Celso de Mello aplica um xeque-mate em Aras
"O decano do STF, embora não tenha decidido nada, expôs de forma clara que as diligências pedidas pelos presidentes de partidos políticos são viáveis legalmente. Aras, reconhecidamente um admirador de Bolsonaro, ficaria em difícil situação se não a autorizasse. Agora, poderá ser acusado de amarelar diante dos militares", escreve o jornalista Marcelo Auler
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Por Marcelo Auler, em seu Blog e para o Jornalistas pela Democracia
Mais do que simplesmente encaminhar ao procurador-geral da República, Augusto Aras, as notícias crime protocoladas pelos presidentes de quatro partidos – PT, PSB, PDT e PV – contra o presidente Jair Bolsonaro e também o ex-ministro Sérgio Moro (no caso do pedido da petista), o ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, praticamente aplicou uma chave de galão em Augusto Aras, reconhecidamente um simpatizante do chefe do executivo.
Os pedidos dos presidentes dos quatro partido incluem a perícia nos celulares do presidente Jair Bolsonaro, do seu filho 02, Carlos Bolsonaro, do ex-ministro Sérgio Moro, bem como do ex-diretor-geral do DPF, Maurício Valeixo, e da deputada federal Carla Zambelli Salgado. Muito embora o decano do STF não tenha determinado tais apreensões, no decorrer de seu ofício ele deixa claro que isso pode ser feito.
O ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, já estrilou. Em nota divulgada na tarde desta sexta-feira (22/05) considerou o pedido “inconcebível e, até certo ponto, inacreditável”. Classificou, caso venha a se efetivar, como “uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder, na privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do País”. Augusto Heleno ainda alertou “as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
O encaminhamento das duas notícias crimes feito por Celso de Mello é uma praxe, uma vez que ao Ministério Público cabe promover a ação penal. Mas, o que poderia ser um mero despacho protocolar pedindo a manifestação daquele órgão, pelo ofício do decano tornou-se praticamente a indicação do caminho a ser seguido no Inquérito 4831. É nele que se investiga a possível tentativa de interferência de Bolsonaro na gestão do Departamento de Polícia Federal (DPF), como acusou Moro. Caso isso não se confirme, no mesmo inquérito Moro poderá ser responsabilizado por uma denunciação caluniosa.
Aras ficará em uma situação no mínimo embaraçosa caso não aceite solicitar as perícias dos aparelhos celulares de Bolsonaro e de seu filho 02, tal como requereram os advogados em nome do PSB, PDT e PV. O procurador-geral até poderá encontrar argumentos para não atender a tal solicitação, mas não conseguirá se esquivar das acusações de beneficiar o presidente. Agora, acrescida da conclusão que “amarelou” perante a reclamação do general Heleno.
Afinal, Celso de Mello fez questão de, respaldando-se em “eminentes doutrinadores”, expor de forma clara a obrigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária não se eximirem de investigar notícias crimes que lhes sejam dirigidas, independentemente do cargo em que o investigado esteja investido. Diz, inclusive, que investigá-las é “incontornável dever jurídico“.
Tal como nos trechos que copiamos abaixo, respeitando todos os conhecidos grifos com os quais o decano marca seus votos, o que lhe serve, ao pronunciá-los, para diferentes a entonação da voz:
MP não pode eximir-se de apurar
Cabe ter presente, neste ponto, por oportuno, que o Ministério Público e a Polícia Judiciária, sendo destinatários de comunicações ou de revelações de práticas criminosas, não podem eximir-se de apurar a efetiva ocorrência dos ilícitos penais noticiados.
É por essa razão que os atos de investigação ou de persecução no domínio penal traduzirão, em tal situação, incontornável dever jurídico do Estado e constituirão, por isso mesmo, resposta legítima do Poder Público ao que se contém na “notitia criminis”.
O significado e a importância da “notitia criminis” vêm ressaltados no magistério de eminentes doutrinadores, que nela vislumbram um expressivo meio justificador da instauração da investigação penal, pois, transmitido às autoridades públicas o conhecimento de suposta prática delituosa perseguível mediante ação penal pública incondicionada, a elas incumbe, por dever de ofício, promover a concernente apuração da materialidade e da autoria dos fatos e eventos alegadamente transgressores do ordenamento penal.
Lei vale para todos
Celso de Mello também destacou que a investigação não deve ser tratada de forma diferente por conta de casos nos quais as pessoas delatadas estejam investidas de algum cargo. Ou seja, deixa claro que independentemente de ser ou não presidente da República, o MP e a PF terão a mesma obrigação de investigar
A indisponibilidade da pretensão investigatória do Estado impede, pois, que os órgãos públicos competentes ignorem aquilo que se aponta na “notitia criminis”, motivo pelo qual se torna imprescindível a apuração dos fatos delatados, quaisquer que possam ser as pessoas alegadamente envolvidas, ainda que se trate de alguém investido de autoridade na hierarquia da República, independentemente do Poder (Legislativo, Executivo ou Judiciário) a que tal agente se ache vinculado.
Necessidade das diligências
Sem mencionar nenhuma diligência específica, o ministro também frisa, que as autoridades investigatórias devem recorrer aos meios necessários para obterem os necessários elementos de informação quanto à infração pena. Algo que pode significar que ele está validando o pedido de perícia nos celulares, única diligência solicitada e ainda não executada no Inquérito 4831 que investiga os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, denunciação caluniosa, advocacia administrativa, prevaricação e crimes contra a honra:
Disso tudo resulta, como corretamente assinala RENATO BRASILEIRO DE LIMA (“Curso de Processo Penal”, p. 86/87, item n. 6.7, 2003, Impetus), que, “Ao tomar conhecimento de notícia de crime de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, independentemente de provocação da vítima e/ou qualquer outra pessoa. Deve, pois, instaurar o inquérito policial de ofício, nos exatos termos do art. 5º, I, do CPP, procedendo, então, às diligências investigatórias no sentido de obter elementos de informação quanto à infração penal e sua autoria. Para a instauração do inquérito policial, basta a notícia de fato formalmente típico (…)” (grifos do original do ministro).
Resta ver como Aras irá se sair diante deste encaminhamento. Se irá realmente solicitar os celulares, incluindo os dos Bolsonaros, ou ser encontrará justificativa para fugir desta diligência solicitada, o que será um sinal claro de agrado ao presidente.
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