrás

Vice-presidente da Aepet analisa criticamente argumentos utilizados para justificar ou defender o PPI

Petrobrás
Petrobrás (Foto: Reuters)


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Por Felipe Coutinho 

Desde outubro de 2016 as direções da Petrobrás decidiram inovar e adotar a política dos Preços Paritários de Importação (PPI)[1].

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Arbitram os preços nas refinarias da Petrobrás como se os combustíveis tivessem sido importados. Estimam o preço pago ao refinador estrangeiro (a maioria da Bacia do Golfo nos EUA), somam o custo do transporte, as taxas portuárias, seguros, margem de risco, com os lucros de toda a cadeia de importação e definem que este Preço Paritário de Importação (PPI) deve ser cobrado para os combustíveis vendidos nas refinarias da estatal

Com preços altos em relação aos custos de importação, os combustíveis da Petrobrás perdem competitividade e até 30% do mercado brasileiro é transferido para os importadores. A ociosidade das refinarias aumenta também em até 30%, há redução do processamento de petróleo e da produção de combustíveis no Brasil. Outra consequência da política de preços é a desnecessária e perniciosa elevação da exportação de petróleo cru.

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Como consequência dessa política, no dia 10 de março de 2022, a direção da Petrobrás anunciou aumentos de 16,1%, 18,8% e 24,9% para o GLP, gasolina e óleo diesel, respectivamente, nas refinarias da companhia.

O objetivo deste artigo é analisar criticamente argumentos utilizados para justificar ou defender o PPI.

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FALÁCIA #1

“O petróleo brasileiro é incompatível com nosso parque de refino, logo é necessário importar petróleo e por isso o preço dos combustíveis têm que acompanhar o preço do petróleo no mercado internacional e a cotação do dólar”

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Esse argumento parte da premissa que o petróleo produzido no Brasil tem alguma característica que o impede de ser processado pelas refinarias nacionais. Ora se diz que é muito pesado, ou é leve, ou grosso (sic).

Em 2021 foram produzidos 2,90 milhões de barris de petróleo por dia no Brasil, dos quais 1,32 milhões foram exportados (46% do total). [2]

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A Petrobrás produziu 2,21 milhões de barris por dia, sendo 76% do total produzido no país, dos quais 73% vieram do pré-sal. Foram exportados pela Petrobrás 575 mil e importados 154 mil barris por dia. [3]

O parque de refino da Petrobrás processou 95% do petróleo nacional no 4º trimestre de 2020, em 2021 processou 92%. O que demonstra a compatibilidade entre a qualidade do petróleo e as refinarias brasileiras. [3]

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Existe petróleo brasileiro em qualidade e quantidade disponível e compatível com o parque de refino do país. A premissa é falsa e conduz a conclusão enganosa, trata-se de uma Falácia de Falsa Premissa.

FALÁCIA #2

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“O Brasil não tem capacidade de refino para atender nosso mercado de combustíveis, logo é necessário importar e se a Petrobrás praticar preços inferiores aos de importação ninguém vai importá-los e haverá desabastecimento”

Para analisar esse argumento devemos recorrer ao desempenho histórico do parque integral de refino da Petrobrás.

Gasolina

Em 2014 foram produzidos 181,6 milhões de barris de Gasolina A no Brasil, equivalente a 248,8 milhões de barris de Gasolina C (com 27% de etanol anidro). [4]

Em 2021, o mercado brasileiro de Gasolina C foi de 247,2 milhões de barris. Ou seja, existe capacidade instalada e provada de se produzir no Brasil a demanda pela Gasolina C de 2021. [5]

Óleo Diesel

Em 2014 foram produzidos 312,4 milhões de barris de diesel no Brasil. [4]

Em 2021, o mercado brasileiro de diesel de origem fóssil – descontada a fração de Biodiesel – foi de 343,4 milhões de barris. [5]

O 1º trem da RNEST (refinaria de Pernambuco) entrou em operação em dezembro de 2014, o que aumenta significativamente a capacidade de refino e produção de óleo diesel. Em 2016, a RNEST produziu 22,2 milhões de barris de diesel. Sua capacidade instalada para a produção de diesel é de 27,4 milhões de barris por ano. Somada sua capacidade instalada ao que foi produzido pelo parque de refino da Petrobrás em 2014, antes de sua entrada em operação, pode se alcançar 339,8 milhões de barris por ano (99% do óleo diesel vendido em 2021 no Brasil). [4]

O 2º trem da RNEST que pode dobrar sua produção do diesel e demais combustíveis está em fase avançada de construção e pode ser concluído em prazo relativamente curto, mas sua implantação foi interrompida por decisão da direção da Petrobrás.

