Carta aos Efésios: trabalho que dignifica, sim!

Nas entrelinhas, a “Carta aos Efésios” propõe subverter as relações sociais e aponta que o caminho é a igualdade e a equidade entre todas as pessoas.

Rua de comércio popular no Rio de Janeiro
Rua de comércio popular no Rio de Janeiro (Foto: REUTERS/Pilar Olivares)


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Eis mais um pouco de reflexão bíblica sobre a Carta aos Efésios, assunto do mês da Bíblia, em setembro de 2023. Em uma sociedade escravocrata como a do Império Romano, onde estavam as primeiras comunidades cristãs, onde “trabalhar com as próprias mãos” era coisa de pessoa escravizada, o autor da “Carta aos Efésios”[2] propõe revolucionar as relações sociais e aponta que todas as pessoas têm a mesma dignidade e, por isso, “trabalhar com as próprias mãos” deve ser postura ética para todas as pessoas e não apenas para quem está escravizado. Nas entrelinhas, a “Carta aos Efésios” propõe subverter as relações sociais e aponta que o caminho é a igualdade e a equidade entre todas as pessoas. Por isto, prescreve “trabalhar com as mãos, mas em coisa útil” (Ef 4,28), que gere vida, diríamos hoje. Trabalho com dignidade, sim; trabalho escravo, não!

Necessário se faz compreender como se dão as relações de trabalho e capital na nossa sociedade capitalista, com idolatria do mercado. Temos que reconhecer que a pessoa se faz humana trabalhando, pois, pelo trabalho, produz bens gerais necessários à vida humana. Mas trabalho é uma noção contraditória: tem verso e reverso. Pelo verso, o trabalho é engendrador de riqueza genérica humana, mas pelo reverso é mercadoria que gera acumulação de capital. O filósofo Karl Marx afirma o trabalho como um fazer criativo (poiesas, que, em grego, significa poético) e denuncia o trabalho escravizador (doulos, que, em grego, significa escravo). O trabalho pode se tornar uma matriz de pedagogia da emancipação humana, desde que a classe trabalhadora e a classe camponesa se libertem da exploração do capital, que usa a força de trabalho para acumular mais-valia e reproduzir o sistema do capital. O ser humano é criador de si mesmo, não sozinho, mas em comunhão de classe injustiçada. Emancipa-se quando conquista condições materiais históricas, que possibilitem desenvolver o seu infinito potencial humano. Na sociedade capitalista há um antagonismo, uma contradição, entre o trabalho proletário criador que emancipa e a concepção capitalista do trabalho que escraviza.

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Na “Carta aos Efésios” a responsabilidade social é apontada como critério do agir ético: “... e que assim tenha para repartir com os pobres” (Ef 4,28). Assim, o autor da “Carta aos Efésios” solapa a ideologia dominante do império romano que trombeteava aos quatro ventos a acumulação de riquezas. Por outro lado, a “Carta aos Efésios” orienta que, para se construir uma sociabilidade justa e ética, o agir humano não deve ter como finalidade o enriquecimento pessoal, mas a geração de justiça social regada pela solidariedade social. Ou seja, trabalhar para acumular, não! Trabalhar para viver e construir uma convivência social justa e ética, o que passa, necessariamente, pelo compromisso de resgatar quem está sendo roubado e injustiçado. Portanto, cidadania para todos/as é o que prega a “Carta aos Efésios”. 

Andai no amor”, sem hipocrisia (Ef 5,1). A exortação “andai no amor” (Ef 5,1), “vivendo amor autêntico” (Ef 4,15) é eloquente, porque coloca o amor no âmbito da ética, pois “andar” é agir, é comportar-se, é ter atitudes que concretizem as relações de amor. Não adianta dizer “te amo”, se o amor não é demonstrado em atitudes, no agir e no comportar-se. Na “Carta aos Efésios”, o autor brada: Falsas teologias, não! “Ninguém vos engane com palavras vãs” (Ef 5,6). As ideias, que formam o mundo simbólico e espiritual no qual vivemos, precisam ser ideias carregadas de palavras com senso de realidade e que orientem posturas humanizadoras. E jamais ideias negacionistas, moralistas e fundamentalistas, que mais alimentam preconceitos e discriminações. Pensando nos nossos desafios atuais, faz bem reconhecer que o Brasil não é apenas branco. O Brasil é indígena, é afro, é exuberantemente plural em termos culturais e religiosos. Portanto, postura ética de respeito, de empatia, de admiração e de reverência diante do diferente, que não oprime, mas enaltece o tecido social – é o caminho a ser seguido por todos/as. Quem, por exemplo, manifesta postura racista, misógina, homofóbica, que advoga uma pretensa hierarquia entre as pessoas está “enganando e dizendo palavras vãs”, segundo a “Carta aos Efésios”. 

