Celso Borges partiu e deixa muita poesia e saudade
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O poeta e jornalista maranhense Celso Borges, 63 anos, faleceu nas primeiras horas deste domingo de São Jorge, em São Luís (MA). Após dois meses internado em São Paulo para tratar um câncer, o poeta pediu que o levassem de volta para a ilha que tanto inspirou a sua obra. Passou a última semana na capital maranhense rodeado pela família.
Autor de 14 livros, Celso Borges viveu mais de 20 anos em São Paulo. Fez parcerias em várias de suas obras com músicos como Zeca Baleiro, Chico César, Vitor Ramil, Ademir Assunção, Rita Ribeiro, Vange Milliet, Sérgio Natureza, Ceumar e Assis Medeiros, entre outros.
Em 2013, quatro anos após voltar a viver em São Luís, lançou “O futuro tem o coração antigo”, título que tomou emprestado do pintor italiano Carlo Levi para marcar o reencontro com sua terra. A coletânea de poesias curtas, nostálgicas e intensas é ilustrada por fotos de estudantes feitas com a técnica do pin-hole.
Antes, havia publicado a trilogia “A posição da poesia é oposição”, reunindo os livros-cds “XXI” (2000), “Música” (2006) e “Belle Epoque” (2010), com participação dos parceiros musicais mencionados acima.
Editou a revista cultural Pitomba, com Bruno Azevêdo e Reuben da Cunha. foi curador Feira do Livro de São Luís do Maranhão (FeliS) em 2013 e 2014. Como jornalista, trabalhou ou colaborou para vários meios e também atuou em campanhas políticas.
A seu modo, sem vínculos com partidos ou movimentos, foi um militante da cultura e da democracia e jamais hesitou em expor suas posições e críticas, sempre preservando sua autonomia e independência.
Segue uma pequena amostra de suas poesias:
“pária”
somos poucos
cada vez menos
somos loucos
cada vez mais
somos além
dessa matéria óbvia
que nos faz dizer
— tá tudo bem.
“declaração inteira”
tenho dez almas:
uma de carne
onde me exponho aos instintos.
a segunda entrego ao zelador
para que o espanador a inflame
a terceira
quarta
quinta
sexta
sétima
oitava
entrego-as à mulher amada
para seu domínio completo
a nona carrego comigo
para sustentar o que de solidão exala
a décima
o que sobra dessa solidão
[em vídeo, na voz do poeta Luis Augusto Cassas: https://www.youtube.com/watch?v=sLwmh1EY23A]
“A saudade tem seus dias contados”
antigamente não tinha rush, stress
síndrome do pânico
antigamente não tinha lesão por esforço repetitivo
antigamente não tinha aquecimento global
buraco na camada de ozônio
bomba de hidrogênio, desmatamento florestal
antigamente não tinha desastre nuclear
antigamente não tinha botox, silicone, lipoaspiração
livros de autoajuda vendidos em supermercados
antigamente não tinha supermercados
antigamente não tinha reengenharia
turn key, laptop, second life, workshop
antigamente não tinha binas e bites, bingos e boeings
não tinha nasdaq, dow jones, bolsas de valores
antigamente não tinha títulos de capitalização
antigamente não tinha pistola automática
kalashnikov, napalm, winchester 22
fuzil ar-15, uzi-israelenses
antigamente nao tinha atiradores de elite
balas perdidas e escopetas filhas da puta
antigamente não tinha paparazzi, pesque e pague
placar eletrônico, tira-teima, tarja preta, tráfico de cocaína
antigamente não tinha canalhas escondidos
dentro do ar condicionado
antigamente não tinha sirenes, serasas e senhas
spc, pcc, hiv, cic, rg, fhc, mba, pqp
antigamente não tinha big brother brasil
antigamente não tinha terceira dimensão
quarto poder, o quinto dos infernos
não tinha fotos de fetos dentro da barriga da mãe
antigamente não tinha macabéas, mcdonalds
lindonéias, patricinhas
antigamente não tinha casa de mãe joana
não tinha dobermans, pitbulls, bichos de pelúcia
leões de chácaras, cercas elétricas
antigamente não tinha flores de plástico
antigamente não tinha tanta pressa
preço, prazo de vencimento
não tinha tanto deputado federal
arranha-céus, passarelas
celulares com não sei quantos pixels
antigamente não tinha aeróbica, aluguéis
lojas de conveniência
estacionamentos proibidos, condomínios fechados
antigamente não tinha velório que durava dois meses
(pobre james brown!)
antigamente não tinha cemitérios verticais
antigamente não tinha satélites, encouraçados digitais
nasas, nuvens carregadas de agrotóxicos
antigamente não tinha foguetes espaciais, skylabs
apolo 11, apolo 10, apolo 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1… fogo!
antigamente era antigamente
era antigamente era muito pior
antigamente era antigamente
era antigamente era muito pior
são tantas antenas tensas
cavalos caducos
pôneis putos
pastilhas tristes
são tantos cristos cansados
em cima de cruzes pensas
tantos tapetes mágicos voando baixo
arames farpados de nylon sofisticados
cercando falsas fazendas iluminadas
são tantos escarros cuspidos
sobre o vidro lateral dos automóveis
sapos babando sobre magnólias no cinema
britadeiras bordando o buraco dos asfaltos
escadas escuras escondendo silhuetas de simulacros
são tantos becos sem saída
entupindo todos os lados das ruas
caveiras corcundas decrépitas
caminhando sobre lápides estúpidas
são tantas mulatas moluscos
desfilando no fio da navalha
antigamente era antigamente
era antigamente era muito pior
antigamente era antigamente
era antigamente era muito pior
“Americana”
Clipe do jornalista Caíque da Silva, sobre o poema Americana, que faz parte do livro-cd “Música” (2006), de Celso Borges. A canção é interpretada por Zeca Baleiro, autor da melodia, e o gaúcho Vítor Ramil, além de leituras dos poetas Fernando Abreu e Celso Borges. Americana é uma homenagem a Bob Dylan e utiliza imagens de filmes sobre o artista norte-americano, além de “Maranhão 66” (Glauber Rocha) e gravações realizadas pelo cantor e compositor Woody Guthrie em viagem pelos Estados Unidos, na década de 1940.
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