“Chega de maldade e ilusão”
As eleições presidenciais de 2018 serão lembradas como aquelas em que o debate necessário entre visão neoliberal, típica da escola de Chicago de Milton Fredman, e uma visão social desenvolvimentista ou do novo desenvolvimentismo, de inspiração keynesiana, deu lugar a um moralismo medieval, a medos retóricos e distancia da realidade
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As eleições presidenciais de 2018 serão lembradas como aquelas em que o debate necessário entre visão neoliberal, típica da escola de Chicago de Milton Fredman, e uma visão social desenvolvimentista ou do novo desenvolvimentismo, de inspiração keynesiana, deu lugar a um moralismo medieval, a medos retóricos e distancia da realidade.
Os tempos são de irracionalidade.
As politicas públicas não estão postas aos eleitores, o que se vê é apenas uma histeria indesejada.
Li um artigo denominado "República Bolivariana do Brasil", assinado pelo jornalista Flávio Faveco Correa, cujo conteúdo é exemplo dessa irracionalidade.
Enfim, cada um que viva com as suas ilusões e certezas.
Por que digo isso tudo?
Bem, primeiramente pelo amor à verdade, à polêmica, ao debate democrático e porque o articulista, acima citado, fez afirmações apaixonadas, apresentou seu argumento com a pureza daquelas crianças que tem medo de assombração ou do "homem do saco".
A verdade é que não há, nem nunca houve, assombração ou do "homem do saco", assim como não há a tal ameaça comunista ou bolivariana no Brasil.
O antipetismo foi produzido grandemente pela psicologia de massas que o neofascismo usa tão bem.
Os neofascistas, representados por Bolsonaro, vem manipulando informações, produzindo notícias falsas e, o que é pior, tudo é visto ingenuamente como irracionalidade "natural", mas na realidade é produzido por técnicas calculadas racionalmente pelos interessados no caos.
Mas voltemos ao "risco da venezuelização" do Brasil e para construção do argumento recorro a um artigo muito bom que José Serra escreveu em 2014 chamado: "1964 – As ilusões do autoritarismo".
No citado artigo Serra, que não é nem de longe "petralha" ou adepto do "bolivarianismo" afirma, categoricamente, que o risco de uma revolução comunista no Brasil naquela época era delírio das classes médias, que, sempre tão desinformadas, apoiaram o golpe e fecharam os olhos ao arbítrio.
Novamente em 2016 as classes médias apoiaram uma ruptura institucional maquiada de legalidade, indo às ruas em todo o país vestindo verde e amarelo, com medo da ameaça comunista, da cubanização ou venezuelização do Brasil, com medo e de uma revolução iminente que a implantaria o tal regime bolivariano no país. Delírio ou disfunção cognitiva grave? Nenhuma das duas coisas, trata-se de método calculado com todo o zelo.
Coincidência curiosa. Tanto 1964 quanto em 2014 mineiros usaram a retórica do medo para cooptar a classe média e convencer os incautos.
Em 1964 o deputado Bilac Pinto, prócer udenista, afirmou que a esquerda, em 1963-64, se estava se armando, fato que no citado artigo José Serra negou que isso tenha ocorrido, segundo ele "dada a insignificância política de grupos radicais", ou seja, uma bobagem e uso da retórica para criar medo.
E em 2014 outro mineiro, o Senador Aécio da Cunha Neves, filho de arenista e eterno neto de Tancredo Neves, contrariado com a derrota, acendeu o estopim da maior crise politica do país, depois da redemocratização e, como Carlos Lacerda fez com Getúlio Vargas em 1954, declarou guerra à presidente eleita, aliou-se a Eduardo Cunha e inviabilizou o segundo mandado de Dilma Rousseff.
Penso que José Serra tem autoridade para opinar sobre o tema, pois viveu aquela época, foi presidente da UNE e, segundo ele, "...nem se cogitava do tema [revolução, cubanização, etc] ...".