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Comportem-se como filhos/as da luz. O fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade” (Ef 5,8b-9). Para não dar margem a espiritualismos vazios, o autor da “Carta aos Efésios” sempre explicita o sentido de várias exortações para o agir ético. Assim, comportar-se como filho/a da luz e não das trevas é ser pessoa bondosa, justa e verdadeira. O autor da “Carta aos Efésios” cita, provavelmente, um ditado popular da época que dizia: “Desperte, você que está dormindo. Levante-se dentre os mortos, e Cristo o iluminará” (Ef 5,14). No meio de relações escravocratas do Império Romano e em contexto de grande idolatria, com deuses para todos os gostos, o culto à deusa Ártemis, em Éfeso, que legitimava uma tremenda mistura de comércio com “capa” religiosa, contribuía para gerar um ambiente social de profunda alienação e desumanização. No império romano chegou-se até ao absurdo da divinização do imperador, de reis e autoridades vassalas do sistema opressor. 

Algo semelhante ocorre nos dias atuais com pessoas afundadas em pietismos, em espiritualismos, em ideologia da retribuição, agarradas a símbolos religiosos, mas, ao mesmo tempo, discriminando pessoas, sendo racistas, homofóbicas, misóginas e chegando ao absurdo de tentar solapar as instituições democráticas, guiando-se por fake news, que disseminam ódio e intolerância. Enfim, a “Carta aos Efésios” convida este tipo de pessoas a se despertarem do sono que as hipnotizou. “Desperte da alienação em que você se meteu! ” – diz a “Carta aos Efésios” a muitos de nós atualmente. 

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A “Carta aos Efésios”, aparentemente, aceita o machismo, o patriarcalismo e a escravidão, mas se lermos todo o texto e não apenas pinçar versículos, veremos outra coisa. A “Carta” advoga a superação do machismo, do patriarcalismo e da escravidão, ao apregoar: “Maridos, amem suas esposas como a seus próprios corpos” (Ef 5,28); “Senhores tratem bem seus escravos, sem ameaças”. (Ef 6,9), pois “o Senhor que está nos céus não faz distinção de pessoas” (Ef 6,9). 

Concluindo: E agora, José e Maria? Enfim, sob o ponto de vista do agir ético, a “Carta aos Efésios”, aparentemente, pode ser usada por quem se interessa em disseminar discriminações e preconceitos, divisões e construção de muros, se se fizer dela uma leitura literal e fundamentalista. Ou seja, há quem leia pinçando versículos que lhe interessam e interpretando-os fora do contexto, do pretexto e da integralidade da “Carta”. Entretanto, se lida atentamente, nas linhas e nas entrelinhas, considerando o contexto em que foi escrita e a finalidade para a qual foi escrita, concluímos que a “Carta aos Efésios” é um (a) manifesto pedagógico, pastoral e teológico-libertador, pois defende que é no agir que se faz a diferença. 

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Sintetizando o que vimos: nosso Deus age de forma libertadora. Tudo “em Cristo”, pois pelo que Jesus Cristo praticou e ensinou, de fato, Ele se tornou “pedra fundamental”, inspiradora nas relações humanas e sociais. Libertar “pelo sangue” não se trata de uma questão mágica ou ritualista, mas é libertar doando a vida. Somos todos/as da família de Deus, sem distinção. O comportamento digno que se espera de uma pessoa cristã é ter, na convivência social, posturas parecidas com as de Jesus Cristo, tais como, ser pessoa humilde, autêntica, verdadeira, que luta pela justiça, sendo justa, com a consciência de que “somos membros uns dos outros!” Roubo de nenhuma espécie, exorta-nos a “Carta aos Efésios”. Trabalho que dignifica, sim; trabalho escravizador, não! “Andar no amor” (Ef 5,1), sem hipocrisia. Todas estas belezas éticas e espirituais estão nos seis capítulos da “Carta aos Efésios”. Melhor que ler este texto aqui, é se debruçar sobre o texto da “Carta aos Efésios”, ler, reler, tresler – , de forma comunitária, buscando luzes e forças divinas para nosso caminhar histórico. 

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

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1 - Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG - Set/2022

https://www.youtube.com/watch?v=nUsZeprbRBY

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2 - Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

https://www.youtube.com/watch?v=bcIzASpx9Lo

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3 - Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

https://www.youtube.com/watch?v=1uc95pm6GeE

4 - Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

https://www.youtube.com/watch?v=csZGT2S49SA

5 - Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023

https://www.youtube.com/watch?v=IuTKCuFgfhw

Optamos por colocar entre aspas “Carta aos Efésios” ao longo do texto, porque em uma análise mais acurada constatamos que, de fato, não se trata de uma Carta e nem é destinada apenas à Comunidade Cristã de Éfeso. 

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