Carta para os jovens neste domingo

Que venha o próximo domingo. Haja o que houver, estaremos renovados. Com a juventude mais longa do coletivo que somos



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Em outubro de 2010, na eleição do primeiro mandato de Dilma, escrevi:

O sentimento interno era de quarta-feira cinzenta, embora o sol no jardim, no céu azul, fizesse e faça um absurdo contraste entre a paisagem física e o que vem dentro do peito. Com tanto canto de pássaro, com tantos sininhos que passam a anunciar sorvete, pra quê sofrer, ou como lembrava Vinícius, "pra quê sofrer / Se há sempre um novo amor / Em cada novo amanhecer"? Nem precisava dizer, mas sou obrigado, porque ao escrever tenho que ser claro, mais límpido e vivo que o sol agora na rua: estava triste, sem explicação ou norte para o comportamento eleitoral de parte dos jovens no último domingo. Chateado, para dizer o mínimo, porque esperava uma votação majoritária, eloquente, expressiva, para Dilma.

Para quem já foi professor de jovens, e de muitos deles ou quase todos de área de risco, porque todo jovem sempre está em área de risco, material ou de angústia... Se me entendem, para quem tem filhos na idade dos 20, ou que acompanha os conflitos a ponto de explosão dos filhos de amigos que não adotaram a tática da conformação... Se me entendem, foi como uma traição dentro de casa, dentro do coração, para um bem muito precioso, tão ou mais importante que a vida. O dado objetivo, exterior, de cumprimento de dever eleitoral, cheio de pesquisas e números não nos atinge. Mas as pessoas em quem mais acreditamos, os que vêm depois de nós neste barco e jornada, sim.

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Eu não quero ver você cuspindo ódio /
Eu não quero ver você fumando ópio, pra sarar a dor /
Eu não quero ver você chorar veneno..."

Zeca Baleiro nos chegava porque naquele domingo o ouvimos muito, quase como uma premonição do que viria. "O melhor futuro este hoje escuro", ouvíamos, apesar da onda do mar a bater no arrecife, no sol da tardinha. Já na jovem caixa do supermercado, já nas notícias dos filhos nas salas de aula, vinham notícias de que Dilma não era majoritária. Por quê?

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Assim foi em 2010. E a candidata Dilma foi eleita para seu primeiro mandato. Por sorte ou necessidade, nesta hora difícil de 2016, recebo uma mensagem de uma jovem estudante, que me pergunta:

"Você acredita que o impedimento da presidenta vai realmente acontecer?"
Então eu lhe respondi:

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"É a situação mais grave que o Brasil já passou depois da ditadura. Reúnem-se contra o voto popular a grande imprensa, empresários, o legislativo e largos setores do judiciário. Mas é um absurdo absoluto. Projetam retirar do poder uma presidenta que não é desonesta, que não rouba nem cometeu crime. Eu não sei se o impeachment passa. Mas sei que vai nos encontrar com o moral e a moral altos. Esta profunda crise tem, pelo menos, uma coisa boa: desperta a consciência política nos jovens, acorda as forças dos mais velhos, que andavam meio enferrujados. Estamos todos com a mesma idade".

E respondo enfim de outra maneira, com as linhas que escrevi esta manhã para um romance inédito. Ele fala da juventude dos anos da ditadura, que resiste nos velhos militantes. Vocês bem imaginam o quanto tem sido difícil a concentração quando tudo e todos nos exigem e reclamam para a luta lá fora. Ainda assim, pude escrever hoje:

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Nós não nos predizíamos uma idade madura, com os cabelos brancos. Essa possibilidade era uma impossibilidade. Só agora descubro por que o nosso peito estoura de alegria, quando o meu amigo abre os braços tentando abraçar o oceano:

- Somos jovens.

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E começamos a rir, como se ríssemos de um absurdo, porque aos 20 ou 21 anos não podíamos ser outra coisa, a não ser jovens. Esse era o nosso pretexto de rir. Mas ríamos de fato era com a hora que foge, que partia de nós como um trem-fantasma a penetrar no escuro.

Assim foi, hoje. Então eu termino agora, à margem do romance, entrando na vida real e angustiante destes dias: que venha o próximo domingo. Haja o que houver, estaremos renovados. Com a juventude mais longa do coletivo que somos.

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