Serra afirmou ainda que: "... era presidente da UNE e nunca ouvi nada a esse respeito. Ao contrário. Éramos vítimas de agressões de grupos paramilitares desde 1962.", ou seja, os fortões fascistas, como as baratas, são resistentes.
Temos que aprender com a História, negá-la é flertar com a estupidez.
A verdade é que: votar em "a", por não gostar de "b"; ou votar em "b", para evitar a vitória de "a", quando gostaria de votar em "c"; são interações pobres e desprovidas de racionalidade, interações irracionais.
Penso que o valor fundamental, que deveria ser o núcleo de convergência de todas as candidaturas, é a democracia e o que decorre validamente dela: Direitos Humanos e liberdades.
Por que?
Porque não se pode negar que apenas a democracia trouxe progresso social acentuado, como demonstram os indicadores de educação, saúde e rendimentos dos mais pobres, comparados aos indicadores do período de excepcionalidade institucional. Todos os outros argumentos em sentido contrário representam o chamado choro dos intolerantes, esses tão simpáticos a violência que as ditaduras praticam para ocultar depois. Essa é outra verdade inconveniente aos divulgadores das Fake News, essa gente nega a idoneidade dos indicadores auditados pelo Banco Mundial e pelas agências de risco de todo o mundo, porque todos os indicadores mostram que nos anos de 2003 a 2014, especialmente de 2003 a 2010, o país viveu período de prosperidade econômica e social.
Outra verdade inconveniente é o legado negativo da ditadura no Brasil: dívida pública oito vezes maior que a atual.
Não se pode esquecer que a economia era tutelada pelo FMI, e superinflação, para citar apenas algumas.
Aqueles que defendem uma solução não democrática ou a vitória de agentes políticos simpáticos ao totalitarismo, deveriam colocar a mão na consciência e reconhecer que a inflação só foi vencida no período democrático, a partir do governo de Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula.
Isso mesmo, quem venceu a inflação foi a democracia, os governos civis e não a ditadura ou os governos militares; quem universalizou a Saúde e a Educação foi a democracia; quem tirou o Brasil da tutela do FMI foi a democracia, portanto, sem democracia não há possibilidade de pacificação.
Por isso penso que considerar o voto em um candidato que: apoia rupturas institucionais, a tortura, a ditadura militar, a morte de brasileiros e a pena de morte; um candidato que não é capaz de articular uma ideia clara sobre economia, saúde, educação, segurança pública, relações internacionais, etc., é mais que um erro grave é disfunção cognitiva ou revela simpatia dissimulada com o totalitarismo.
Apoiar um candidato que só reconhece o resultado das eleições se ele for vitorioso diz muito dele e do por vir.
Em 1964 a retórica do medo, como método, serviu apenas para assustar a classe média e conferir verossimilhança à farsa golpista, essa é outra verdade inconveniente, e o País pagou um preço alto por haver renunciado à democracia em nome da defesa da democracia. Sendo assim, olhemos para o passado e para as lições que ele contém.
Fato é que estamos assistindo um festival de mentiras nessa campanha de 2018, mentiras cuja natureza e conteúdo lembram o fascismo.
A esmagadora maioria das notícias falsas, as chamadas fake News, tem a intenção de ganhar seguidores e tem como consequência essa atmosfera de agressividade irracional e emotiva, que foi propositadamente promovida pelo nosso candidato a Hitler, e por isso estamos testemunhando multidões dispostas a agir de modo violento e sem qualquer objetivo político.
Acredito que o objetivo oculto é a abolição da democracia, através da mobilização de apoio popular contra seu princípio de existência. Pertence ainda mais à natureza intrínseca do conteúdo e forma de sua propaganda.
Me desculpem a franqueza, mas "chega de maldade e ilusão", pois "... meu coração está com pressa / Quando a esperança está dispersa / Só a verdade me liberta / Chega de maldade e ilusão / Venha, o amor tem sempre a porta aberta / E vem chegando a primavera – / Nosso futuro recomeça: Venha, que o que vem é perfeição" (Perfeição, Legião Urbana – Renato Russo).
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