A capacidade de produção nacional do óleo diesel é compatível com a demanda, caso exista a necessidade de importação seria residual.

O argumento pressupõe que não há capacidade de refino para atender nosso mercado, o que os resultados históricos demonstram que não é verdade para a gasolina e, no caso do diesel, a necessidade de importação é residual em comparação com o que pode ser produzido aqui. A premissa é falsa para a gasolina e pouco relevante para o diesel.

Depois se conclui que por, supostamente, existir a necessidade de importar, caso a Petrobrás não pratique o PPI, haverá desabastecimento. Ocorre que a Petrobrás não adotou o PPI desde sua criação, em 1953, até outubro de 2016 e não houve desabastecimento. O argumento não traz nenhum fato novo que justifique porque agora a consequência de não se adotar o PPI seria diferente.

A Petrobrás ao praticar preços inferiores ao PPI tende a recuperar o mercado e, caso haja necessidade, o volume residual pode ser importado por ela. Os custos médios e ponderados de produção e importação da Petrobrás sempre foram menores que seus preços. É possível adotar política de preços competitivos, baseados nos custos e na paridade de exportação do combustível brasileiro e garantir alta lucratividade da Petrobrás. [6]

O argumento inclui uma pressuposição que não foi previamente esclarecida como verdadeira, a premissa de que a Petrobrás não poderia importar os volumes residuais de combustíveis que não pudessem ser produzidos no Brasil. Trata-se de uma Falácia da Pressuposição.

FALÁCIA #3

“A Petrobrás praticou preços inferiores aos de importação entre 2011 e 2014, essa prática trouxe prejuízos que quebraram (ou quase quebraram) a estatal. Por isso, não se pode praticar preços inferiores aos de importação para não quebrar a Petrobrás”

A Petrobrás praticou preços inferiores aos de importação na maior parte de sua história, inclusive entre 2011 e 2014. No entanto, a Petrobrás nunca esteve quebrada, ou próxima de quebrar, por causa disso.

A estatal é uma grande geradora de caixa. Em 2011, foram US$ 43 bilhões, entre 2012 e 2017, a geração se manteve estável entre 25 e US$ 33 bilhões por ano. Da mesma forma, entre 2018 e 2020, variou entre 28 e US$ 33 bilhões, em valores atualizados.

Também neste período nos quais praticou preços relativamente baixos (2011-2014) manteve enormes reservas em caixa, entre 13,5 e US$ 25 bilhões, em valores nominais, superiores às multinacionais estrangeiras. A capacidade de honrar compromissos de curto prazo sempre foi evidenciada pelo índice de liquidez corrente superior a 1,5. [6]

Uma empresa com essa capacidade de geração de caixa, disponibilidade vultosa de reservas e que sempre contou com acesso a crédito abundante nos mercados nacional e internacional (recursos de terceiros para investimentos e administração da dívida) não pode ser caracterizada como falimentar. Trata-se de mais uma Falácia de Falsa Premissa.

FALÁCIA #4

“A Petrobrás deve maximizar seu lucro. O Preço Paritário de Importação (PPI) aumenta o lucro, logo deve ser praticado”

O objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobrás, não é a obtenção de lucro, muito menos aquele lucro não recorrente e de curto prazo, mas a implementação de políticas públicas. O que legitima a ação do Estado como empresário (a iniciativa econômica pública do artigo 173 da Constituição de 1988) é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime da exploração econômica privada. Não há nenhum sentido em o Estado procurar receitas por meio da exploração direta da atividade econômica. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas). A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista em particular, não tem apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas tem essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado. [7]

Temos aqui mais uma falsa premissa, a de que a Petrobrás deve maximizar seu lucro.

A política de preços altos e vinculados à variação do preço do petróleo e do câmbio, inaugurada em 2016, prejudicou tanto a Petrobrás, quanto o consumidor brasileiro. O diesel caro da estatal encalhou nas refinarias, assim ela perdeu mercado e receita de vendas com a ocupação de até 30% do mercado brasileiro pela cadeia de importação que é multinacional e estrangeira.

