CIA controlará fake news
"Aproveitando-se das acusações, nunca provadas, de que a Rússia teria influenciado as últimas eleições norte-americanas, hipótese francamente ridícula, o governo dos EUA vem redobrando seus esforços para concretizar um agenda há muito sonhada: controlar crescentemente a internet e as redes sociais e usá-las para seus fins geopolíticos", diz o colunista Marcelo Zero; A internet, diz ele, "poderá se transformar em seu exato oposto: o mais poderoso instrumento de falsificação da realidade e de dominação geopolítica"
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Tem passado despercebidos, no Brasil, os movimentos feitos pelo governo americano para controlar cada vez mais a internet e as redes sociais.
Aproveitando-se das acusações, nunca provadas, de que a Rússia teria influenciado as últimas eleições norte-americanas, hipótese francamente ridícula, o governo dos EUA vem redobrando seus esforços para concretizar um agenda há muito sonhada: controlar crescentemente a internet e as redes sociais e usá-las para seus fins geopolíticos.
Assim, o Congresso norte-americano ameaçou há pouco tempo regular as mídias socais. Exigiu do Facebook, Twitter, Google etc. maior empenho no combate às chamadas fake news.
As companhias, em vez de defenderem a livre expressão e o livre fluxo de informações de forma neutra, concordaram em fazer uma cruzada contra as fake news.
O mais “interessante”, contudo, é que elas se escusaram de fazerem filtros elas mesmas. Decidiram “terceirizar” esse trabalho de decidir o que é e o que não é verdade, o que pode e o que não pode circular nas redes. Mais interessante ainda é para quem elas estão terceirizando a tarefa de controlar as informações circulantes.
Na última quarta-feira, o Facebook anunciou que cooperará com o International Republican Institute (IRD) e com o National Democratic Institute (NDI) para controlar as suas informações e fazer verificações de conteúdo.
Esses dois institutos foram criados na década de 1980, custeados pelo governo norte-americano, com o intuito de “promover processos democráticos no mundo”.
Na realidade, eles são sub-organizações do infame The National Endowment for Democracy (NED). Essa última organização nada mais é que um braço da CIA, que tem papel cada vez mais ativo na chamada guerra híbrida, destinada a desestabilizar regimes hostis ao governos dos EUA.
Mediante o NED, o governo dos EUA oferece suporte financeiro, material, logístico e técnico para meios de comunicação, partidos políticos, organizações estudantis, ONGs, editoras etc. que estejam dispostos a promoverem “valores democráticos” e, sobretudo, desestabilizar regimes considerados perigosos aos interesses dos EUA.
O NED deu e dá apoio ao antichinês Tibetan Youth Congress, aos grupos da praça Maidan, na Ucrânia, aos dissidentes do regime chavista, ao grupos jihadistas contra o regime Assad etc.
Nas campanhas eleitorais, em particular, o NED atua nas redes sociais direcionando mensagens a grupos de interesses e formando “ondas de informação”. Eles atuaram para desestabilizar alguns países, como a Turquia em 2013, e, mais recentemente, a Venezuela e o Irã. No Brasil em 2013, na campanha presidencial e depois da posse da presidenta Dilma, em 2015, tivemos a atuação suspeita de agentes políticos poderosos nas redes sociais.
Segundo Allen Weinstein, que ajudou a criar a legislação que criou o NED, “muito do que fazemos hoje era feito de forma sigilosa pela CIA há 25 anos”. Agora, no entanto, o apoio à guerra híbrida é feito de forma mais aberta, sob o manto da promoção dos valores democráticos e do combate aos regimes supostamente ditatoriais.
Se bem sucedido, o controle da internet e das redes sociais pelo NED e seus institutos, mediante a escusa do combate às “fake news”, dará ao governo dos EUA um novo instrumento poderosíssimo para afirmar seus interesses geoestratégicos no mundo.
Na prática, isso significará o estabelecimento de uma espécie censura mundial às informações que circulam na internet e nas redes sociais. Aquilo que for considerado fake, ao sabor dos interesses do governo norte-americano e de seus aliados, poderá ser impedido de ser divulgado. Já as informações de interesse dessas potências poderão circular livremente e serem “turbinadas” pelas redes sociais.
Some-se a isso a queda da neutralidade da rede, princípio básico que assegura tratamento igualitário às informações, e teremos, de fato, a formação de um Brave New World destinado ao controle geopolítico das informações em rede.
Dessa forma, a internet, que surgiu como o campo da liberdade informação e divulgação, como alternativa democrática aos oligopólios tradicionais da produção e disseminação de informações, poderá se transformar em seu exato oposto: o mais poderoso instrumento de falsificação da realidade e de dominação geopolítica.
Evidentemente, esse não é um tema novo. Obras como Who Controls The Internet? de Tim Wu e Jack Goldsmith, The Net Delusion, de Evgeny Morosov e, sobretudo, The Digital Disconnect: How Capitalism is Turning The Internet Against Democracy, de Robert McChesney, compõem uma visão realista e sombria da internet e de suas redes.
Essa última obra, em particular, já demonstrava como o mundo da internet é principalmente dominado pelos interesses de grandes companhias, que efetivamente moldam a rede mundial de computadores. Com efeito, essas grandes companhias, com suas tecnologias proprietárias e seu imenso poder de produzir e controlar informações, transformam a internet numa grande plataforma de afirmação crescente de seus interesses próprios e particulares, em detrimento, muitas vezes, do interesse público
Porém, não se trata somente de interesses comerciais e econômicos. Há também os interesses políticos.
As chocantes denúncias de Edward Snowden revelaram ao mundo que as grandes companhias que controlam o fluxo de informações da internet, como Google, Microsoft, Apple, Facebook, Yahoo, etc. contribuem ativamente, através do sistema de espionagem PRISM, controlado pela NSA norte-americana, para transformar a internet numa gigantesca plataforma de controle político.
Nenhum cidadão do mundo que esteja conectado à rede está livre desse sistema ubíquo e bastante invasivo de espionagem, que devassa e-mails, ligações telefônicas, mensagens de texto, arquivos e postagens nas redes sociais. Tudo isso, diga-se de passagem, é feito ao abrigo das leis norte-americanas e, como o grosso do fluxo de informações da internet passa por servidores que estão nos EUA, torna-se praticamente impossível contestar juridicamente essas atividades.
Pois bem, agora, com essa decisão de colocar o controle do que é ou não verdade, do que pode circular ou não, nas mãos do NED, ou da CIA, ou ainda de outras instituições ligadas a governos vários, o domínio geopolítico sobre a internet e as redes sociais tende a se tornar cada vez maior, de modo que o espaço para os dissensos, para a informações alternativas, tende a encolher de forma crescente.
No Brasil pós-golpe, fala-se muito nos “braços midiáticos e judiciais” que permitiram apear do poder a presidenta honesta e prender Lula, o maior presidente da nossa História.
Mas é muito provável que o principal braço da desestabilização dos governos populares venha a ser o aparentemente inocente braço digital, dirigido pela CIA e outras agências, bem como por organizações nacionais de “checagem de fatos”.
Com esse “combate” distorcido às fake news poderão ser criadas muitas fake democracies.
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