Chile: pois é, não deu. Deu não...
"A direita, que já tinha maioria na Câmara de Deputados e empatava no Senado, saiu inegavelmente fortalecida", diz Eric Nepomuceno
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Por Eric Nepomuceno, para o 247
Na verdade, foi uma surpresa acachapante, por mais que as pesquisas indicassem o resultado negativo. O placar de 62 a 38 para recusar o texto da nova Constituição chilena superou as mais pessimistas visões dos derrotados e as mais otimistas dos vitoriosos.
Com isso, o Chile contina debaixo da Constituição herdada do regime sanguinário de Augusto Pinochet. E o governo esquerdista de Gabriel Borric, que mal chegou ao sexto mês, saiu abalado.
Há consenso de que uma nova Constituição deverá ser redigida e proposta à população. José Antonio Kast, o candidato da extrema-direita derrotado por Boric nas eleições do ano passado, é das poucas exceções que defendem a manutenção da Constituição dos tempos de Pinochet.
Assim que o resultado foi divulgado, Boric fez um pronunciamento convocando o diálogo e a abertura de um novo processo constituinte. Desta vez, porém, o novo texto será elaborado no Congresso, e não haverá, como no caso da Constituição rejeitada no domingo, um grupo de parlamentares reunidos com a missão específica de redigir o texto.
A direita, que já tinha maioria na Câmara de Deputados e empatava no Senado, saiu inegavelmente fortalecida. Com isso, deve-se esperar intensos debates na construção do novo texto.
A forte campanha da direita, do empresariado e do agro-negócio contra a aprovação do texto teve lances insólitos. Nas redes sociais foram espalhadas um sem-fim de mentiras, dizendo, por exemplo, que o texto proposto terminaria com a propriedade privada, ou daria aos indígenas o poder de decidir onde haverá ou não mineração e agricultura.
Embora defendendo a necessidade de um novo texto constitucional, essa direita fez de tudo para enterrar o que veio de uma Assembleia Constituinte peculiar: foi a primeira, em todo o mundo, a impor paridade entre seus integrantes, ou seja, equilíbrio entre homens e mulheres, e abrindo espaço para os povos indígenas. Deu no que deu.
Como acontece em ocasiões assim, os buscadores de explicação variam entre os que apontam graves erros de comunicação em defesa do texto recusado e os que mencionam o desgaste sofrido por Boric graças à pressão dos que cobram medidas radicais impossíveis de serem adotadas em tão pouco tempo de governo.
Há também quem critique o número de artigos da Constituição recusada – quase quatrocentos –, alguns dos quais, como os que tratam de meio-ambiente, considerados radicais.
Gabriel Boric entra agora em uma nova batalha. Em seu pronunciamento após o resultado das urnas, ele se comprometeu a construir “em conjunto com o Congresso e a sociedade civil um novo texto que interprete a grande maioria cidadã”.
Resta ver o que o Congresso pretende fazer. Até lá, vale a Constituição pinochetista, que apesar de todas as reformas que teve nos últimos anos continua, em especial no que se refere à economia e aos direitos sociais (praticamente inexistentes), valendo. E o Chile continua sendo o paraíso dos ultraliberais, tipo o nosso Paulo Guedes.
Enquanto isso, Boric terá de reformular seu governo, abrir novas frentes de negociação e diálogo com aliados e oposição.
Serão novos tempos – novos e tensos – no país de Salvador Allende.
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