Sem conseguir escoar a produção de diesel, as refinarias da Petrobrás precisaram limitar a carga de petróleo e se tornaram ociosas, em até 30%. Ganharam os refinadores dos EUA, os operadores de logística “traders” estrangeiros e as distribuidoras concorrentes da Petrobrás que operaram, lucrativamente e com baixo risco, na importação de diesel. Assim como, os produtores de etanol que tomaram o mercado da gasolina cara.

Assim, pode-se concluir que preços mais altos, como os que têm sido praticados a partir da adoção do PPI, não necessariamente trazem maiores lucros, em consequência da perda do mercado.

Aqui temos uma combinação de duas Falácias de Falsas Premissas, a de que a Petrobrás deve maximizar seu lucro e a de que o PPI necessariamente o eleva, resultando na conclusão enganosa de que o PPI deve ser adotado pela direção da Petrobrás.

FALÁCIA #5

“A Petrobrás tem o monopólio do refino no Brasil, por isso não há competição e os preços são altos. A solução é privatizar suas refinarias”

Desde a promulgação da Lei nº 9.478/1997, a Petrobrás não é mais a executora única do monopólio da União nas atividades de refino no Brasil.Existem outras refinarias operando no País, que podem ampliar sua capacidade, e qualquer outra empresa estatal ou privada pode exercer atividades de refino, de acordo com seu apetite de assumir riscos de investimento, assim como a Petrobrás fez, com objetivo de atender ao crescimento do mercado brasileiro de derivados, desde que autorizada pela União.

O mercado brasileiro do refino é aberto e competitivo, faz parte da bacia do Atlântico, como demonstra a invasão do mercado pelo diesel e a gasolina produzidos nos EUA, como resultado dos preços relativamente altos praticados pela Petrobrás.

Mais uma vez o argumento apela para uma pressuposição falsa de que a Petrobrás tem “monopólio do refino”, se referindo ao monopólio da venda de combustíveis de origem fóssil. Depois conclui que o fim do “monopólio” traria a competição e preços menores, mas ocorre que quando a Petrobrás pratica preços menores, a lucratividade dos importadores cai, se reduz a importação e a competição. Logo, para que exista maior competição é preciso que a Petrobrás pratique preços altos, o contrário da relação de causalidade do que se alega com o argumento.

Então existe uma inversão de causalidade e uma inversão no sentido da correlação. O suposto fim do monopólio não traz a competição e a redução dos preços. Não existe monopólio e a redução dos preços praticados pela Petrobrás é que reduz a importação e a competição. Temos a Falácia da Falsa Premissa, a Falácia da Inversão de Causa e Efeito, combinada com a Falácia da Causa Complexa.

Conclusão

O Brasil tem capacidade de produzir e refinar o seu petróleo no país. Mas a política de preços tem promovido a importação de combustíveis e a exportação de petróleo cru. Cerca de 50% do petróleo cru produzido no Brasil tem sido exportado, em grande medida por multinacionais estrangeiras. Enquanto isso, até 30% do mercado de combustíveis tem sido ocupado por importados, na maior parte dos Estados Unidos, com ociosidade proporcional do parque de refino brasileiro.

Trata-se de um ciclo do tipo colonial, extrativo e primário exportador do petróleo cru do Brasil. Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por multinacionais estrangeiras e importando combustíveis e derivados de maior valor agregado, com o Brasil não será diferente.

Preços desnecessariamente altos, exportação crescente de petróleo cru, importação de derivados e ociosidade das refinarias brasileiras, são consequências do Preço Paritário de Importação (PPI), política de preços inédita e arbitrariamente adotada pelas direções da Petrobrás desde outubro de 2016. São decisões de responsabilidade do Presidente da República que podem e devem ser revertidas para o bem do Brasil.

Felipe Coutinho é vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

Referências:

[1]  Petrobras, “Adotamos nova política de preços de diesel e gasolina,” 2016.

[2]  ANP, “Importações e Exportações de Petróleo 2000-2020,” 2022.

[3]  Petrobras, “Relatório de Produção e Vendas 4T21,” 2022.

[4]  ANP, “Produção Nacional de Derivados de Petróleo (barris),” 2022.

[5]  ANP, “Vendas de derivados de petróleo e etanol,” 2022.

[6]  AEPET, “Proposta de nova política de preços do diesel para a Petrobrás,” 2019.

[7]  Petrobras, “Central de Resultados,” 2022.

[8]  F. Coutinho e G. Bercovici, “Petrobrás é a maior vítima de fake news da história do Brasil,” 2021.

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